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O governo do presidente Jair Bolsonaro ( sem partido) desviou recursos públicos que e deveriam ir para o Sistema Único de Saúde (SUS) combater a pandemia de COVID-19.Conforme a coluna desta terça-feira (06/07) de Malu Gaspar, em O Globo, os recursos extras vêm sendo usados para atender a "gastos de rotina que nada têm a ver com a pandemia."
Ainda de acordo com a colunista, baseada em relatório encaminhado à CPI da COVID pelo Ministério Público de Contas de São Paulo, entre as aplicações não relacionadas ao coronavírus estão gastos militares, que se multiplicaram por 13 de 2020 para 2021.
O levantamento foi feito pela procuradora Élida Graziane Pinto, que também é professora da Fundação Getulio Vargas.
Encomenda
O levatamento foi encomendado pelos senadores da CPI da COVID após Élida publicar um artigo, no mês passado, sugerindo à CPI investigar o que ela chama de "caos nos gastos públicos em saúde durante a pandemia".
A professora justificou o porquê de ter usado a palavra "caos" no artigo: “A gestão sanitária da calamidade decorrente da pandemia infelizmente não foi orientada para salvar o maior número de vidas possível. A dinâmica da execução orçamentária foi muito suscetível a capturas e desvios”, disse.
Gastos
Desde 2020, conforme contabilidade do governo, o governo já destinou R$ 730 bilhões para gastos extraordinários no combate à pandemia. Esse dinheiro foi usado em vários tipos de despesas, do auxílio emergencial à compra de equipamentos e vacinas.
Uma parte dessa verba extra – mais exatamente R$ 72 bilhões – deveria ir só para o SUS. Mas R$ 140 milhões foram parar no Ministério da Defesa, sem qualquer justificativa.
A coluna de Malu Gaspar afirma que "quase tudo o que foi parar na Defesa – R$ 130 milhões – foi empenhado neste ano para irrigar 184 unidades militares que nada têm a ver com hospitais. E ainda que fossem, não seria o caso de receberem verba do SUS, uma vez que a rede de saúde das Forças Armadas não integra o sistema único, nem aceitou tratar de doentes civis da Covid-19."
O levantamento realizado por Élida Graziane mostra que recursos foram repassados prioritariamente para as comissões aeronáuticas brasileiras em Washington (R$ 55 milhões) e na Europa (R$ 7,8 mihões), para a Comissão do Exército Brasileiro em Washington (R$ 3,113 milhões) e para o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (R$ 1,067 milhão).
O Ministério da Defesa também levou uma parte do dinheiro que não era destinado ao SUS, mas também deveria servir para o combate à pandemia, o chamado Orçamento de Guerra.
O dinheiro foi usado para despesas de rotina, sem relação direta com a Covid-19, como a compra de veículos de tração mecânica (R$ 22 milhões) ou uniformes (R$ 1,2 milhão).Até material esportivo, veterinário e roupas de camas foram comprados com o dinheiro da doença.
Para a procuradora de contas, os repasses são uma evidência de que a execução orçamentária do Ministério da Saúde foi capturada por interesses políticos.
"Esses créditos foram criados especificamente para a Covid. Quando se empenhou o dinheiro sem explicar como seria usado, abriu-se espaço para o desvio de recursos da saúde para possível aparelhamento de órgãos militares", diz Élida.
Para a procuradora, a história dos gastos do governo Bolsonaro com a pandemia, até aqui, teve três fases, em que o governo ignorou a lógica racional do combate à Covid.
No primeiro semestre de 2020, o esforço deveria ter focado em fortalecer a atenção básica, como postos de atendimento e saúde da família nos municípios – o que não foi feito, porque o dinheiro demorou muito a sair.
No segundo semestre, os recursos foram liberados, mas a aplicação foi guiada por razões políticas. Aí prevaleceu o envio do dinheiro para municípios menores, que eram base eleitoral de governistas, mas não faziam atendimento de média e alta complexidade – não tinham UTIs ou os grandes hospitais que receberam casos mais graves da doença. “Infelizmente a execução orçamentária do Ministério da Saúde foi capturada pelo calendário eleitoral”, afirma Élida.
Agora em 2021, diz ela, os créditos extraordinários estão sendo usados para cobrir despesas usuais e previsíveis, operando como "cheques em branco".
Dessa forma, configuram ainda outra irregularidade importante. A regra prevê que, por serem extraordinários e emergenciais, os recursos da pandemia não entram no cálculo do teto de gastos. Só que os gastos encontrados pela procuradora de contas não são nada emergenciais e muito menos extraordinários.
"É preciso investigar se não se trata de uma brecha para burlar o teto de gastos privilegiando despesas militares", afirma Élida.
O Ministério da Defesa afirmou que não irá responder à reportagem de O Globo.
O que é uma CPI?
O que a CPI da COVID investiga?
Saiba como funciona uma CPI
O que a CPI pode fazer?
- chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
- convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
- executar prisões em caso de flagrante
- solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
- convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
- ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
- quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
- solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
- elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
- pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
- solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados
O que a CPI não pode fazer?
Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:
- julgar ou punir investigados
- autorizar grampos telefônicos
- solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
- declarar a indisponibilidade de bens
- autorizar buscas e apreensões em domicílios
- impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
- documentos relativos à CPI
- determinar a apreensão de passaportes
A história das CPIs no Brasil
CPIs famosas no Brasil
1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor
1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União
2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores
2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal
2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde
2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão