Pelo menos dez companhias públicas de saneamento básico não atendem a um ou mais critérios exigidos pelo novo marco legal do setor e pelo decreto que regulamenta a lei, publicado no início do mês pelo governo federal. O levantamento, ainda preliminar, foi elaborado pela GO Associados, considerando dados de 22 empresas estaduais publicados no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
A nova lei, em vigor desde julho do ano passado, exige que as empresas prestadoras de serviço comprovem ter capacidade econômico-financeira para viabilizar a universalização dos serviços até 31 de dezembro de 2033. O decreto editado recentemente é responsável por definir a metodologia dessa comprovação - ou seja, funciona como uma regra de corte das companhias que poderão ou não continuar atuando.
Para quem já tem contrato em vigor e pretende mantê-lo, esses requisitos precisam estar incorporados no negócio até março de 2022. De acordo com a regulamentação, as companhias têm até dezembro deste ano para apresentarem requerimento de comprovação de capacidade econômico-financeira à entidade reguladora responsável.
A GO Associados calculou que as companhias públicas do Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Alagoas, Maranhão, Amazonas, Pará, Piauí, Roraima, Rondônia e Amapá não atendem a todos os critérios da "etapa 1" do decreto - que prevê o cumprimento de índices mínimos dos indicadores econômicos-financeiros. Nessa fase, são observados pontos como o grau de endividamento, a suficiência de caixa e o retorno sobre patrimônio líquido da empresa.
Sócio da GO Associados e ex-presidente da Sabesp, Gesner Oliveira acredita que algumas dessas empresas têm chance de melhorar sua posição até o fim do prazo e manterem seus contratos. Mas isso dependerá de um esforço de recuperação. "Precisa de um choque de gestão", disse. Oliveira acrescenta que, se a melhora econômica e financeira da companhia pública não for possível, só com uma arrumação interna e com o auxílio do Estado. Essas empresas ainda poderão recorrer a parcerias público-privadas e ao processo de privatização, a fim de não perderem seus contratos.
"Alternativamente, as companhias estaduais poderão passar por um processo de desestatização, com requerimento a ser apresentado para o regulador, demonstrando a contratação de estudos para a desestatização até janeiro de 2022 e autorização legislativa para até dezembro de 2022, com conclusão da desestatização até março de 2024", aponta o estudo da GO Associados.
A análise considerou apenas os requisitos da primeira etapa de comprovação definida pelo decreto. As empresas que atendem a esses critérios precisam mostrar, numa fase seguinte, que também têm condições de cumprir o plano de investimentos. Segundo o levantamento, estariam de acordo com as exigências da etapa 1 as companhias públicas da Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. A GO Associados considera o estudo preliminar porque os dados usados, de 2015 a 2019, foram captados do SNIS e não são auditados, diferentemente das informações que serão prestadas pelas empresas.
‘Exclusão’
Questionado sobre o número levantado, o presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), Marcus Vinicius Neves, reconheceu que algumas companhias públicas passam por dificuldades financeiras, mas destacou que a comprovação de capacidade não pode ser um "modo de exclusão" e criticou pontos do decreto. Ele defende que o processo de universalização do saneamento passe pela união de esforços entre os recursos públicos e privados. "Existe um processo alongado para ser construído. Mas existem algumas questões desse decreto que precisam ser bem avaliadas. Tem ‘n’ situações que estamos discutindo e analisando", disse ele, acrescentando que ainda não há uma estimativa própria da Aesbe sobre quais empresas não cumpririam os requisitos do decreto.
Por sua vez, entre os dez Estados citados pela GO Associados, já existem iniciativas para melhorar o nível de investimento em saneamento. É o caso de Alagoas, que em outubro do ano passado concedeu os serviços de água e esgoto da região metropolitana de Maceió (AL). O certame foi considerado um sucesso, com valor de outorga pago pela empresa privada BRK de R$ 2 bilhões. O Amapá é outro. No fim de maio, o governo estadual publicou edital do leilão de concessão de serviços de água e esgoto para áreas urbanas em todos os 16 municípios do Amapá, atualmente prestados pela companhia pública. Os investimentos estão estimados em R$ 3 bilhões.
O Estadão procurou as dez empresas citadas pelo estudo como incapazes de atender aos requisitos do decreto. A CAERN (Rio Grande do Norte) afirmou, em nota, que em 2020 passou a atender aos quatro critérios exigidos pela lei. A Agespisa (Piauí) afirmou que tem condições de atender às exigências do marco e criou uma comissão para avaliar o que precisa ser feito para se adequar a elas. A Casan (Santa Catarina) afirmou que o estudo não leva em conta "todas as variáveis contábeis". As demais empresas não responderam até o fechamento desta edição. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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