
Os contratos de locação de imóveis, celebrados antes da pandemia, podem ter suas cláusulas revistas diante do agravamento da situação econômica, conforme entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. A 4ª Vara Civil acolheu pedido de uma livraria localizada em um shopping, concedendo a substituição do Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), para fins de cálculo dos reajustes anuais do aluguel.
Em seu recurso à Justiça, o comerciante justifica que o contrato, com prazo de 120 meses, foi assinado em janeiro de 2020, com previsão de início de vigência em 1º de fevereiro do mesmo ano, mas em face da COVID-19, dos decretos e de acertos, foram iniciados somente em janeiro de 2021. Nesse período de um ano, o IGP-DI registrou 23,07%, enquanto o IPC foi de 5,64%.

A decisão da corte levou em conta a possibilidade da aplicação da teoria da imprevisão (onerosidade excessiva) e cita os artigos 317, 478 e 479 do Código Civil de 2002. Quando, por motivos imprevisíveis, haja desproporção entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, “poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”
Nos contratos de execução continuada, “se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

Em publicação no site Migalhas, em 31 de março, os advogados Jayme Marques de Souza Junior e Anderson de Souza Amaro, do escritório BMA – Barbosa, Müssnich, Aragão, citam caso específico no qual o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento a um recurso interposto pelo locador contra decisão proferida pelo juiz de primeira instância, que, liminarmente, havia reduzido o valor mensal pago pelo locador devido à pandemia da COVID-19.
“O tribunal revogou a decisão de primeira instância considerando que a crise econômica provocada pela pandemia presumivelmente afeta ambas as partes contratantes e, portanto, não poderia ter provocado desequilíbrio contratual; e o locador já havia reduzido em 70% o valor do aluguel durante a pandemia.”
“O tribunal revogou a decisão de primeira instância considerando que a crise econômica provocada pela pandemia presumivelmente afeta ambas as partes contratantes e, portanto, não poderia ter provocado desequilíbrio contratual; e o locador já havia reduzido em 70% o valor do aluguel durante a pandemia.”

“Com base nos dados preliminares disponíveis e analisados, é possível concluir que, embora as consequências da pandemia tenham afetado duramente os contratos de locação – principalmente devido a uma queda repentina da receita de pessoas físicas e jurídicas –, os tribunais e os legisladores têm sido cautelosos ao revisar ou suspender termos e cláusulas inseridos pelas partes em contratos privados de uma forma geral.
Em vez disso, preferiram preservar os contratos e a autonomia das partes contratantes para negociar soluções extrajudiciais com vistas ao reequilíbrio das disparidades causadas pela pandemia, privilegiando, assim, a segurança jurídica sobre as decisões açodadas”, dizem os advogados no site.
Em vez disso, preferiram preservar os contratos e a autonomia das partes contratantes para negociar soluções extrajudiciais com vistas ao reequilíbrio das disparidades causadas pela pandemia, privilegiando, assim, a segurança jurídica sobre as decisões açodadas”, dizem os advogados no site.
Outros casos
Fernanda Silveira, advogada, doutoranda em direito tributário, mestre em direito público, professora da PUC Minas e da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG, diz que no caso do Distrito Federal, o que o tribunal fez foi alterar o índice de correção do contrato de locação, “um precedente relevante que pode impulsionar outros casos, o que já vem acontecendo, com a revisão de contratos que se tornem extremamente onerosos em razão da pandemia.”
A advogada chama a atenção para o aumento abrupto do índice de preços, reflexo de uma inflação inesperada e da inegável situação de dificuldade generalizada em diversos setores. “Vários locatários reviram contratos em comum acordo com os locadores, com uma redução de até 30% no valor do aluguel. O momento atual é desafiador, por isso é importante que as partes façam concessões que resguardem mutuamente os seus interesses, pois nenhuma delas se beneficiaria com o rompimento abrupto de seus contratos.”
Contratos residenciais
Nos casos de locação residencial, o gestor de negócios imobiliários Igor Diniz, de 40 anos, recomenda que inquilinos e proprietários evitem recorrer à Justiça, onde uma decisão pode ser demorada e desgastante, e cheguem a termo comum. O IGPM, geralmente, é o índice mais usado por corretores.
“Hoje, com a pandemia, tudo tem sido negociável, sei de colegas da área que usam termo aditivo alterando pra baixo o valor do aluguel. Quando for retomada a economia, avaliam se retomam valores anteriores, ou se esse valor pendente será dissolvido nas próximas mensalidades”, diz ele.

“Sempre tivemos boas relações e, diante da pandemia, com meu contrato de trabalho suspenso, nem sempre conseguia cumprir o pagamento em dia. Ele apenas pedia que o avisasse com antecedência. Até agora não houve reajustes previstos no contrato e ele concordou em pagar o IPTU, dividindo comigo apenas a taxa de lixo, prevista no imposto”.
A aposentada Maria Olívia Costa, de 56, tem dois imóveis para alugar, sendo apartamento no Bairro Ipiranga, que ficou vazio assim que começaram as medidas de isolamento. "O inquilino saiu e tive muitas dificuldades para conseguir outro." Já o barracão no Bairro Sagrada Família, o contrato é antigo, e está abaixo do valor de mercado. “Mas a inquilina é muito gente boa, não incomoda em nada e não vou aumentar em momento como esse. Nos dois casos, sempre que necessário, estou disposta a conversar e ouvir para chegarmos em acordo para ambas as partes.”