Profissional de uma das áreas mais afetadas pelo distanciamento social necessário para conter a disseminação da COVID-19, a de entretenimento , o músico Maycon Nogueira de Abreu, de 36 anos, se refez no trabalho, confirmando a inventividade reconhecida dos brasileiros que ganham a vida conduzindo suas atividades por conta própria e driblam, muitas vezes, seguidas crises na economia.
A chegada da pandemia foi como se o mundo desabasse, para Maycon de Abreu, diante do cancelamento de toda a agenda de shows. Sem dinheiro, ele não somente aprendeu outro ofício, como rompeu o preconceito e o machismo para se tornar designer de unhas.
A chegada da pandemia foi como se o mundo desabasse, para Maycon de Abreu, diante do cancelamento de toda a agenda de shows. Sem dinheiro, ele não somente aprendeu outro ofício, como rompeu o preconceito e o machismo para se tornar designer de unhas.
A Associação Brasileira de Promotores de Eventos (Abrape) divulgou estimativa de prejuízos de R$ 90 bilhões do setor desde o início da pandemia. De acordo com levantamento da entidade, 24 mil empresas encerraram atividades em todo o país, demitindo 450 mil trabalhadores.
Músico há 16 anos em Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, Maycon de Abreu atuava na banda “Cacau com Rapadura”, em 2019, quando junto com o irmão, o tecladista Max Leandro, decidiu montar o próprio grupo, a banda de forró “Balada Milionária”. O sucesso não demorou a surgir e shows em festas populares foram contratados em diversas cidades da região.
O líder do grupo musical fez planos e contatos para comprar um ônibus plotado com o nome do grupo, como viu artistas famosos fazerem. Contudo, em março de 2020, a “Balada Milionária”, que além dos espetáculos contratados tinha a perspectiva de acertar outras apresentações, viu a pandemia suspender as festas e eventos. A agenda foi cancelada. De uma hora para outra, o sonho da compra do ônibus desapareceu. O dinheiro também.
“Tivemos que interromper tudo. Um dia olhei para um lado e para outro e não tinha como fazer mais nada”, relata o músico, que se transformou num reinventor da vida profissional. Passados poucos meses da pandemia, percebendo as dificuldades, a noiva dele, Danny Castro, de 27, propôs ao músico que frequentasse um curso para formação de designer de unha em gel, ministrado por ela, que já era profissional da área. O músico não pensou duas vezes em enfrentar o desafio.
A capacitação durou dois dias. Maycon de Abreu aprendeu o novo ofício, que, na prática, consiste no alongamento das unhas, que também são pintadas com esmaltes de cores variadas e ornadas por material decorativo. O músico conta que, a princípio, achou “um pouco estranho” o novo trabalho e percebeu que encontraria resistência entre clientes acostumadas com a delicadeza do atendimento feminino. “Achei que elas poderiam achar que a minha mão fosse pesada”.
Confiança
O novo trabalho de Maycon de Abreu como designer de unhas se desenvolveu dia após dia e a eficiência foi reconhecida entre a clientela. “Hoje, algumas clientes pedem para fazer (alongar) unha comigo. Elas adquiriram confiança no meu trabalho”, assegura o designer.
“Tive que me ressignificar. Não tinha outra fonte de renda a não ser a banda de forró”, afirma Maycon, lembrando situações do dia a dia que não podem esperar, como o pagamento do aluguel e a própria sobrevivência. Ele e a noiva precisam bancar as despesas do filho do casal, Nicolas Nogueira Castro, de 2 anos.
O músico também precisou transformar o ritmo de trabalho. Em cima do palco, o seu mote era o embalo acelerado do forró. Na arte do design de unha em gel, a paciência é o que vale mais. O atendimento de cada cliente demora duas horas. “O trabalho exige paciência, técnica e dedicação”, enfatiza.
Danny Castro afirma que ao reforçar a divulgação do negócio e, com a chegada do novo profissional, o próprio noivo, a clientela aumentou. Com isso, o casal mudou-se para outro imóvel alugado, bem mais espaçoso, uma casa de dois pavimentos. O espaço de atendimento foi estruturado no segundo pavimento e o casal mora no térreo.
A atividade gera bom rendimento, segundo a designer de unhas. O alongamento de unhas com a técnica do gel custa R$ 140 e o atendimento para manutenção do serviço é feito por R$ 80. O casal atende seis clientes por dia. Os horários são agendados por sistema on-line, iniciando às 10h. A última cliente do dia é atendida às 18h, hora mais concorrida.
Maycon de Abreu destaca ainda as vantagens do trabalho em casa. “A gente deixa de sair para a rua e não expõe ao vírus (coronavírus). Além disso, quando termina o trabalho, descemos do segundo pavimento, já estamos em casa, com tranquilidade”, afirma.
Um 'tapa' na cara do machismo
Acostumado às filmagens, presentes durante a carreira de músico, Maycon de Abreu divulga os serviços de designer de unhas nas redes sociais, se apresentando com o apelido de “ vaqueiro das unhas”, referência ao trabalho da banda de forró que montou com o irmão também músico. Além do desafio de encarar a nova atividade, teve de vencer o preconceito e o machismo para atuar como profissional de beleza.
“Algumas me criticaram, dizendo que design de unha em gel é serviço de mulher. Mas, entendo que a pessoa que pensa assim é gente de mente pequena, que cria barreira. Tanto o homem como a mulher podem fazer qualquer serviço. Não há essa separação”, afirma.
Por outro lado, ele revela que recebeu apoio nas redes sociais, por dar exemplo e provar que não existe divisão de gênero no trabalho. “Muitas pessoas me deram os parabéns e falaram que eu dei um tapa na cara do machismo e mostrei que que outros homens também podem seguir essa profissão. Não é um serviço só de mulher”, conta.
Maycon de Abreu começou a trabalhar como designer de unha em gel há cerca de oito meses, em setembro de 2020. A decisão de atuar com a noiva tem garantido o sustento durante a pandemia e promoveu mudança também na vida do casal. Ele passaram a morar juntos em janeiro passado.
Hoje, o músico está convencido de que superou as dificuldades impostas pela pandemia. “Eu me sinto realizado. Esse trabalho é uma coisa que agrega muito pra mim. Aliás, qualquer profissão que a gente aprende, seja de pedreiro; seja de técnico em eletrônica, agrega na nossa vida”, assegura.
A despeito da pouca experiência no novo trabalho, Maycon de Abreu decidiu abraçar a nova profissão. “Depois que essa pandemia passar, vou continuar fazendo os meus shows bonitinho – e tem muita gente esperando a pandemia passar. Mas, nas horas em que eu não estiver fazendo shows, estarei atendendo minhas clientes do mesmo jeito”, anuncia.
Luta
A máxima de que no momento de dificuldade é que as pessoas precisam lutar mais e mostrar esforço se aplica à noiva de Maycon, Danny Castro. Ela atua com designer de unhas em gel há três anos e até março do ano passado,trabalhavana garagem da casa da mãe em Montes Claros.”Eu atendia as clientes numa mesa e cadeira velhas”, descreve.
Com o inicio da pandemia, relata Danny, a mãe dela resolveu alugar a casa e se isolar na zona rural. Danny teve que alugar um outro imóvel para morar e trabalhar na cidade. “Transformei a sala da casa no meu espaço de atendimento”, diz. Com o fechamento de muitos salões de beleza, desde o ano passado, ela se aproveitou da oportunidade e ampliou a divulgação do serviço nas redes sociais. (LR)
As lições que Maycon Nogueira de Abreu, músico, 36 anos, aprendeu
- “Tivemos de cancelar tudo. Um dia olhei para um lado e para outro e não tinha como fazer mais nada”
- “Tive que me ressignificar. Não tinha outra fonte de renda a não ser a banda de forró”
- “Tanto o homem como a mulher podem fazer qualquer serviço. Não há essa separação”