Elo de várias cadeias produtivas da indústria brasileira e mineira, as grandes usinas siderúrgicas engataram recuperação da demanda no Brasil, puxada, em especial, pelos clientes da construção civil, montadoras de veículos, obras de infraestrutura e máquinas e implementos agrícolas e rodoviários.
Na avaliação das empresas, para se firmar o cenário positivo depende de vacinação em massa contra a COVID-19, no pior momento de avanço da doença, e da capacidade do governo de ressuscitar as reformas fiscal e tributária no Congresso.
Os indicadores da indústria siderúrgica relativos ao primeiro bimestre deste ano que o Instituto Aço Brasil divulgou no fim de março confirmam a retomada iniciada em meados de 2020.
Em janeiro, foram registrados os melhores desempenhos desde outubro de 2013 em produção e vendas de produtos planos e desde março de 2015 no consumo aparente, a soma das vendas no Brasil e das importações.
O volume produzido no país de aço bruto alcançou 5,8 milhões de toneladas em janeiro e fevereiro, crescimento de 7,3% frente ao resultado desses meses no ano passado, enquanto as vendas internas atingiram 3,7 milhões de toneladas, 24% a mais em idêntica base de comparação.
"Cenário que depende da aceleração do processo de imunização da população e de outras medidas, como as reformas"
Sergio Leite, presidente da Usiminas
A Usiminas encerrou o quarto trimestre de 2020 com a produção acima do nível anterior ao da pandemia e acréscimo de vendas de laminados e placas. O presidente da companhia, Sergio Leite, afirma que as expectativas são favoráveis para 2021.
No entanto, reconhece que o consumo de aço está atrelado ao desenvolvimento do país. “Um cenário que depende, naturalmente, da aceleração do processo de imunização da população e de outras medidas também importantes para o país conseguir se manter em uma curva ascendente na economia, como as reformas tributária e fiscal”, afirma.
É a mesma avaliação de Frederico Ayres Lima, presidente da produtora integrada de aços planos inoxidáveis e elétricos e aços especiais ao carbono Aperam South America, que opera usina em Timóteo, no Vale do Aço mineiro.
“Não há dúvidas de que a vacinação em massa é a principal medida para minimizar o panorama pandêmico do Brasil. Nos últimos 10 anos vivenciamos toda sorte de cenários econômicos e com a COVID-19 foi necessário promover mudanças no modo de conduzir as operações em todos os níveis”, destaca.
"Nos últimos 10 anos vivenciamos toda sorte de cenários e com a COVID-19 foi necessário mudar em todos os níveis"
Frederico Ayres de Lima, presidente da Aperam South America
A empresa ajustou a produção aos solavancos na demanda se aproveitando da flexibilidade da planta industrial de Timóteo e mantém previsão otimista para aumento variando de 2% a 3% do consumo de aço neste ano. “Temos expectativa de que a retomada do mercado interno ocorra de forma gradativa, puxada pela construção civil e projetos de infraestrutura”, diz Ayres Lima.
Outros dois segmentos que explicam a recuperação da siderurgia são os de óleo e gás e energia renovável, que contam com maior participação da indústria nacional, como enfatiza Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do Instituto Aço Brasil. “Não obstante às dificuldades ainda existentes, como a necessidade urgente de acelerar a vacinação da população brasileira, o olhar da indústria brasileira do aço para 2021 é otimista”, diz.
O indicador de confiança do setor, referente a março, atingiu 65,5 pontos, o equivalente a pontuação 15,5 superior à linha divisória do otimismo. O vice-presidente da Gerdau Aço Brasil, Marcos Faraco, diz que as perspectivas para os próximos meses são de continuidade da recuperação da economia e do que ele chama de ciclo de crescimento envolvendo todos os setores atendidos pela companhia.
“Além da construção civil, também vemos oportunidade no setor de infraestrutura, com a ampliação dos investimentos públicos e privados em logística e saneamento.” Ele chama a atenção para o fato de que além da vacinação como medida essencial, junto a outros protocolos sanitários, para minimizar os efeitos da pandemia, as reformas são necessárias num cenário de reação sustentável da economia.
Planejamento
Após retomar a capacidade produtiva anterior à pandemia do coronavírus, o grupo siderúrgico ArcelorMittal definiu como prioridade o atendimento do mercado interno, tendo reduzido os volumes das exportações. Houve crescimento dos contratos em todas as áreas de atuação da companhia, principalmente a construção civil, setores automotivo e de linha branca, máquinas e implementos agrícolas e rodoviários.
De acordo com a ArcelorMittal, o ritmo das exportações neste ano ficará em segundo plano, ditado pelo comportamento do consumo dos clientes no Brasil. Esse é também o planejamento da Usiminas, que vendeu 1,1 milhão de toneladas de outubro a dezembro de 2020, maior volume comercializado no período desde o quatro trimestre de 2015.
A siderúrgica prevê para junho a retomada do alto-forno 2 da usina de Ipatinga, que foi desligado no ano passado junto ao alto-forno 1, este último religado em agosto de 2020. O presidente da Usiminas, Sergio Leite, afirma que a estratégia é abastecer o mercado interno, que foi responsável, entre janeiro e março último, por 93% das vendas.
“Clientes importantes como o setor automotivo, de autopeças e construção, têm sinalizado capacidade recuperação e, portanto, nossa expectativa para este ano é de nos mantermos na rota do crescimento”. A companhia informou, durante a divulgação de resultados de 2020 em fevereiro último, que pretende investir R$ 1,5 bilhão neste ano, a ser destinados, na maior parte, à reforma do alto-forno 3, em Ipatinga, e ao projeto em implantação de empilhamento a seco da Mineração Usiminas.
LIDERANÇA
Ranking da produção nacional de aço (em % do total)
Aço bruto
Minas Gerais 31,7
Rio de Janeiro 29,7
Espírito Santo 16,3
São Paulo 7,8
Laminados e semiacabados
Minas Gerais 30,2
Rio de Janeiro 29,5
Espírito Santo 12,4
São Paulo 9,8
Fonte: Instituto Aço Brasil/Janeiro a setembro de 2020
Custos e dólar desafiam usinas
A recuperação do consumo esbarra em problemas enfrentados pela indústria do aço, e a produção de bens em geral no Brasil, como o aumento do custo de matérias-primas e insumos, assim como o recrudescimento da pandemia no país. Os dois fatores são considerados preocupantes pelo grupo ArcelorMittal. “A desvalorização cambial aumentou ainda mais o impacto nos preços dos insumos, já que parte significativa é precificada em dólar”, diz a companhia, por meio de nota.
O presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes aponta para o “boom” dos preços das commodities no mercado internacional, que repercute nos demais elos das cadeias de produção. “No caso da indústria do aço, a quase totalidade de insumos e matérias primas e, em especial, as essenciais como minério de ferro e sucata, tiveram significativa elevação de preços”, afirma.
As usinas arcaram em fevereiro com altas de preços frente ao mesmo mês de 2020 que chegaram a 93% no caso do ferro-gusa e 150% na sucata. Houve impacto nos preços do aço, por exemplo, de 65,5% no vergalhão (construção civil) e de 82,9% na bobina de aços planos, segundo o Aço Brasil. A elevação dos preços, que, de acordo com o instituto, ocorreu na Europa, Rússia e México, levou à polêmica, no fim de março, com a Câmara Brasileira da Indústria da Construçao (Cbic), que pediu ao governo que zere o imposto de Importação sobre o aço para dar equilíbrio ao mercado e evitar desabastecimento. Marco Polo Lopes negou movimento especulativo de preços e risco de desabastecimento.
Empresas consumidoras da cadeia produtiva também sentem a pressão nos custos e buscam alternativa. Fabricante e exportadora localizada em Cláudio, no Centro-Oeste de Minas, a Amapá Instalações e Armazenagem, que processa 100 toneladas de aço por dia, criou um software para redução de erros. O programa monitora a produção em cada máquina em tempo real. A matéria-prima representa 70%, em média, dos custos de produção, que deve crescer 14% em 2021. A Amapá faz gôndolas, racks, check outs, carrinhos, estantes, armários e porta pallets, entre outros itens.
Investimentos
A siderurgia contribuiu para a expansão da produção industrial de Minas Gerais em janeiro e fevereiro, com base em pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O ritmo das fábricas no estado apurou crescimento de 7,8%, em média, ante o primeiro bimestre de 2020, mas é preciso considerar a base fraca de comparação. Os segmentos responsáveis pela reação foram o extrativo (1,82%), metalurgia (0,77%) e veículos automotores, reboques e carroceria (3,17%).
A despeito dos efeitos da pandemia, a intenção de investimentos dos setores de metalurgia e siderurgia cresceu 42% no primeiro trimestre deste ano em Minas, alcançando R$ 2,378 bilhões em dois projetos, informa o INDI - Agência de Promoção de Investimento e Comércio Exterior de Minas Gerais. O gerente de atração de investimentos do INDI, Henrique Tavares Maior Soares, afirma que outros projetos nas cadeias de siderurgia e metalurgia entraram na discussão da equipe da agência, voltados à produção de aços longos, fio máquina e distribuição de produtos siderúrgicos, com recursos ao redor de R$ 3 bilhões. O estágio deles é de confiabilidade ainda, o que impede a divulgação de detalhes. (MV)