A decisão de Jair Bolsonaro (sem partido) de trocar o comando da Petrobras para conter a alta dos combustíveis pode ter o efeito oposto daquele desejado pelo presidente. Ao invés de resultar em queda da inflação, a medida pode levar a uma aceleração dos preços, devido à desvalorização do real frente ao dólar, como resultado do aumento da incerteza.
A taxa de câmbio influencia o preço de todas as commodities, incluindo os alimentos. Pesa ainda sobre os custos da indústria, que acabam sendo repassados ao consumidor ou prejudicando a saúde financeira das empresas.A piora na percepção de risco no país também tende a travar os investimentos das companhias, levando a uma redução das expectativas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano. E, com a piora do quadro inflacionário, o Banco Central pode ser levado a antecipar a alta da taxa básica de juros (Selic), o que afetaria também as perspectivas para o desempenho da atividade econômica em 2022.
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Nesta segunda-feira (22/2), mesmo antes de todos esse efeitos terem sido contabilizados pelos analistas, a expectativa do mercado para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em 2021 subiu de 3,62%, na semana passada, para 3,82%. Com isso, o índice oficial de inflação fecharia o ano acima do centro da meta, que é de 3,75% para este ano.
Segundo o boletim Focus do Banco Central, o mercado também elevou sua projeção para a Selic ao fim de 2021, de 3,75% para 4%. Atualmente, a taxa básica de juros está em 2% ao ano, menor patamar da história.
Os economistas pioraram ainda a estimativa para o crescimento do PIB neste ano, de 3,43% para 3,29%. Em 2020, eles avaliam que a economia deve ter encolhido 4,22% em decorrência da pandemia. O resultado oficial para o PIB de 2020 deve ser divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no dia 3 de março.
Mais pobres podem sofrer mais
Na sexta-feira (19/2), Bolsonaro comunicou através das redes sociais a decisão de substituir o atual presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim Silva e Luna, hoje presidente da usina de Itaipu.
A mudança, que ainda precisa ser aprovada pelo conselho de administração da estatal, gera uma enorme incerteza quanto ao futuro da política de preços da empresa.
Atualmente, a Petrobras adota uma política de paridade de preços dos combustíveis com o mercado internacional. Com isso, gasolina, diesel e gás de cozinha variam acompanhando as flutuações do preço do petróleo e a taxa de câmbio.
"Há um enorme ponto de interrogação sobre o futuro da política de preços dos combustíveis. Se Bolsonaro partir para uma linha populista, o que tem uma probabilidade muito grande de acontecer, pode haver aumento da incerteza, fazendo com que o real se desvalorize mais fortemente em relação ao dólar, e aí o contágio na inflação é bem mais generalizado", afirma André Braz, coordenador de índices de preço no Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
"Se o pobre vai economizar no gás de botijão e na passagem de ônibus urbano, que é influenciada pelo preço do diesel, por outro lado, ele é penalizado pelo encarecimento de outros itens componentes da cesta básica", explica o economista.
Na manhã desta segunda-feira, o dólar chegou a superar o patamar de R$ 5,50, após fechar em R$ 5,39 na sexta-feira anterior. Já as ações da Petrobras chegaram a cair quase 20% na bolsa de valores paulistana.
O especialista da FGV explica que a alta do dólar afeta, por exemplo, o preço das carnes, que já acumula alta de 23% em 12 meses até janeiro.
"A carne bovina, por exemplo, é muito demandada pela China. Quanto mais desvalorizada nossa moeda está, mais carne a gente vende para a Ásia. Com isso, o produto sai cada vez mais do nosso país, o que é ruim para a inflação, pois desabastece o mercado brasileiro", diz Braz. Com menos carne disponível, o preço dela tende a subir.
Ele explica que esse mesmo efeito deve levar a uma alta de preços da soja e do milho, que são usados como ração na engorda de animais como suínos e aves.
"O custo de criação desses animais aumenta. Então, além do avanço da exportação, pela desvalorização do real, também podemos ter um aumento de custos nesses segmentos, o que pode aumentar o preço dessas carnes e também do ovo", diz o analista.
Outro exemplo de produto cujo preço pode subir é o minério de ferro, usado na construção civil e também na fabricação de bens duráveis como automóveis, fogões, geladeiras e máquinas de lavar, feitos com chapas de aço. "O espalhamento da inflação, entre itens da cesta básica e bens duráveis é enorme", conclui o economista.
Intervenção na Petrobras não deve ser caso isolado
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, destaca que essa perspectiva de desvalorização cambial e consequente aumento da inflação é agravada pela percepção de que a intervenção na Petrobras não deverá ser um caso isolado.
"A sinalização do presidente de que ele pretende interferir em outros preços, como o da energia elétrica, remete a momentos do passado quando a presidente Dilma [Rousseff, do PT] tentou fazer o mesmo", diz Vale.
Ele lembra que, no governo da ex-presidente, o controle de preços dos combustíveis pela Petrobras foi usado como uma forma de controlar artificialmente a inflação, gerando prejuízos bilionários para a empresa. Já no setor elétrico, Dilma tentou baratear o custo da energia por meio de uma medida provisória (MP 579/2012) que causou enormes desequilíbrios no setor.
"Dessa vez, o grande risco é essa interferência de preços, tanto na Petrobras, como na energia, vir de uma forma um pouco diferente do que foi no caso da Dilma. Me parece que a ideia do governo agora é utilizar recursos fiscais para tentar evitar que os preços subam", explica Vale.
"Ou seja, você piora o perfil das contas públicas, num momento que a situação fiscal já está comprometida depois dos gastos em resposta à pandemia no ano passado. A piora fiscal traz esse possível impacto de pressão cambial e, consequentemente, de inflação."
Duas indicações de que o governo pretende usar recursos fiscais para interferir nos preços são o anúncio de Bolsonaro de que vai baixar o PIS/Cofins sobre o diesel e o gás de cozinha por dois meses, o que economistas estimam que pode gerar uma perda de arrecadação para o governo federal de ao menos R$ 3 bilhões, que precisará se compensada de alguma maneira.
Já no setor elétrico, Bolsonaro estaria planejando usar R$ 20 bilhões em recursos de um fundo setorial e devolver outros R$ 50 bilhões em valores pagos a mais pelos consumidores na conta de luz, como forma de baratear preços à população. As informações são da Folha de S. Paulo, em reportagem publicada no domingo (21/2).
"No terceiro ano de mandato presidencial, o presidente está olhando muito sua reeleição no ano que vem. Ele dá essas 'bondades' para a população, que mais à frente acabam se voltando contra as próprias pessoas, através de mais inflação", diz Vale.
Expectativas para o PIB também deverão ser afetadas
O economista-chefe da MB Associados avalia que esse cenário também tende a corroer as expectativas de crescimento para este e para o próximo ano.
"Todo o atraso na recuperação da atividade provocado pelo agravamento da pandemia, mais esse cenário de intervenção que começa a aparecer, também afetam a expectativa de crescimento, especialmente pelo lado do investimento", afirma o analista.
"Quando você tem crises como essa, o investidor lá fora fica com a percepção de que o país tem um cenário negativo pela frente, seja por conta da situação fiscal, seja por conta da perspectiva de baixo crescimento, seja por conta da incerteza generalizada na economia", diz Vale.
"Incerteza significa volatilidade muito intensa, o que é um cenário complicado para o investidor lidar, então a tendência é haver saída de recursos estrangeiros do país para mercados mais estáveis. Por conta disso, acontece a depreciação da taxa de câmbio."
O economista explica que o efeito de tudo isso para a inflação só não deve ser pior porque as empresas devem ter dificuldade de repassar a alta de custos aos preços, devido à elevada taxa de desemprego e aos muitos consumidores sem uma fonte de renda em meio à pandemia.
Sem repassar preços, as empresas devem perder margens de operação e de lucro. Com isso, a propensão das companhias para investir ou contratar trabalhadores fica prejudicada, o que também afeta negativamente as perspectivas de crescimento da economia.
"Podemos ter mais recuperações judiciais e falências por conta desse cenário de pressão de custos", diz Vale. "Isso também significa que o mercado de trabalho deve ter uma recuperação muito lenta, com a taxa de desemprego chegando acima de 15% nos próximos meses e sem perspectiva de voltar a cair com mais intensidade ao longo deste ano."
Selic pode subir antes do esperado e reformas ficam mais distantes
Diante da perspectiva de alta adicional do dólar e aumento da inflação, o Banco Central deve ser levado a subir a taxa básica de juros ainda neste primeiro semestre.
"Acredito que [a Selic] não subirá ainda em março, mas esperamos alta em maio, quando vai haver clareza em relação ao não andamento das reformas", avalia Vale. "Mas, se o câmbio continuar pressionado como está agora, talvez o BC seja chamado a subir taxa de juros antes da hora. Pode acontecer."
"Esse cenário de aumento de juros antes do previsto e talvez uma taxa mais alta do que se imaginava tem o efeito de reduzir a expectativa de crescimento para o ano que vem, porque uma alta de juros que comece agora e termine no segundo semestre teria seu impacto completo em 2022."
Com o chamado "centrão" à frente do Congresso, num terceiro ano de mandato presidencial, Vale avalia que a perspectiva aprovação de reformas controversas como a administrativa e a tributária é muito desfavorável.
"O cenário que temos no Congresso não é um cenário de ajuste fiscal. E o ministro Paulo Guedes está cada vez mais enfraquecido. Ele já não tinha um poder de determinar a agenda e agora fica ainda mais claro que o problema não era o [ex-presidente da Câmara] Rodrigo Maia, mas a dificuldade de articulação por parte do Ministério da Economia."
Para Vale, a permanência ou não de Guedes no governo agora se tornou pouco relevante.
"Ele está no governo, mas é como se não estivesse", opina o economista. "A questão que fica é: o ministro Guedes vai aguentar até quando essas ingerências de um governo que já não era liberal e fica cada vez mais parecido com momentos muito ruins do passado da economia brasileira, especialmente do governo Dilma? Até quando ele vai levar?"
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