A inflação nunca ocupou tanto espaço no prato de quem vai aos restaurantes de Belo Horizonte à procura do tradicional ‘PF’. Acumulado em 15% nos últimos 12 meses no país, quase o triplo da taxa oficial para o período, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –, o custo dos alimentos deixou a iguaria significativamente mais cara durante a pandemia.
O aumento repassado ao consumidor, dizem empresários, não reflete a real fúria do dragão sobre seus negócios. O setor alega operar há um ano e meio no prejuízo, amargando boa parte do impacto da carestia para não perder a clientela, cujo poder de compra foi drasticamente reduzido.
Para manter as portas abertas, os estabelecimentos recorrem aos mais diversos malabarismos – da pesquisa de preços à redução das porções oferecidas. Sobrou também para a tradicional feijoada, muitas vezes servida em versões mais compactas, com menos pertences nobres.
Efeito cascata
Dados do Mercado Mineiro mostram que o preço médio do prato feito em Belo Horizonte e Região Metropolitana passou de R$ 17,09, em fevereiro de 2020, para R$ 20,72, em abril deste ano, alta de 21%. De acordo com o último levantamento do site, divulgado em 25 de abril, as opções disponíveis variam de R$ 9,50 a R$ 42,90. A tomada de preços foi feita em 46 estabelecimentos.
Para o diretor do Mercado Mineiro, Feliciano Abreu, os principais inimigos da refeição popular se revezam no topo da lista do IPCA há pelo menos um ano. O líder dos aumentos é o óleo de soja que, entre maio de 2020 e maio de 2021, subiu 86,63% na Grande BH. Na sequência, vêm as carnes, reajustadas em 42,08% no mesmo período, seguidas do arroz (48,10%) e do feijão-preto (31,26%).
“Isso para citar apenas os alimentos. Temos de nos lembrar que essa conta inclui também o gás de cozinha, que aumentou quase 25% em um ano, a energia elétrica, que disparou, além do combustível, que subiu mais de 40% ao longo da pandemia. O consumidor, como sempre, é o lado mais fraco da corda, o mais afetado pela inflação dos alimentos. Mas a situação também está complicada para o setor de bares de restaurantes. Além de tudo, eles passaram vários meses sem poder abrir as portas. O momento é, realmente, muito crítico para todos”, pondera Feliciano.
O economista explica que os produtos alimentícios são pressionados sobretudo por três fatores: aumento da exportação de produtos, valorização do dólar e demanda interna maior.
“Principalmente a valorização do dólar. Imagine que você é um produtor de arroz. Entre vender para o mercado interno e exportar para a China, que paga em dólar, portanto, cinco vezes mais caro, qual opção seria mais tentadora? Isso altera o balanço entre oferta e procura no nosso mercado, tornando os alimentos mais caros”, observa Abreu.
“Principalmente a valorização do dólar. Imagine que você é um produtor de arroz. Entre vender para o mercado interno e exportar para a China, que paga em dólar, portanto, cinco vezes mais caro, qual opção seria mais tentadora? Isso altera o balanço entre oferta e procura no nosso mercado, tornando os alimentos mais caros”, observa Abreu.
Malabarismo
Proprietária do Bar da Lora, com duas unidades situadas no Centro de BH, Eliza Fonseca oferece pratos feitos com preços que vão de R$ 12 a R$ 17 reais. A opção de maior saída inclui arroz, feijão, bife, batata frita e salada. A empresária conta que pratica os mesmos preços há dois anos, mas pretende reajustar o cardápio a partir de 1° de julho.
“Segurei o quanto pude, porque sei que os clientes também estão sem dinheiro. Mas, agora, chegou num ponto em que eu estou praticamente pagando para trabalhar. Não tenho mais onde cortar despesas, minha margem de lucro ficou mínima. Tem um ano e meio que trabalhamos ‘na raça’, para sobreviver mesmo”, relata a empreendedora.
Entre as medidas de economia adotadas no estabelecimento, ela cita a redução do tamanho das refeições. “Antes, quando o cliente pedia um PF caprichado, a gente servia sem miséria. Hoje, não dá mais. Vamos começar a cobrar uma taxa. Também passei a cobrar um valor diferenciado quando o freguês opta pelo bife de carne vermelha, que está caríssima. PF com porco e frango custa R$ 12. Pelo bife de boi, a pessoa paga R$ 17”, afirma.
Eliza também reduziu o quadro de funcionários. Antes da crise, ela diz que a empresa contava com 16 empregados. Restaram dez. “Para compensar, eu e meu filho, que ficávamos mais por conta da administração, agora também cozinhamos e atendemos mesas. Nosso trabalho quadruplicou”, comenta a proprietária.
Eliza também reduziu o quadro de funcionários. Antes da crise, ela diz que a empresa contava com 16 empregados. Restaram dez. “Para compensar, eu e meu filho, que ficávamos mais por conta da administração, agora também cozinhamos e atendemos mesas. Nosso trabalho quadruplicou”, comenta a proprietária.
Na Cantina do Sorriso, instalada no Bairro São Lucas, Região Leste da capital, o dono Anderson Fernandes diz não ter modificado os pratos em benefício da economia. A solução encontrada foi dividir o aumento dos insumos com a freguesia.
“Eu não poderia mexer na qualidade dos pratos, pois é nossa marca registrada. Servimos carne de primeira qualidade, como filé mignon, contrafilé e alcatra. Imagine que, sozinho, cada bife desses me custa ao menos R$ 8. Então, não teve jeito, rachei o prejuízo com os clientes. Subi meus preços em cerca de 25%”, justifica Fernandes.
“Eu não poderia mexer na qualidade dos pratos, pois é nossa marca registrada. Servimos carne de primeira qualidade, como filé mignon, contrafilé e alcatra. Imagine que, sozinho, cada bife desses me custa ao menos R$ 8. Então, não teve jeito, rachei o prejuízo com os clientes. Subi meus preços em cerca de 25%”, justifica Fernandes.
A iguaria mais popular da cantina é o PF batizado de Chef Rusty Marcellini, vendido a R$ 27,90, composto de arroz, feijão-preto, couve rasgada e refogada na banha, ovo, linguiça de porco da casa e farofa de banana da terra. O item mais em conta do menu é o PF do dia, que sai por R$ 22,90. O prato acompanha um bife de porco ou frango, arroz, feijão, salada e batata frita.
Nem a feijoada escapou
Ícone da culinária brasileira, a feijoada também sente o baque da inflação.A Feijoaria, restaurante situado no Bairro Dona Clara, na Região da Pampulha, é especializado no prato, servido no esquema de buffet livre. A proprietária Gabriela Cruz diz que o valor cobrado por pessoa subiu de 62,90, em março de 2020, para 74,90.
O cardápio oferecido no delivery também foi reajustado. A feijoada completa magra de 400 gramas, acompanhada de arroz, couve e vinagrete, foi de R$ 32,90 para R$ 37,90. “Mesmo assim, fiquei no prejuízo, porque delivery requer embalagens e elas estão caríssimas, subiram mais de 100%”, pontua a empresária.
Para oferecer opções mais econômicas aos clientes, a Feijoaria também passou a vender meias porções dos pratos. “Estamos na praça há 10 anos, só não fechamos porque o espaço onde o restaurante funciona é meu, não pago aluguel. Se eu pagasse, já tinha fechado as portas há muito tempo”, queixa-se Gabriela.
“Chegamos em junho que costumava ser o nosso melhor mês. Em 2019, a esta altura, eu já não tinha mais vaga para reserva. Hoje, damos graças a Deus de ao menos podermos funcionar. As coisas agora estão melhores que em junho de 2020, quando estávamos fechados por determinação da prefeitura”, complementa. (CE)
A beira da indigestão
Preços da refeição fora de cada em Belo Horizonte sente a alta dos alimentos
Evolução do preço médio do PF em BH
Janeiro/2019 - R$15,79
Fevereiro/2020 - R$ 17,09
Abril/2021 - R$ 20,72
Fonte: site mercado mineiro
A força do dragão
Alimentos acumularam alta superior a 80% em um ano, pressionando o preço do prato feito e da feijoada
Óleo de soja - 86,63%
Arroz - 48,10%
Combustíveis - 46,04%
Carne - 42,08%
Feijão preto - 31,26%
Gás de cozinha - 23,83%
Fonte: IPCA/IBGE – maio 2021