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Estado de Minas CRISE HÍDRICA

Consumidor vai pagar mais caro para que o país evite apagão de energia

Governo e especialistas descartam racionamento de energia, com medidas para garantir abastecimento, como maior geração das usinas termelétricas e importação


10/06/2021 04:00 - atualizado 10/06/2021 07:08

No Sudoeste de Minas, a represa de Furnas, mantida pela empresa homônima, continua com os níveis abaixo da cota mínima de 762 metros, estabelecida por emenda à Constituição estadual
No Sudoeste de Minas, a represa de Furnas, mantida pela empresa homônima, continua com os níveis abaixo da cota mínima de 762 metros, estabelecida por emenda à Constituição estadual (foto: Divulgação/Alago)

Após emitir comunicado alertando para a possibilidade de ao menos oito reservatórios de usinas hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste do Brasil chegarem quase vazios a novembro próximo, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) alterou o discurso e garantiu, em nota técnica, que as ações conduzidas pelo governo federal são suficientes para abastecer o país neste ano. A mudança de tom ocorreu no último sábado, dia seguinte ao posicionamento, e não surpreendeu analistas do setor, que descartam racionamento em 2021, mas consideram inevitável novos aumentos nas contas de energia, as quais já vêm pressionando a inflação.

Não há mágica para garantir o fornecimento de energia num ano marcado por crise hídrica considerada histórica no Brasil. As soluções passam por medidas que têm sido adotadas e devem ser intensificadas, incluindo a flexibilização de restrições hidráulicas sobre as usinas das bacias dos rios Paraná e São Francisco, participação maior da geração das térmicas , energia mais cara, e a importação do insumo da Argentina e do Uruguai. 

A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) admite a criticidade do momento hídrico. Contudo, assegura esforços para manter o abastecimento. A concessionára diz que apenas o ONS tem condições de prever racionamento e possíveis apagões. Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas não acreditam na oficialização de política pública para controlar o consumo. Há, no entanto, quem aponte a possibilidade de problemas na geração.

Embora reconheça que o Brasil é assolado pela pior crise hidrológica desde 1930, o ONS deposita fichas em campanhas pelo uso consciente de água e luz. “O único cenário em que há risco de déficit é o cenário de referência, utilizado para demonstrar que ações precisavam ser tomadas com o intuito de evitar essa ocorrência. Sendo assim, diversas medidas foram aprovadas pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) e já estão em curso, o que faz com que esse cenário não se concretize e se garanta o fornecimento de energia e potência em 2021”, diz o comunicado mais recente emitido pelo ONS.

Walter Fróes, CEO da CMU Comercializadora de Energia, também não vê risco de apagões. “A situação hídrica no Brasil exige atenção sempre, mas está longe de ser um cenário catastrófico como estão apregoando por aí. A possibilidade de racionamento, por exemplo, é mínima”, diz. Segundo ele, simulações sobre os índices de precipitação no Brasil mostram que, até mesmo na hipótese mais delicada, o país dispõe de alguma reserva hídrica. “No pior cenário, ainda haverá 5% de água nos reservatórios em novembro, sendo que as chuvas começam já em setembro, em um ano normal”.

Ainda que não seja adotado um programa oficial de redução de gastos de energia, os brasileiros sentirão no bolso os efeitos da crise hidrológica, avalia Raimundo de Paula Batista, sócio-diretor da Enecel Energia. “Podemos passar sem a decretação do racionamento? Sim. Podemos passar sem aumento de custos ao consumidor? De forma nenhuma. O consumidor já está pagando o aumento — e vai pagar”, sustenta, fazendo menção à crise ocorrida entre 2014 e 2015, quando o governo federal, então sob o comando de Dilma Rousseff (PT), rechaçou a ideia de política para equacionar o uso de energia.

Para instituir eventual racionamento, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) precisa editar decreto sobre o tema, a exemplo do que fez Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 2001. “As chances de ele (Bolsonaro) decidir isso (racionamento), acho, são pequenas. (Sobre) a condição de atendimento do sistema, eu diria que está precária e sujeita a termos alguns blecautes”, opina Raimundoo Batista.

O presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Flávio Neiva, não crê em racionamento neste ano. A entidade espera que as medidas do Executivo deem fôlego ao setor. “As maiores preocupações recaem no início de 2022, quando já teremos uma ideia concreta sobre o próximo período chuvoso”, destaca.

Interligado 


O sistema sob o guarda-chuva da Cemig é composto por diversas usinas. No entanto, o “colchão d’água” é formado pelos empreendimentos de Três Marias (Região Central), Nova Ponte (Triângulo) e Emborcação (Triângulo, na divisa com Goiás). Segundo o boletim de operações do ONS, referente a segunda-feira, o nível da água em Três Marias estava em 566,55 metros, com 64,92% de volume útil, que representa a parcela de água dos reservatórios possível de ser usada para geração de energia. Em Emborcação, o nivelamento aos 630,6 metros significavam 22,27% de volume útil. Em Nova Ponte, por sua vez, os índices estavam em 785,97 metros e 15,88% de volume útil.

Ivan Sérgio Carneiro, gerente de planejamento estratégico da Cemig, afirma que o monitoramento feito pela companhia não aponta a usina de Três Marias, no Rio São Francisco, como o empreendimento em momento mais crítico. “A situação mais preocupante pode ser que esteja em Nova Ponte, no Rio Araguari, e no reservatório de Emborcação, no Rio Paranaíba”.
Segundo Sérgio Carneiro, a seca é fruto de 10 anos de baixos índices de chuva. Apesar da fase ruim, o fato de o setor elétrico ser interligado pode amenizar os problemas. “Quando a gente tem déficit de capacidade de geração em determinada região, essa energia vem de outras regiões. Temos uma matriz muito ampla: fontes térmicas, eólicas e fotovoltaicas, que garantem o suprimento energético do sistema interligado nacional”, lembra.

Água sob alerta na Grande BH

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de Minas Gerais (Copasa) garante que não haverá desabastecimento em Belo Horizonte. Ontem, o nível do Sistema Paraopeba, conjunto de reservatórios responsáveis pelos recursos hídricos da capital mineira, estava em 92,4%. “Caso haja a elevação significativa da temperatura, e diminuição da umidade do ar com consequente impacto no consumo, serão utilizados todos os recursos técnico-operacionais para a garantia do abastecimento da população, que deve sempre colaborar por meio do consumo consciente da água”, informou a empresa de saneamento.

Parte do sistema do Paraopeba, a represa Várzea das Flores, localizada em Betim, na Grande BH, deve ser  acompanhada inclusive pelo fato de ser um ponto turístico. Na terça-feira, a vazão do Rio das Velhas, que também alimenta a Grande BH, estava em 11 metros cúbicos por segundo. Em maio, foi emitido estado de alerta para o curso d’água.  Segundo a Copasa, a estiagem faz a vazão diminuir. A companhia afirmou que monitora a situação do rio e, quando necessário, faz manobras para reduzir a produção — sem prejuízos aos consumidores.

No Paraopeba, a mineradora Vale corre para não estender o atraso na entrega de novo sistema de captação de água, em Brumadinho, na região metropolitana. A obra, pactuada junto ao Ministério Público estadual por causa dos efeitos do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em 2019, deveria ter sido concluída em setembro do ano passado. O prazo foi postergado até fevereiro. Agora, a mineradora garante que, nas próximas semanas começa o bombeamento, com vazão inicial de mil litros por segundo (l/s). Quando a engrenagem estiver a pleno vapor, a capacidade passará a 5 mil l/s.

Enquanto isso, no Sudoeste do estado, a represa de Furnas, mantida pela empresa homônima, continua com os níveis abaixo da cota mínima de 762 metros, estabelecida por emenda à Constituição estadual promulgada em dezembro passado. Situado no Rio Grande, o reservatório estava, na segunda-feira, com nível da água a 758,67 metros. O volume útil marcava 36,28%. No Lago de Peixoto, antigo nome da Hidrelétrica Mascarenhas de Moraes, a medição apontou 660,85 metros, com 52,62% de volume útil. Leis mineiras estabelecem 663 metros como mínimo desejável. 

Lideranças políticas manifestaram descontentamento com a gestão do reservatório de Furnas, em detrimento do uso da água por atividades econômicas importantes, a exemplo do turismo e da piscicultura. Em maio, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), protestou dizendo que a ONS “apoderou-se” das águas tão somente para a geração de eletricidade.

Procurada pela reportagem para comentar a situação de suas usinas e o momento energético do país, Furnas assegurou que “cumpre estritamente as determinações dos órgãos reguladores na operação dos empreendimentos hidrelétricos sob sua concessão''. 
A corporação ressaltou que toda a energia gerada pelas usinas que controla é repassada ao Sistema Integrado Nacional (SIN).

Cemig e ONS trabalham para otimizar as operações em Nova Ponte e Emborcação. O objetivo é preservar os níveis dos abastecimentos. Há, também, diálogos com comitês de bacias hidrográficas em busca da otimização do consumo. “É importante que, neste período, tenhamos conscientização do uso ideal da água”, salienta Ivan Carneiro.

Para Raimundo Batista, sócio-diretor da Enecel Energia, a situação enfrentada pelo Brasil é consequência de decisões anteriores. O especialista lamenta o fato de o país não ter reservado a energia poupada por causa da redução de consumo ocorrida no ano passado, como consequência dos efeitos da pandemia de COVID-19 sobre a economia brasileira. “Tudo isso contribuiu para que os reservatórios chegassem a níveis muito altos em julho do ano passado. Poderíamos ter mantido e não teríamos nenhum problema neste ano”, analisa. (GP)
 


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