Ganhar o sustento da família em casa, de frente para o computador, e com o uso de smartphone e tablet, representou transformação jamais imaginada pelo representante comercial Wagno Alves Pereira, de 30 anos. Antes da pandemia de COVID-19, a rotina de vida e de trabalho dele incluía viagens constantes para organizar grandes festas de aniversários de cidades do Norte de Minas Gerais, réveillon, carnaval, exposições agropecuárias e rodeios. Experiência semelhante vive Cristiane Ferreira da Silva, mulher de Wagno, que atuava há 10 anos no comércio varejista de calçados e, forçada a baixar as portas em vários períodos há cerca de um ano, passou a trabalhar em casa e recorreu às vendas eletrônicas.
A mudança refletiu a perspicácia de Wagno e Cristiane no mundo dos negócios, mas não ocorreu sem temor inicial e exigiu muito esforço, agora recompensado. Uma das consequências do isolamento social, para deter a disseminação do novo coronavírus, foi o incremento sem precedentes nos últimos 13 anos do comércio eletrônico no Brasil. O chamado e-commerce conquistou 13 milhões de consumidores no país durante o ano passado, de acordo com levantamento feito pelo Ebit/Nielsen, plataforma de pesquisa de opinião no varejo.
Cerca de 79,7 milhões de pessoas fizeram compras no modelo digital no ano passado, aumento de 29% em relação a 2019. Com a chegada da quarentena, a receita das lojas on-line cresceu 41% em 2020. Esse resultado inesperado acolheu os novos negócios de Wagno e Cristiane, que contaram a sua história ao Estado de Minas, nesta reportagem que encerra a série Negócio em Casa.
Wagno completava oito anos de trabalho no ramo de eventos, com aluguel de palco de som e organização de grandes festas em municípios do Norte do estado. Depois da pandemia, teve de desmobilizar o serviço, que empregava cinco pessoas. Curiosamente, trocou uma atividade ligada ao calor do contato humano em uma região caracterizada pelas altas temperaturas, favoráveis às festas ao ar livre, para abraçar a oportunidade oferecida pelas vendas de produtos congelados, como representante comercial.
“Fui obrigado a trocar o calor dos eventos pela venda de frios. Isso veio como uma luz na minha vida”, afirma Wagno. No trabalho anterior, a suspensão de festas e eventos públicos o fez passar dificuldades, como outros empreendedores do ramo. “Não tive mais como trabalhar na área. Passei aperto também”, relata o empreendedor, que é pai de quatro filhos. Foi no momento de maior pressão que ele encontrou alternativa para a sobrevivência.
“A ideia surgiu porque, no início da pandemia, vi que um ramo de comércio que continuou aberto foi de supermercados e mercearias. Foi uma área que não parou”, afirma Wagno, enfatizando que atuar nesse novo ramo era algo que jamais imaginou. “Mergulhei de cabeça nesse mercado”, diz o agora representante comercial, que atende clientes de São João da Ponte, cidade de 25 mil habitantes, e de outros municípios norte-mineiros, a exemplo de Mirabela, Varzelândia, Japonvar e Ibiracatu.
Adaptação
Wagno Pereira salienta que, para respeitar as medidas de distanciamento social teve que se adequar ao trabalho home office para manter contato com os clientes e registrar os pedidos das mercadorias. Para isso, usa os contatos por whatsApp e por telefone. “A gente conseguiu conciliar o meio comercial (as vendas) com a situação da pandemia. Aí, começamos a trabalhar com o home office.”
Houve também a necessidade de convencer os próprios comerciantes a fazer pedidos dos produtos pelo sistema a distância. “Havia clientes que só compravam na forma presencial, com as visitas. Foi muito bom orientá-los para comprar via on-line e pelo telefone. Isso ajudou muito”, relata.
Agora, ele comemora os bons resultados das vendas de congelados, como carnes e peixes. Wagno Pereira trabalha sozinho, em casa, de onde, com o uso do celular e de um tablet, mantém os contatos com a clientela e encaminha os pedidos dos produtos. “O home office me ajudou muito nessa nova etapa da minha vida. Acredito que, no futuro, praticamente tudo será pelo home office. Será tudo on-line também”, conclui.
Redes sociais
Dona de uma loja de calçados em São Jão da Ponte, Cristiane Ferreira da Silva, mulher de Wagn,o também reinventou o negócio, e improvisou um escritório em casa. No inicio da pandemia, em março de 2020, o comércio não essencial do município foi fechado. A comerciante, então, incrementou a divulgação de seus produtos e ativou as vendas pelo whatsApp e as redes sociais.
“A pandemia chegou de maneira assustadora. Ficamos com muito medo e paralisados. Com a loja fechada por 40 dias, vieram as contas para pagar. Foi terrível”, recorda Cristiane. Com a flexibilização das atividades econômicas na cidade, ainda no primeiro semestre de 2020, o movimento continuou fraco. “Vi que o comércio não estava reagindo”, diz. A saída foi apostar novamente na divulgação e no comércio pelo whatsApp e pelas redes sociais.
Em março último, o comércio não essencial foi obrigado a fechar as portas de novo, com as medidas mais restritivas contra COVID-19, adotadas por meio da onda roxa, a mais severa do Programa Minas Consciente, do governo estadual. Cristiane voltou a trabalhar em casa, reforçando as vendas on-line e as entregas em domicílio.
Caminho do sucesso
Qual é a receita para que o empreendedor, ao trocar o comércio físico pelas vendas on-line estruturadas em home office consiga manter volume de vendas? É preciso saber usar bem as ferramentas virtuais e preservar sempre uma boa relação com a clientela.
A dica é de Mateus Martins, consultor de Marketing do Sebrae Minas. "Para seguir vendendo mesmo em casa, a principal estratégia é utilizar a tecnologia a seu favor. Com o distanciamento, se faz necessário que os vendedores estejam em contato com seus clientes diariamente, mesmo que virtualmente", avalia Martins.
"O instagram e o Facebook são ótimas ferramentas de aproximação, em que o vendedor pode estar próximo e entender mais da demanda e da nova rotina dos seus clientes. Já o Whatsapp Business, se bem utilizado, pode ser uma ótima ferramenta de fechamento e conversão de vendas.
"Funcionalidades presentes no app (aplicativo), como respostas rápidas e etiquetas, podem garantir que o atendimento do cliente seja o mais completo e personalizado possível, trazendo assim diferenciais no momento da venda", descreve o consultor do Sebrae Minas.
O especialista salienta que o setor de vendas passou por um grande aprendizado com o surgimento pandemia. "Os vendedores precisaram se habituar a realizar a venda ativa. Muito mais do que esperar seus clientes, eles precisaram encontrar estratégias e ferramentas que pudessem potencializar suas vendas mesmo em casa", afirma.
Mateus Martins chama a atenção para impactos da crise do coronavirus nos municípios do interior, como São Joao da Ponte. "O interior tem características peculiares, principalmente quando analisamos a capacidade de pagamento dos clientes. Em momentos de crise, muitos pequenos empresários são duramente afetados, tanto pela diminuição da demanda dos seus produtos e serviços, quanto pela falta de uma reserva de emergência que garanta a continuidade da empresa em momentos de crise. Para se adequar a isso, uma das estratégias mais utilizadas é apostar no delivery, tanto para atender as demandas locais como para buscar novos mercados nas cidades vizinhas", assegura Martins.
Transformações sem medida
A série de reportagens Negócio em casa mostrou que, um ano depois dos primeiros casos de contaminação pelo novo coronavírus, houve grande transformação no mercado de trabalho. Além do aumento do número de trabalhadores por conta própria, com os duros efeitos da pandemia sobre a oferta de emprego, a casa passou a ser local de trabalho e da busca do sustento de famílias em diferentes áreas, do comércio ao setor de prestação de serviços na área de alimentação. São empreendedores que contam com garra, experiência, criatividade e a ajuda de parentes e amigos.