Os duros efeitos da falta de controle sobre a COVID-19 e o impacto da doença numa economia fragilizada nos últimos anos transformam até mesmo corredores tradicionais do comércio de Belo Horizonte, que passaram a fazer parte da vida da cidade e se tornaram referência em algumas áreas e bairros da capital. Portas fechadas ou grande queda das vendas se multiplicaram nos polos comerciais de moda do Barro Preto e das antigas peixarias no Bairro Bonfim, dois exemplos do tamanho do desafio que os lojistas enfrentam.
As dificuldades anteriores à crise sanitária, diante do baixo crescimento do país e do caixa apertado por custos altos, incluindo os aluguéis, cresceram com as medidas de isolamento social, necessárias para deter a contaminação e as mortes provocadas pelo novo coronavírus. A boa notícia é que parte dos lojistas foi bem-sucedida ao migrar as vendas para a internet.
O Sindicato do Comércio Atacadista de Tecidos, Vestuário e Armarinhos de Belo Horizonte (Sincateva BH) estima que fecharam as portas depois da pandemia mais de 30% das lojas do reduto do comércio de moda instalado no Barro Preto há cerca de 50 anos. O presidente da entidade, Lúcio Emílio de Faria, destaca que os centros comerciais também sofreram o baque nos negócios. “No quarteirão anterior à Praça Raul Soares, temos sete lojas fechadas e mais vinte dentro da Galeria Chaves. O Montreal (shoppong local) está praticamente fechado, Savana (outro centro de compras especializado em vestuário e assessórios) também com muitas lojas para alugar. Com isso, o número de desempregados é muito grande”, afirma.
À reportagem do Estado de Minas, lojistas do Barro Preto confirmaram o corte de empregos. “Eram 14 lojas e viramos 12 porque tínhamos 100 clientes, mas hoje se passam dois por aqui é muito. E também tivemos demissão em massa. Sempre mantivemos de três a quatro vendedores e, agora, são apenas duas pessoas em cada loja. Tivemos pelo menos 14 funcionários dispensados”, afirma Sander Junior dos Reis Rezende, de 27 anos, gerente da empresa Tempus, rede de lojas de de roupa masculina e feminina.
Para Sander Reis, a região perdeu o título de poo da moda durante a pandemia. “Com todas as palavras e sinceridade, tem sido péssimo. O Barro Preto todo sofreu esse impacto, muitas lojas ficaram fechadas. Era o polo da moda, mas as ruas ficaram completamente vazias (depois da pandemia)”, lamentou. Concorda com ele Luciana Orlande, de 50, dona da loja Luxs, de roupas femininas. “O Barro Preto morreu. Era um bairro que despontava como atacado, e hoje perdeu essa identidade. A situação piorou por causa da pandemia, as pessoas não andam mais na rua. O bairro está deixando a desejar no negócio local”, afirmou.
Os períodos de fechamento e reabertura do comércio de produtos e serviços não essenciais na capital contribuíram para o abalo que as vendas sofreram, como avalia Lucas Almeida, de 37, dono de uma loja de bolsas. “Quando abre e fecha, até engrenar de novo demora muito tempo e tem muito amigo meu fechando, mas agora o comércio está voltando. O que preocupa é se parar de novo”. Lucas precisou se desdobrar para garantir o sustento na atividade. Além da loja, ele trabalha nas feiras de Contagem, na Grande BH, e aos sábados e domingos comercializa seus produtos na Feira de Artes, Artesanato e Produtores de Variedades de Belo Horizonte, conhecida como Feira Hippie.
Reposição
Os fornecedores também foram afetados pelos efeitos da pandemia de COVID-19, dificultando também a reposição de estoques pelos lojistas que continuam na atividade, como conta Maria Cristina Balduino, de 50, gerente da Loja Vivest, de roupa masculina e feminina “Tem sido complicado porque não conseguimos comprar mercadoria. Quase não encontramos. De clientes, tem sido esse vazio”, lamenta. O movimento caiu 70% nas estimativas da gerente. A empresa fez expressivo corte de funcionários, eliminando uma dezena dos 15 empregos que mantinha.Na loja gerenciada por Sander Rezende, houve perda de vendas por falta de mercadoria. “Quando a fábrica está fechada não temos o que fazer. As pessoas chegam procurando a novidade e não temos como oferecer. Está muito difícil arrumar fornecedores. Trabalhamos com marca de uma fábrica que mal abriu e já fechou por causa da pandemia”, reclama. Para Lucas de Almeida, um problema adicional na reposição de peças é o aumento dos preços, barreira à tentantiva de oferecer diversidade de modelos ao consumidor.
Campanhas
O sentimento dos lojistas do Barro Preto une o receio de avanço dos indicadores da pandemia nos próximos meses e incerteza quanto a possível fechamendo do comércio de produtos e serviços não essenciais. “Sabemos o impacto que causam as lojas fechadas. Se isso voltar a acontecer vai ser um desastre para todo mundo”, afirma Sander Rezende.As datas comemorativas têm ajudado a reerguer as vendas. O Dia das mães, comemorado no último dia 9, levou movimento às ruas e às lojas. “Ao longo da semana não só clientes, quem está trabalhando na região também compra”, acrescentou o gerente da loja Tempus. As expectativas se voltam agora para o Dia dos Namorados, em 12 de junho.
Lojistas como Luciana Orlande já planejou campanha de vendas. “Teremos uma campanha direcionada para as mulheres que se amam, se cuidam e vão se presentear”, conta. Outra alternativa adotada foi partir para as vendas digitais. A conquista de clientes pelas redes sociais animou a lojsta a inaugurar um espaço de e-commerce. “O que a pandemia trouxe de positivo foi que me desenvolvi no on-line. Foi uma reinvenção”, destaca. No comércio de bolsas de Lucas Almeida, metade das vendas passou a ser feita pela internet.
Custos maiores e oferta menor na rua Bonfim
Sem o movimento de clientes que transformou a rua Bonfim, na Região Noroeste de BH, em polo comercial de peixes, os lojistas desse conhecido corredor de empresas lutam para manter o título desde o início da pandemia. Após o bom resultado das vendas durante a Semana Santa, os comerciantes renovaram o ânimo com a volta dos consumidores, mas a preocupação cresce, agora, frente aos repasses dos fornecedores que encarecem a mercadoria levada às prateleiras.
Na Uai Peixes, o atendente Sandro Josué, de 44 anos, confirma grande queda das vendas. “Tem sido difícil. As vendas caíram 50% em média”, estima. “A referência do ponto ajuda, mas já esteve melhor, não é a mesma coisa”, lamenta. As demissões foram outra consequência do aperto financeiro.
Eder Diniz Souza, de 38, dono da Marítima Pescados e Frutos do Mar, calcula idêntica redução. Ele deu início ao negócio em 2019, apostando na referência do ponto, e nem poderia imaginar, pouco mais de três meses depois, os efeitos que a pandemia traria ao comércio.
“A gente atende muito restaurante,nosso forte é o atacado. Com o fechamento, eles ainda estão se reestruturando e as vendas deles também caíram, o que acaba prejudicando a gente também. No meu estabelecimento tive queda de 50%”, lamentou.
Eles acreditam que o preço alto repassado pelos fornecedores também prejudicou as vendas. Outro problema é a oferta menor de alguns tipos de pescados. “Os preços têm aumentado muito e também faltam alguns produtos. De R$ 60 o quilo salmão fresco foi a R$ 90, esse é um produto que está em falta. Tilápia, também com pouca oferta, de R$ 32 foi para R$ 50. O pessoal sem dinheiro e as coisas caras, isso prejudica a venda”, ressaltou Sandro Josué. Eder Diniz lembra que o custo subiu, principalmente, dos itens influenciados pelo dólar. As vendas reagiram durante a Semana Santa e os comerciantes passaram a ver perspectiva de recuperação. (NW)
Vizinhos se fortalecem na onda das vendas digitais
igração bem-sucedida de parcela das vendas físicas para o ambiente digital e o lema de que a união faz a força foram fundamentais para a virada dos negócios em pelo menos três polos comerciais conhecidos de Belo Horizonte, o corredor moveleiro da Avenida Silviano Brandão; o agrupamento de lojas de autopeças instaladas na Avenida Pedro II e o segmento de revendedoras de veículos abrigado na Avenida Barão Homem de Melo. Nesses famosos polos onde a aglomeração não favorece a COVID-19, lojistas e funcionários respiram aliviados com a manutenção das atividades, a despeito de longos períodos de fechamento da cidade, necessários para deter o avanço do novo coronavírus.
O aprendizado de como surfar na onda da internet e explorar a visibilidade oferecida pelas redes sociais impediu queda abrupta de vendas e, ao mesmo tempo, compensou perda de negócios na presença do consumidor. O setor moveleiro também se beneficiou do tempo maior que as pessoas estão passando em casa e o comércio de peças automotivas tem sua essencialidade.
Quando os indicadores da pandemia na cidade permitiram a reabertura, os estabelecimentos logo se encarregaram de fornecer álcool em gel e recebem o cliente com o sorriso por trás da máscara de proteção. Encaradas lado a lado com o comércio vizinho, as dificuldades resultantes de atraso na entrega de produtos e de preços repassados pelos forneceores parecem ter sido entendidas pelo consumidor, o que também ajudou na reação ao impacto da doença respiratória sobre a economia.
Diante do isolamento social, o polo moveleiro da Avenida Silviano Brandão, na Região Leste de BH, vê movimento tímido pelas ruas, mas tem o que comemorar. “Como é uma avenida conhecida pelo setor de móveis, o cliente vem disposto a comprar. Como existem muitam lojas juntas, nos fortalecemos e trazemos o cliente para a avenida. Aí nosso papel é ganhar o cliente aqui dentro”, explica Gabriela Rachid, que trabalha há 10 anos na empresa Marrocos Interiores.
O lado saudável da concorrência ajuda a convencer o consumidor de que as dificuldades são coletivas, como o atraso na entrega dos produtos importados e o aumento do preço repassado ao consumidor. “Claro, a gente teve muita dificuldade, mas estamos conseguindo nos adequar, graças a Deus. E é um dia de cada vez. O comércio fecha hoje e reabre amanhã, a gente nunca sabe... Então, no meio do furacão que foi esse último ano, estamos, no final das contas, tendo que agradecer”, ressalta a gerente comercial.
A utilização em peso das redes sociais impulsionada pela quarentena deve permanecer como estratégia permanente das empresas. “Nosso ramo de móveis nunca foi muito adepto à internet porque o cliente quer ver o tecido, quer tocar, quer sentar, pegar no nosso produto e verficar as dimensões. Foi um desafio até para os vendedores, mas foi positivo e acho que isso vai permanecer”, destaca Gabriela Rachid.
À distância de quatro quarteirões na mesma avenida, a loja Ambient Móveis exibe sofás que convidam a uma visita impossível de ser feita pelo Instagram, seguido por 40 mil pessoas. “A gente tem uma rede social atuante. Consegui manter mais ou menos 25% a 30% das vendas com a loja fechada”, conta o diretor comercial Lúcio Carneiro.
Instalada há 20 anos na Silviano Brandão, com quatro lojas, a empresa enfrentou várias crises da economia. “O faturamento está maior, porque o móvel foi um produto que se valorizou entre 30% e 40% na pandemia. As vendas estão se mantendo em base de comparação com os outros anos”, explica.
Sem pitstop
Na Avenida Pedro II, repleta de lojas de suprimentos para veículos, o lucro não se compara ao ganho do negócio antes da pandemia, mas a atividade se mantém. “Diminuiu a clientela. No entanto, por se tratar de serviço essencial, o movimento caiu, mas não foi nada significativo não”, conta a vendedora Joelma Pires, que trabalha há 2 anos na empresa 1100 Auto Peças.
Localizada na Região Noroeste de BH, a avenida resiste às mudanças provocadas pela crise sanitária na economia. “Aqui a gente tem autopeças, oficina, distribuidora, nada fechou. Então as pessoas continuam usando o carro e fazendo manutenção da mesma forma. A gente sentiu sim a pandemia, mas ela não teve o mesmo impacto que nos restaurantes, por exemplo”, acrescenta.
A 20 minutos dali, já na Região Oeste da capital, outra via é símbolo dos serviços buscados pelos amantes do automobilismo: a Avenida Barão Homem de Melo. As concessionárias tiveram de se reinventar para não perder o cliente que busca segurança na compra, como fez a InvestCar BH. “Aqui temos o cuidado de higienizar as mãos e os carros toda hora”, explica a vendedora Isabella Regina Chagas da Silva, feliz em poder trabalhar durante a crise.
A grande quantidade de lojistas atuando no mesmo mercado estimula a concorrência, mas ajuda a atrair os clientes. “Nosso foco é carro para trabalho e premium. Cada loja tem um tipo de público-alvo. Estarmos juntos não chega a atrapalhar, acaba fortalecendo porque as somos parceiros um do outro”, conclui.