A decisão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de trocar o comando da Petrobras, numa tentativa de conter a escalada dos preços dos combustíveis, reacendeu especulações sobre a permanência do ministro da Economia, Paulo Guedes, no governo.
Analistas questionam até quando Guedes vai seguir como fiador de um mandatário que dá reiteradas mostras de ter pouca afinidade com a agenda liberal defendida pelo ministro.
Guedes se mantém longe dos microfones desde o início da crise gerada pela interferência de Bolsonaro na estatal. Mas notícias de bastidores publicadas nos últimos dias dão conta de que o ministro continua no governo e aposta na votação da chamada PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial pelo Congresso para neutralizar o mal-estar criado pelo presidente.Apresentada ao Parlamento em novembro de 2019, como parte de um pacote de reformas que até agora não avançou, a PEC Emergencial está prevista para ser votada no Senado nesta quinta-feira (25/02). Além de viabilizar a retomada do auxílio emergencial para trabalhadores informais na pandemia, a proposta inclui medidas de contenção do gasto público, como o congelamento de salários dos servidores, além da desvinculação de despesas com saúde e educação.
Mas o episódio da Petrobras não é o primeiro em que o ministro Paulo Guedes foi "escanteado" pelo governo ou diretamente contrariado por Bolsonaro. Relembre outros dez momentos em que o "superministro" foi isolado por decisões ou declarações do presidente.
1) Intervenção na Petrobras no início do mandato
Uma das primeiras vezes em que Guedes foi considerado "escanteado" por Bolsonaro foi logo no início do mandato do presidente, em abril de 2019, e envolveu também a Petrobras.
Naquele mês, o presidente pediu à companhia que cancelasse um aumento no preço do diesel. O pedido foi atendido e o aumento, revogado, levando as ações da estatal a caírem mais de 8%.
"Ao não consultar e nem sequer avisar a Paulo Guedes, até então tido como seu 'posto Ipiranga', sobre a decisão de intervir na política de preços da Petrobras para atender aos caminhoneiros, Bolsonaro deixou claro que o economista não é mais indemissível", escreveu à época o jornalista José Nêumanne Pinto, em seu blog no site do jornal O Estado de S. Paulo.
Diante da crise gerada, Bolsonaro convocou uma reunião com um grupo de ministros. Após o encontro, Guedes declarou à imprensa que o presidente havia entendido como funciona a política de preços dos combustíveis da Petrobras e que não iria mais interferir na empresa.
2) Veto à 'nova CPMF' e demissão de Marcos Cintra
Novamente, em setembro de 2019, Bolsonaro e a equipe econômica voltaram a se estranhar.
Após o então secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, defender a criação de um imposto sobre pagamentos semelhante à antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), o presidente determinou sua demissão.
"Paulo Guedes exonerou, a pedido, o chefe da Receita Federal por divergências no projeto da reforma tributária. A recriação da CPMF ou aumento da carga tributária estão fora da reforma tributária por determinação do presidente", escreveu Bolsonaro em rede social.
Mesmo após o veto e a demissão de Cintra, a equipe de Guedes voltou em diversos momentos desde então a defender a criação de um imposto nos moldes da antiga contribuição.
3) 'Imposto do pecado' barrado
Em janeiro de 2020, foi novamente uma questão tributária que levou Bolsonaro a contrariar Guedes publicamente.
Durante sua participação no Fórum Econômico Mundial, em Davos, o ministro da Economia disse a jornalistas que havia pedido à sua equipe estudos sobre a possível criação de um "imposto do pecado", que incidiria sobre produtos considerados nocivos à saúde, como cigarros, bebidas alcoólicas e alimentos açucarados.
Em resposta, Bolsonaro declarou durante viagem a Nova Délhi, na Índia, que a criação do imposto estava descartada. "Ô Paulo Guedes, eu te sigo 99%, mas aumento no preço da cerveja, não", disse o presidente. "Não tem como aumentar a carga tributária, todo mundo consome algo de açúcar", completou.
4) Lançamento do Programa Pró-Brasil
Diante do início das medidas de distanciamento social em resposta ao coronavírus, o governo lançou em abril de 2020 um plano de recuperação econômica pós-pandemia chamado Pró-Brasil. Com a previsão de investimentos de R$ 30 bilhões em projetos de infraestrutura e R$ 250 bilhões em concessões à iniciativa privada, o lançamento foi realizado sem a presença de nenhum membro do Ministério da Economia.
"O aspecto mais importante da coletiva de divulgação foi quem não esteve por lá: Paulo Roberto Nunes Guedes, ministro da Economia e, aparentemente, ex-'Posto Ipiranga'", escreveu à época o economista Pedro Menezes, em sua coluna no site InfoMoney.
"Por enquanto, pouco sabemos sobre o futuro do Pró-Brasil, mas a crise entre o presidente e o antigo Posto Ipiranga está cada vez mais clara", observou o economista.
Do programa Pró-Brasil, apresentado à época como o "Plano Marshall" de Bolsonaro — em referência ao plano dos Estados Unidos para reconstrução dos aliados europeus após a Segunda Guerra Mundial — não se ouviu mais falar.
5) Reajuste de servidores liberado
Em maio de 2020, em meio à fase mais grave da primeira onda da pandemia, dois episódios envolvendo reajustes de servidores geraram atritos entre Bolsonaro e Guedes.
No primeiro deles, Bolsonaro deu aval à aprovação pelo Senado de um plano de ajuda financeira de cerca de R$ 125 bilhões para Estados e municípios com alterações que flexibilizavam a exigência de congelamento salarial do funcionalismo como contrapartida.
A decisão desagradou a Guedes. "Que história é essa de pedir aumento de salário porque vai na rua exercer sua função, seja médico, policial", questionou o ministro. "As medalhas vêm depois da batalha, e não durante a guerra."
Após apelo do ministro, Bolsonaro vetou o trecho da lei que tratava dos salários de servidores, congelando reajustes até o fim de 2021.
Ao fim daquele mesmo mês, o presidente editou medida provisória concedendo reajuste às Polícias Civil e Militar e ao Corpo de Bombeiros do Distrito Federal.
Novamente, a medida contrariou o ministro. "Quando Bolsonaro diz publicamente que vai atender a recomendação técnica de Guedes e vetar a possibilidade de reajustes dos servidores, e depois deixa passar o aumento aos policiais de uma unidade da federação governada por um aliado, ele desautoriza o ministro e passa um 'sinal errado desnecessário'", escreveu à época o jornalista Marcelo de Moraes no site BR Político.
6) Renda Brasil recusado
Em agosto do ano passado, a equipe econômica buscava soluções para ampliar o programa Bolsa Família após o término do auxílio emergencial criado em meio à pandemia.
Uma das possibilidades considera pelo time de Guedes à época era ampliar o programa de transferência de renda através da extinção de outros programas sociais considerados menos eficientes, como o abono salarial — uma espécie de "14º salário" pago a trabalhadores com carteira assinada que recebem baixa remuneração.
Esse Bolsa Família ampliado seria rebatizado de Renda Brasil. A ideia, no entanto, foi rejeitada publicamente por Bolsonaro.
"Ontem discutimos a possível proposta do Renda Brasil e eu falei 'tá suspenso'. Vamos voltar a conversar. A proposta que a equipe econômica apareceu pra mim não será enviada ao parlamento. Não posso tirar de pobres para dar para paupérrimos", disse o presidente.
7) 'Cartão vermelho' para a equipe econômica
Em setembro, o Renda Brasil novamente gerou ruído entre a Presidência e a equipe econômica.
Naquele mês, o secretário especial da Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, disse em entrevista ao portal G1 que a área econômica estudava o congelamento por dois anos de aposentadorias e pensões e que os benefícios fossem desvinculados do salário mínimo. A economia gerada seria destinada ao financiamento do novo programa social.
"Congelar aposentadorias, cortar auxílio para idosos e pobres com deficiência, um devaneio de alguém que está desconectado com a realidade", postou Bolsonaro nas redes sociais.
"Quem porventura vier propor para mim uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa", acrescentou o presidente.
Diante da repercussão gerada pela declaração, Guedes veio à público dizer que o "cartão vermelho" não era para ele.
"Não foi para mim. Conversei com o presidente hoje cedo. Lamentei muito essa interpretação", disse Guedes. "São estudos que fazemos, estamos assessorando. Várias simulações e estudos são feitos. Tratamento seletivo da informação distorce tudo."
8) Debandada de secretários
Ainda em agosto, outro episódio explicitou a dificuldade de Guedes em levar adiante sua agenda liberal. Naquele mês, os secretários especiais do Ministério da Economia Salim Mattar (Desestatização) e Paulo Uebel (Desburocratização) pediram demissão num mesmo dia.
Antes deles, já haviam deixado a equipe de Guedes o então secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, e o diretor de programas da Secretaria Especial de Fazenda, Caio Megale. O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, também pediu demissão em julho.
Ao deixar o governo, Salim Mattar disse que saiu do cargo porque havia falta de "vontade política" em avançar nas privatizações, principal agenda de sua pasta.
"O Salim hoje me disse o seguinte: 'a privatização não está andando, eu prefiro sair'. E o Uebel me disse o seguinte: 'a reforma administrativa não está sendo enviada, eu prefiro sair'. Esse é o fato, não escondo. Houve uma debandada? Hoje houve uma debandada", disse Guedes, admitindo o pouco avanço da agenda de reformas e seu isolamento dentro do governo.
Numa tentativa de reverter a imagem de que a agenda de privatizações do governo está parada, Bolsonaro entregou nesta terça-feira (23/2) uma medida provisória que busca acelerar a privatização da Eletrobras. O texto, no entanto, prevê que o governo mantenha poder de veto sobre decisões da estatal por meio de ações preferenciais, chamadas de "golden shares".
9) Guedes preterido para agradar Trump
Foram muitas as "bolas nas costas" de Guedes no segundo semestre de 2020. Ainda em setembro, o nome escolhido pelo ministro para o comando do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) foi preterido por Bolsonaro, que preferiu ouvir os conselhos do chanceler Ernesto Araújo, apoiando a indicação do americano Maurício Claver-Carone.
Guedes havia indicado ao posto o nome do economista brasileiro Rodrigo Xavier, ex-presidente do UBS e do Bank of America no Brasil.
A eleição do candidato de Donald Trump quebrou um pacto firmado desde a criação do BID, em 1959, de que os Estados Unidos não indicariam o presidente da entidade como uma forma de prestigiar os parceiros latino-americanos. Justamente quando seria a vez de o Brasil nomear o chefe da instituição, o Itamaraty resolveu seguir a Casa Branca, ignorando a indicação de Guedes.
10) Presidente do BB quase demitido
Antes de intervir na Petrobras agora em fevereiro, Bolsonaro já havia dado em janeiro deste ano mostras do seu desejo de interferir na gestão de estatais.
Naquele mês, o presidente pediu ao ministro Paulo Guedes a demissão do presidente do Banco do Brasil, André Brandão.
O descontentamento de Bolsonaro foi motivado pelo anúncio do fechamento de cerca de 200 agências pelo banco e de um programa de demissão voluntária com o objetivo cortar 5.000 vagas.
"Assim que recebeu a ordem para demitir André Brandão, Guedes começou a ação para reverter o pedido de Bolsonaro. Para convencer o presidente a desistir de uma nova mudança na direção do banco em menos de seis meses, pediu para [o presidente do Banco Central Roberto] Campos Neto conversar com Bolsonaro. Foi Campos quem detalhou para Bolsonaro o prejuízo que a demissão surtiria neste momento no mercado. Foi aí que o presidente recuou", reportou à época o site da rede de televisão SBT.
Com a decisão de Bolsonaro de intervir na Petrobras, o mercado passou novamente a temer a demissão de Brandão. Na segunda-feira (22/2), as ações do banco estatal caíram mais de 11% diante desse temor. Nesta terça-feira, os papéis já recuperam parte das perdas.
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