No sentido da palavra, crise significa crescimento. A pandemia é uma oportunidade de aprendizado. Ensina sobre paciência, resiliência, esperança, empatia. Mostra a importância de manter o pensamento positivo quando tudo parece perdido. E tudo isso pode mesmo ser um novo começo. As pessoas estão repensando questões de trabalho, saúde, dinheiro, relacionamentos e objetivos. Também tem a ver com transformações. E isso em todos os aspectos da vida.
Na cadeia automotiva no Brasil, em geral, um questionamento surge para esse momento em particular: esperar um pouco antes de seguir com projetos e investimentos que vêm sendo feitos ou continuar com o desenvolvimento e pesquisas sobre novas tendências, às vistas com o futuro? No segmento automotivo, fica mais fácil responder essa pergunta. "Ter um carro próprio significa mais segurança, já que o carro se tornou barreira sanitária", observa o diretor comercial da AutoMAIA Veículos e diretor de marketing e planejamento da Associação dos Revendedores de Veículos no Estado de Minas Gerais (ASSOVEMG), Flávio Maia.
Ainda que muitas montadoras tenham paralisado operações por aqui, como cuidado em relação à disseminação do coronavírus, e mesmo diante da falta de insumos de produção, alguns levantamentos de consultorias do ramo demonstram que estratégias em inovação não foram deixadas de lado na maior parte das empresas, como constatou pesquisa coordenada por Automotive Business em parceria com a consultoria Roland Berger - e uma das conclusões é que a doença vem refletindo no avanço do nível de inovação, com planos e investimentos em avaliação e prosseguimento entre os empresários.
Ao passo em que impacta nos modelos de compartilhamento de veículos, a COVID-19 evidencia também outras percepções sobre mobilidade, veículos autônomos, digitalização e eletrificação, ainda que, em relação especificamente à tendência dos carros elétricos, executivos não vislumbrem boas evoluções em vendas antes de 2025. "Nesse caso, para os elétricos, tudo depende muito da autonomia quanto a fornecedores e cadeias de abastecimento. Mas a agenda da eletrificação não esfriou", pondera Flávio Maia.
Em relação a tecnologia e inovação, a pandemia é uma chance para o mercado aprender e apostar na implementação de novidades no setor, como a indústria 4.0, indicada por especialistas como alternativa para retomada do segmento automotivo, como carros integrados à nuvem, fábricas inteligentes e componentes impressos em 3D, tecnologias já presentes no setor industrial.
Consenso é que a recuperação está intrincada com o fim da pandemia no Brasil e, para tanto, o contexto a curto prazo seria melhorado com o avanço da vacinação. "Em Belo Horizonte, com a recente reabertura do comércio, como em outras cidades do país, o otimismo continua em alta principalmente no segmento de seminovos, que registrou crescimento em todos os meses do primeiro trimestre de 2021", conta Flávio Maia.
DIGITAL
No rol das lições evidenciadas pela pandemia, está uma outra maneira de entender e aplicar a Internet das Coisas, presença cada vez mais importante nas questões de mobilidade, chamando a indústria automobilística a pensar em carros ainda melhores e organizar fluxos nos aglomerados urbanos.
Transformar os meios de vendas em novos modelos é mais um ponto a compreender. O comportamento dos clientes mudou e a internet tem sido o principal motor de vendas. Muito mais que o e-commerce em si, é preciso estratégia para que cada empresa se posicione bem nas mais variadas plataformas digitais, e o foco também se volta para as redes sociais. O tópico está entre as tendências centrais em inovação do ramo automotivo.
“Na AutoMAIA Veículos, mais de 75% dos negócios já são oriundos de plataformas digitais e mais de 40% dos contatos se iniciam pelo whatsapp. Realmente é uma mudança de comportamento muito forte do consumidor”, diz Flávio Maia.
Segundo pesquisa sobre tendências de comportamento para o mundo pós-pandemia, publicada pelo The Economist, o e-commerce continuará crescendo e fechará até 50% das lojas físicas nos próximos 20 anos. As que sobreviverem terão que redesenhar sua experiência de compra. "É imprescindível se transformar digitalmente. Empresas que não investirem em novas tecnologias tendem a desaparecer", diz Maia.
A projeção entre especialistas é que o agendamento de serviços pela internet aumente mais de 30%, e as vendas online podem crescer cerca de 65% em relação ao ano passado. "E não se trata apenas de apresentar o produto, mas sim informar dados técnicos, elementos de qualidade, atender bem, com agilidade e eficiência. A questão é a experiência do usuário, superar as expectativas em todas as etapas do processo", acrescenta o diretor comercial da AutoMAIA.
Os moldes convencionais de fazer negócio podem ser totalmente transformados. "Consumidores cada vez mais usam o comércio eletrônico, e lojas e distribuidores estão vendo isso. Ainda nas cadeias de fornecedores, a pandemia induziu a necessidade de automação para minimizar os perigos de infecção", observa Flávio Maia.
Ao lado da digitalização de processos, estruturas para transações presenciais não precisam ser tão grandes. O cliente pode estar mais perto mesmo em espaços menores. "A COVID nos mostra que serviços integrados e remotos geram bons resultados quanto às operações", frisa o empresário.
SUSTENTABILIDADE
Na pauta das discussões globais há um bom tempo, está a responsabilidade ambiental. Para a indústria automotiva, a pandemia também deve fazer ressurgir produtos que cooperam com o meio ambiente, como por exemplo, peças remanufaturadas, ao passo em que a humanidade adquire com a crise uma perspectiva mais cuidadosa com o mundo, e quando os governos aprendem sobre a chance de motivar essa especificidade da economia.
O percurso da indústria até a eletrificação e os veículos autônomos deve continuar. Fica evidenciado que fabricantes devem ter escolhas mais comprometidas. "A sustentabilidade e a mobilidade mais ecológica não são conceitos importantes apenas entre consumidores, mas também entre os governos. Já as frentes de compartilhamento veiculares esfriaram com a pandemia”, diz Flávio Maia.
Veículos antigos, capacitação online, eletrificação, produtos e serviços ecológicos, veículos de entrega, faça você mesmo (reparos que a própria pessoa faz no carro). “É o momento certo para buscar oportunidades em nichos específicos que vêm ganhando relevância, a fim de catalisar esforços de marketing e demais investimentos", continua Flávio Maia.
GARGALOS
O ramo automotivo para veículos zero quilômetro vive um momento mais delicado, já que a maioria dos brasileiros tem optado pelo seminovo. Problemas com logística, falta de insumos, e a fragilidade do real em relação ao dólar contribuem mais ainda para elevar custos de produção, com reflexo imediato na venda de veículos no mercado brasileiro. Uma outra lição da pandemia: é preciso retomar o caminho.
Rotinas de produção também devem incluir meios para proteger as pessoas, como novos layouts nos espaços de trabalho, distanciamento também em áreas compartilhadas, controle de temperatura e monitoramento do estado de saúde de colaboradores, disponibilização de álcool em gel, com observância de todas as demais orientações das autoridades em saúde.
"Fundamental é ter em mente um percurso para seguir em frente assim que a pandemia comece a esmorecer, ou que as regras da quarentena sejam aos poucos flexibilizadas. Conceber um planejamento em conjunto para voltar aos patamares anteriores. O que vai acontecer depois da COVID será reflexo das nossas atitudes de agora", conclui Flávio Maia.