Sete Lagoas, polo industrial da Região Central de Minas Gerais e 11ª economia do estado, vive um inusitado momento de oferta de algumas vagas superior ao número de currículos entregues aos departamentos de Recursos Humanos das empresas. O surpreendente descompasso num Brasil de desemprego elevado reflete uma das faces da expansão das vendas dos produtores independentes de ferro-gusa, matéria-prima usada na fabricação do aço.
Com o impulso da valorização do dólar frente ao real, as exportações dessa indústria tradicional em Minas deslancharam, levando ao religamento de fornos e marcaram 2020 como período de crescimento que não se esperava em plena pandemia do novo coronavírus.
O bom resultado, no entanto, esbarra em outro desafio para o setor, imposto pelo aumento dos custos com minério de ferro granulado – um dos principais insumos da produção, junto ao carvão vegetal – , consequência do mesmo câmbio alto e do empobrecimento das jazidas minerais do estado.
O carvão também encareceu.
O Sindicato da Indústria do Ferro no Estado de Minas Gerais (Sindifer- MG) estima aumento de quase 120% do preço pago pelo minério no ano passado, baseado na metodologia internacional Platts, de precificação de produtos agrícolas e minerais. A despesa com o carvão teria dobrado.
O descolamento dos preços das matérias-primas preocupa o setor e pode comprometer o desempenho da indústria, afetando as previsões para um 2021 também promissor em demanda tanto no mercado internacional quanto no Brasil, segundo o presidente do Sindifer-MG, Fausto Varela Cançado.
“O problema mais sério e que se agrava é a falta do minério granulado. Podemos perder nossa competitividade no exterior num momento em que o país precisa do crescimento econômico”, afirma.
A média de aumento da tonelada do gusa é estimada em 66% em 2020.
A produção da indústria mineira do gusa cresceu 11% no ano passado, tendo alcançado 3,9 milhões de toneladas. As exportações, que combinaram retomada das compras principalmente da China e Estados Unidos com a conquista de novos mercados, avançaram 37,5%, fechando 2020 em 2,750 mihões de toneladas.
Foi o melhor desempenho dos últimos 12 anos que se seguiram à crise financeira internacional de 2008/2009.
À subida exponencial dos preços do minério de ferro se juntou a queda do teor de ferro da matéria-prima, fator que implica ainda maior impureza do material, sobretudo com mais sílica.
“Isso gera mais escória. As empresas passaram a gastar mais minério e carvão para produzir a mesma tonelada de gusa. A grande preocupação é que tenhamos minério de ferro de qualidade e preços ajustados dentro dos nossos custos”, diz o presidente do Sindifer-MG.
Nas estimativas de Bruno Melo Lima, que comanda a Metalsider, de Betim, na Grande Belo Horizonte, o volume de resíduo subiu de 100 para 450 quilos por tonelada de gusa. “A qualidade do minério piorou de tal forma que elevou os custos da nossa produção a um patamar que a gente jamais poderia imaginar”, afirma. Minério e carvão vegetal representam cerca de 80% do custo de produção do setor.
Licenciamento
Fausto Cançado informa que tem conversado com os representantes das mineradoras – os fornecedores são pequenas e médias empresas – para tentar solução.
O Sindicato da Indústria Mineral de Minas Gerais (Sindiextra) debita o desequilíbrio na oferta das pequenas mineradoras à indústria do gusa a uma combinação de fatores que impacta no alongamento dos prazos de fornecimento.
De acordo com Cristiano Monteiro Parreiras, assessor do Sindiextra, além do aumento da demanda dos produtores de gusa, influenciada por fornos religados no ano passado, as mineradoras têm encontrado dificuldades para entregar a matéria-prima na qualidade especificada.
“Há várias pequenas empresas que estão abrindo projetos para atender a indústria guseira. Apesar de todas as melhorias no processo de curso dos licenciamentos eles enfrentam demora”, afirma.
Procurada pela reportagem do Estado de Minas, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou que vem trabalhando no aperfeiçoamento dos procedimentos de análise de processos administrativos de licenciamento ambiental.
Segundo a nota da pasta, programa adotado em 2018 permitiu reduzir passivo de 2.335 processos de licenciamento para 620 neste ano. “A expectativa total do passivo é até o final do ano de 2022”, destaca a Semad.
Processos Além de metas estabelecidas “para produtividade para finalização de análise de processos administrativos”, a secretaria menciona medidas visando à simplificação e redistribuição de processos para as regionais com o objetivo de eliminar a fila de pedidos.
Até dia 16 deste mês, a pasta informou que há 34 processos administrativos de licenciamento ambiental para empreendimentos de lavra a céu aberto para minério de ferro e 15 processos administrativos de licenciamento ambiental para empreendimentos de atividade siderúrgica e elaboração de produtos sisderúgicos com redução de minérios, inclusive ferro-gusa.
As empresas requerem com esses processos, formalizados junto às superintendências regionais de Meio Ambiente (Suprams), fases de Licença Prévia (LP), de Instalação (LI) ou Operação (LO).
“Não foram incluídos neste montante os processos de renovação de licença de operação, presumindo a continuidade da operação pelo instrumento de renovação automática”, diz a nota.
Há uma larga variação de preços do minério de ferro, que tem cotação no mercado internacional. Considerando um preço médio, o Sindiextra considera reajustes de 16% em dólar da tonelada comercializada em 2020 e de 56,57% neste ano.
As cotações da matéria-prima mostraram arrancada desde o segundo trimestre de 2020 e o mercado brasileiro não só foi a reboque, como também respondeu à recuperação do consumo de aço na indústria da construção civil.
O agronegócio, por sua vez, manteve sua atividade, a despeito dos graves efeitos da doença respiratória sobre a economia, garantindo ainda os fornecimentos aos fabricantes de equipamentos.
Oferta insuficiente preocupa
A oferta insuficiente do minério de ferro granulado e a redução da qualidade do insumo preocupam a indústria de ferro- gusa em Minas num momento de previsões positivas para 2021.
São 46 usinas em operação no estado, três a mais na comparação com o fim do ano passado, segundo o Sindifer-MG.
O crescimento da produção, ancorado nas exportações e numa reação do consumo no Brasil, se refletiu no religamento de fornos e no aumento do nível de emprego, que passou de 7,5 mil ocupações em 2018 e 2019 para 9,1 mil em 2020.
Com três fornos operados em Sete Lagoas, o grupo AVG confirma as expectativas de repetir bom desempenho neste ano.
“O setor está rodando à capacidade bastante elevada. Em termos de demanda, assistimos a um mercado interno forte e, nas exportações, Estados Unidos, Europa e Ásia estão bem presentes. As matérias-primas é que criam esse ponto de interrogação”, afirma Sílvio Moreira, diretor comercial da AVG.
Bruno Melo Lima, à frente da Metalsider, observa que, de fato, as exportações mostraram performance pouca vista pelo setor nos últimos anos.
“Esperamos um ano tranquilo de trabalho, considerando que as condições cambiais não mudem e o mercado externo continue demandando a nossa produção. Vejo com otimismo um cenário com as vacinas contra o coronavírus chegando e o mundo saindo da crise provocada pela COVID-19”, afirma.
Contudo, ele acha ainda cedo para pensar em avanço da capacidade produtiva. “Não há minério e nem carvão suficientes para expandirmos. A logísitica de exportação está também muito carregada.”
No que se refere à oferta de matéria-prima, o presidente do Sindifer-MG, Fausto Cançado, observa que há a necessidade de liberação de novas cavas de minério de ferro.
“Tem de haver maior velocidade nos processos de licenciamento ambiental, às vezes muito lentos”, diz. Na avaliação de Cristiano Parreiras, assessor do Sindiextra, a perspectiva é de que a oferta das mineradoras volte a se ajustar.
“Nossa expectativa é de que o setor tenha um 2021 muito promissor e seja uma das molas propulsoras da recuperação da economia brasileira.”
No cenário de cautela com o qual trabalha Fausto Cançado, a indústria mineira do gusa tem condições de repetir o bom resultado de 2020, talvez até perdendo um pouco para o ano passado, tendo em vista a base alta de comparação dos dados relativos ao volume produzido e ao percentual de acréscimo dos embarques ao exterior.
“Não produzíamos tanto quanto no ano passado desde 2008. A expectativa agora é de que as exportações continuem firmes e com ampliação e novos mercados, além da recuperação da demanda interna”, afirma o presidente do Sindifer-MG.
Há vagas
Exemplo da fase promissora da produção mineira de gusa, o polo industrial de Sete Lagoas mantém entre 3,3 e 3,5 mil empregados diretos, maior nível desde a crise financeira internacional, de acordo com estimativa do Sindicado local dos metalúrgicos. Há 19 empresas atuando no município.Parte delas, como observa o presidente da entidade, Ernane Geraldo Dias, religou ou tem planos de religar fornos que foram abafados às vésperas de a pandemia do coronavírus se instalar no Brasil.
O setor tem encontrado dificuldades para preencher uma série de vagas, como de operadores de fornos, supervisores de fornos e operadores de pás carregadeiras.
A dificuldade pode estar ligada à aposentadoria de profissionais nessas áreas durante o ano passado.
“Apesar da pandemia, temos expectativa muito boa para a recuperação da indústria em Sete Lagoas. Todas as empresas estão contratando”, afirma Ernane Dias.