O economista Rodrigo Orair, especialista em tributação, diz que a reforma do Imposto de Renda tem um objetivo claro: desoneração para garantir a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Ele critica a forma atabalhoada como o texto é analisado pela Câmara, mas diz que a proposta deve ser aprovada porque muita gente ganha. Leia trechos da entrevista.
O projeto do IR passa por um debate marcado por resistências. Elas se devem a quê?
O tempo foi muito curto. Uma vez que mandou o projeto de lei para o Congresso, automaticamente o relator afirmou que mudaria muita coisa. E nessas mudanças ele apresentou, pelo menos, três versões. Ficou uma coisa muito confusa. Hoje (ontem), de fato, ele inseriu o parecer no sistema da Câmara, que tramita em regime de urgência. E há um grande risco de ir ao plenário.
Qual a consequência do fatiamento da discussão da reforma tributária?
Tinha a história da reforma por fases. Começava pelo CBS e depois vinha o Imposto do Renda, o IPI e, em paralelo, o Senado trabalharia com um IVA subnacional (um imposto único) e um grande Refis. Essas seriam as supostas etapas. Só que atropelou. Primeiro mandou o PIS/Cofins e ficou parado sem mobilização e agora pega o Imposto de Renda que está assumindo a fronteira da votação. E mais do que isso: o relator ampliou muito a desoneração e, para compensar em parte isso, ele propõe rever benefícios do PIS/Cofins. Ora se vai rever benefício do PIS/Cofins é que ele vai continuar existindo, não é? Mas o outro projeto diz que o PIS/Cofins vai acabar para criar a CBS. Ficou inconsistente. Tem um projeto que propõe rever benefícios que o outro projeto diz que vai acabar. Embolou tudo. Não tem uma estratégia.
Apesar das resistências, a percepção é que o projeto será aprovado. Qual o risco?
O projeto enviado e o parecer são duas coisas diferentes e mudaram ao longo do tempo. Uma coisa se manteve. O objetivo principal do projeto é uma desoneração da classe média por meio do reajuste da tabela progressiva do IRPF no ano eleitoral. Esse é o objetivo político. Em ano de eleições, o governo vai dar uma desoneração superior a R$ 20 bilhões para a classe média gastar. Eu tenho discordância nessa primeira parte. Para compensar isso, o segundo eixo central é a tributação de lucros e dividendos. Hoje, esse modelo é disfuncional e está na contramão do mundo. Tributa com alíquota alta a empresa e isenta os dividendos. Só que originalmente o projeto era neutro do ponto de vista arrecadatório e ampliou muito a desoneração da empresa. Eles transformaram o projeto numa dupla desoneração para a classe média e depois na renda do capital. É desoneração para eleição.
Mesmo com toda essa resistência, por que os deputados vão votar e aprovar o projeto como tudo indica?
O projeto está desonerando. Está desonerando a classe média e renda do capital. Esse projeto agora está associado à perda arrecadatória. Tem muita gente ganhando.
Quem perde mais?
Para um prestador de serviço, o parecer piora (aumenta a carga) quando ele tem remuneração acima de R$ 300 mil por ano. É por isso que alguns chiam muito. Muitos advogados perdem e muitos economistas de consultoria. Esse pessoal tem muita influência. Nas grandes empresas vai depender, se ganha ou se perde, do uso que elas fazem de Juros sobre Capital Próprio (JCP). Embora o projeto promova uma desoneração no agregado, ela é desigual. Grandes empresas tendem a perder mais e alguns grupos específicos também. E eles fazem muito barulho.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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