Brasília – Às vésperas de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgar o resultado do Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto da produção de bens e serviços do país) do primeiro trimestre de 2021, houve enxurrada de revisões das projeções de analistas de bancos e corretoras embaladas pelo fato de os impactos da segunda onda da COVID-19 não terem sido tão ruins quanto eles esperavam. Esse movimento é um alento para o governo, pois, entre os integrantes da cúpula do Palácio do Planalto, há consenso de que, se a economia crescer entre 4% e 5%, neste ano, e mais de 3%, em 2022, o presidente Jair Bolsonaro estará reeleito.
Contudo, há dúvidas sobre se esse cenário otimista realmente vai se concretizar, porque há muitas incertezas pelo caminho. As novas estimativas apontam alta de até 5% no PIB deste ano, o que, mesmo se confirmado, deixa o Brasil abaixo da média global projetada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e de bancos internacionais, – em torno de 6%. Analistas ouvidos pelo Estado de Minas reconhecem que o avanço da vacinação será crucial para a concretização desse cenário otimista, apesar de as perspectivas para os países emergentes serem mais frágeis do que para as economias desenvolvidas.
A depender do impacto da terceira onda da pandemia, e do risco de apagão, que foi reconhecido pelo próprio governo, o cenário desenhado para a economia pode ficar comprometido. Outra dificuldade está em ressalvas quanto ao desempenho que o Brasil será capaz de mostrar em 2022, devido ao elevado grau de incertezas em um ano eleitoral.
Resta saber o que fará o Banco Central (BC), que iniciou, em março, outro ciclo de alta da taxa básica de juros (Selic, aquela que remunera os títulos do governo no mercado financeiro e serve de referência para as operações nos bancos e no comércio). A autoridade monetária pode atrapalhar os planos de reeleição de Bolsonaro se realmente focar em exercer a autonomia recém-conquistada no Congresso. Isso pode ocorrer porque a principal missão do BC é combater a inflação e preservar o poder de compra do real, apesar de, agora, ter se preocupar com a atividade e o emprego, teoricamente.
Como a carestia não dá sinais de trégua, especialmente agora, diante da perspectiva de novos aumentos na conta de energia, resta saber se a autoridade monetária continuará insistindo no discurso da “normalização parcial”, sinalizando que vai elevar a Selic a até 5,5% anuais, o que, de certa forma, ajudará Bolsonaro. “O BC vai passar por um teste sobre a autonomia e vai ter que se explicar muito bem nas atas cada passo tomado em relação à Selic”, aponta o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.
Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, não vê espaço para o BC interromper o ciclo de alta dos juros neste ano, porque as pressões inflacionárias devem continuar até 2022. Ele prevê a Selic chegando a 6,25% anuais, em dezembro, próximo do limite de 6,5% para uma taxa estimulativa para a atividade. econômica “O problema maior da crise hídrica será o impacto no preço, porque a economia já não deve crescer muito, pois o carregamento estatístico do PIB de 2020 neste ano é de 3,6%”, explica Padovani.
Segundo o economista, o ano de 2022 exige muito mais cautela e será difícil apostar no crescimento robusto da economia, devido à volatilidade e às incertezas elevadas, com os juros internacionais em alta, o ambiente político ruidoso e o dólar valorizado. “Um crescimento do PIB próximo de 2% faz mais sentido”, resume.
Marcelle Chauvet, professora de Economia da Universidade da Califórnia, também não vê chances de o PIB brasileiro conseguir crescer acima de 2% em 2022 e reconhece que as incertezas em relação à retomada da economia brasileira são elevadas. A economista não descarta a possibilidade de apagão neste ano.
“Existe um risco de emergência hídrica no segundo semestre deste ano para vários estados do Brasil. Se esse cenário for concretizado, sim, haveria um risco maior de apagão neste ano. Mas, é muito cedo para se ter projeções de chuvas para o ano que vem”, afirma.
Reação lenta
Na avaliação do economista Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais (NCN) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), as chances de o PIB crescer 5% são mínimas, especialmente, porque o desemprego vai continuar elevado enquanto o ritmo da vacinação contra o coronavírus continuar lento, como atualmente, e abaixo das projeções iniciais. “O emprego vai acabar se recuperando mais devagar, porque a área de serviços, que inclui comércio, transporte, hotelaria, bares e restaurantes e é o setor que mais emprega e que representa cerca de 70% do PIB, não vai retomar a normalidade enquanto não houver vacinação em massa. Sem isso, não é possível retomar as atividades desse segmento, que precisa da interação das pessoas”, afirma
Considera não descarta os riscos da uma terceira onda da pandemia. “Sem a vacinação em massa, a economia não vai se recuperar. Não sei se o PIB vai retomar o patamar pré-crise neste ano, mas a economia vai crescer pouco no ano que vem”, acrescenta o coordenador da FGV. No entender de Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, há espaço para o PIB brasileiro ser mais robusto neste ano, mas tudo vai depender da vacinação. “A demanda por consumo e serviços está reprimida e ela aumenta, no exterior, quando há aumento da vacinação e o brasileiro tende a ter um comportamento semelhante”, aposta.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, destaca que o risco de apagão apontado pelo governo é uma condição adicional para que o PIB não cresça muito no segundo semestre, apesar de o impacto ser maior na inflação do que na falta de energia. “É mais um risco pela frente e ajuda a colaborar para mantermos a nossa projeção de crescimento do PIB em 3,2%, porque vai depender das condições de vacinação e do impacto da terceira onda, que ainda não estão muito claros”, afirma ele, que prevê alta de 1,8% no PIB de 2022 e não descarta os riscos da terceira onda.
Vacinação necessária
As projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre, que será divulgado amanhã pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), antes negativas em meio à segunda onda da COVID-19, passaram a crescimento variando de 0,2% a 2,12% na margem, ou seja, na comparação com os três meses imediatamente anteriores. As revisões para cima feitas no mercado financeiro foram intensificadas após o surgimento de dados mais positivos do que o esperado, mas analistas reconhecem que os indicadores de confiança, tanto do consumidor quanto dos empresários, ainda são baixos. Isso ocorre devido, principalmente, ao desemprego recorde e às incertezas sobre o processo de vacinação.
As novas estimativas, apesar de mais otimistas, continuam apontando desaceleração na economia brasileira desde o último trimestre de 2020, se compararmos e evolução das taxas trimestrais. Além disso, analistas ouvidos pelo Estado de Minas lembram que o país continua apresentando crescimento menor do que o resto do mundo, sem contar que o país nem sequer figura entre as 10 maiores economias do planeta.
Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais (NCN) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), reforça a necessidade de vacinação para garantir a melhora no mercado de trabalho, que registra taxa de desemprego recorde, de 14,7%. Sem que mais de 70% da população seja vacinada, ressalta, “não será possível assegurar uma retomada mais robusta da economia”. Nesse sentido, ele cita a afirmação recente do Papa Francisco, sobre o fato de o Brasil não ter salvação, “porque o brasileiro toma muita cachaça e ora pouco”. “A única salvação do país está na vacinação”, frisa.
Para José Marcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, que elevou de 3% para 4,3% a previsão do PIB deste ano, o risco de apagão “é muito baixo” em 2021. “Temos muita usina térmica para ser acionada”, afirma. Segundo ele, essa onda de otimismo nas projeções está mais relacionada com a expectativa de avanço das reformas estruturais, como a administrativa e a tributária, que estão caminhando no Congresso e com o fato de as reformas microeconômicas, que foram realizadas ou pautadas desde o governo Michel Temer, estão começando a fazer efeito, como a trabalhista, que tem ajudado na geração de emprego formal neste ano.
“As reformas microeconômicas demoram para fazer efeito, mas quando são feitas, ajudam a melhorar o potencial de crescimento da economia”, completa Camargo. Problemas estruturais no Brasil que não são resolvidos é que fazem com que o país apresente taxas de crescimento abaixo da média global, resume Alex Agostini, economista-chefe da consultoria Austim Rating. Ele prefere manter em 3,3% a projeção para o avanço do PIB em 2021, mas tem a previsão mais otimista para o PIB do primeiro trimestre, de 2,12%. A previsão do Fundo Monetário
“A parte tributária ainda é muito complexa e afugenta o investidor. E há o problema fiscal que vem impactando fortemente no câmbio mais valorizado. O governo vem registrando deficit primário desde 2014, mas nunca teve um superavit grande que permitisse investimentos em robustos em infraestrutura de forma estratégica, a fim de reduzir a dependência do modal rodoviário, e mal consegue preservar o estoque, que está se deteriorando”, lamenta. Segundo ele, por conta desses problemas domésticos maiores do que os de outras economias, “o real apanha mais quando as moedas de países emergentes são desvalorizadas”.