A retomada do turismo, feiras e eventos cerca de um ano e meio após os primeiros diagnósticos de COVID-19 no Brasil renova o ânimo nas oficinas do rico e diversificado artesanato em barro do Vale do Jequitinhonha, patrimônio cultural de Minas Gerais reconhecido pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha).
Enraizada no cotidiano das comunidades que vivem no Alto, Médio e Baixo Jequitinhonha, a atividade conta com o talento e a criatividade de gerações de ceramistas para enfrentar as dificuldades e o baque nas vendas.
Não faltaram esperança e vida ao trabalho que transforma barro em bonecas, panelas, vasos, borboletas e flores, de formas e cores variadas, segundo a presidente da Rede de Artesanato do Vale do Jequitinhonha, Maria do Carmo Barbosa Sousa.
“Temos uma história bonita, de evolução”, define Maria do Carmo. Contribuiu ainda para manter a produção, – que além de fazer parte de uma identidade mineira gera emprego e renda –, o ganho de visibilidade das peças. Em plena pandemia, flores de barro modeladas no Jequitinhonha decoraram um dos ambientes da casa do “Big brother Brasil”, da TV Globo.
Na porção meridional da Serra do Espinhaço, nos municípios de Diamantina, Presidente Kubitschek e Buenópolis, a coleta das flores sempre-vivas, tradição centenária, e o artesanato feito com essa planta nativa ensaiam recuperação com iniciativas importantes para valorização desses trabalhos, como destaca Maria de Fátima Alves, uma das coordenadoras da Comissão de Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex). “As comunidades se valeram da sua histórica resiliência em períodos de crise”, afirma.
O design de artesanato voltado ao turismo e ao consumo regional se junta à busca de parceria com escolas para criação de peças e produtos, e o surgimento das feiras virtuais. O reconhecimento, no ano passado, do Sistema Agrícola Tradicional de Apanhadores (as) de Flores Sempre-vivas como patrimônio agrícola mundial pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação a e Agricultura (FAO/ONU) amenizou a crise nas vendas.
Histórias de superação e reformulação do comércio de produtos artesanais sem comprometer a originalidade de ofícios antigos e ligados à cultura e ao patrimônio em Minas são também relatadas em outros polos que deram fama e identidade a essa arte, ao mesmo tempo uma cadeia produtiva do estado.
É o que vai mostrar esta segunda parte da série de reportagens “Reinvenção das nossas tradições”, do Estado de Minas. Há poucas estimativas sobre a importância da arte popular para a economia. Os dados disponíveis indicam entre 300 mil e meio milhão de artesãos atuando numa cadeia produtiva que pode movimentar mais de R$ 2 bilhões por ano.
É o que vai mostrar esta segunda parte da série de reportagens “Reinvenção das nossas tradições”, do Estado de Minas. Há poucas estimativas sobre a importância da arte popular para a economia. Os dados disponíveis indicam entre 300 mil e meio milhão de artesãos atuando numa cadeia produtiva que pode movimentar mais de R$ 2 bilhões por ano.
Aliar o talento de novas coleções à capacidade de manejar as vendas digitais ocupou parte da rotina das bordadeiras de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Da noite para o dia, tivemos que aprender a mexer com a internet, com a plataforma Zoom, enfim, aprender as novas tecnologias”, conta, bem-humorada, Lêda das Graças Costa Ferreira, integrante da recém-criada Associação das Bordadeiras e Artesãos de Caeté.
Em Barra Longa, na Zona da Mata mineira, os bordados de duas dezenas de mulheres dedicadas às agulhas e linhas foram usados pelo estilista Ronaldo Fraga em desfile na badalada São Paulo Fashion Week. “Foi muito bom, nos ajudou muito, deu visibilidade e fortaleceu nosso trabalho, que é diferenciado”, diz Ana Maria Pereira, presidente da associação local de artesãs, grupo que ainda não se recuperou dos efeitos do rompimento da barragem da Mina do Fundão, da Vale, em Mariana, na Região Central de Minas.
Há registros da atividade do bordado em 714 municípios mineiros e outras 44 cidades produzem artesanato em renda. São ofícios que alcançam quase 89% do estado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Renovação
Com 200 anos de história da tecelagem artesanal, Resende Costa, na região do Campos das Vertentes, também experimenta novos caminhos para as vendas e amplia mercados para a produção que transformou a cidade, neste ano, na Capital Mineira do Artesanato Têxtil. O comércio on-line e a atração de novos clientes pelos atacadistas são algumas das saídas encontradas nesses novos tempos da atividade.
Experiente na produção e dona de uma das 80 lojas instaladas no município, Andréia da Silva Resende Santos acredita ter vencido a turbulência, após ter recontratado os quatro trabalhadores que demitiu no ano passado e ter aberto mais três vagas. “Antes da pandemia, tinha apenas um celular, agora tenho quatro, pois há muitos pedidos. Se não for assim, não dou conta de atender todo mundo,”diz.
As vendas digitas têm sido fundamentais na recuperação do negócio do artesanato, um dos segmentos da chamada economia criativa que mais sofreram os efeitos da pandemia de COVID-19, de acordo com Amanda Guimarães, analista do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Se- brae) de Minas Gerais. Pesquisa realizada pela instituição, de 27 de maio a 1º de junho último, mostrou que os pequenos negócios enfrentaram queda de 77% do faturamento quando comparado a um mês de comercialização considerada normal.
“O comércio digital veio para somar, reforçar a divulgação dos produtos artesanais, mas não exclui o modelo presencial e nem o substitui”, afirma Amanda Guimarães. O Sebrae Minas tem apoiado o setor com oferta de cursos de capacitação digital, de marketing e vendas. As feiras virtuais têm ajudado os artesãos, mas nunca serão a principal via de comércio do setor, como observa Tânia Machado, que comanda a organização não governamental Instituto Centro Cape, responsável pela organização da tradicional Feira Nacional de Artesanato (FNA).
“O consumidor tem de se identificar com o produto, conhecer a sua história e se emocionar. Isso se dá por meio das feiras, dos eventos e do turismo”, enfatiza. A 32ª edição da FNA será realizada, com protocolos sanitários e versão on-line, de 7 a 12 dezembro no Centro de Convenções Expominas, em BH.
Encomendas
Conhecidos pela expressividade do artesanato em madeira de Minas Gerais, na Vila Carassa, em Prados, e no distrito Vitoriano Veloso, chamado de Bichinho, esculturas de animais, imagens de santos, oratórios, objetos utilitários e peças decorativas voltaram a receber admiradores, com o retorno do turismo. Cerca de 3 mil pessoas, 30% dos moradores, estão ligadas direta e indiretamente à atividade criativa.
À reportagem do EM, que recebeu em seu ateliê, o artesão João Julião, sobrenome que ganhou fama nessa arte, diz ter passado pelos piores momentos da pandemia de COVID-19 sem parar de trabalhar. “Não tive folga e tenho encomendas para os próximos quatro meses. Vendi muito, principalmente, para São Paulo”, afirma.
Ainda enfrentando as perdas com o sumiço dos turistas, os produtores das panelas e esculturas em pedra-sabão dos municípios históricos de Congonhas, Mariana e Ouro Preto vivem incerteza. Na Cidade dos Profetas, o artesão Antônio Nascimento, de 72 anos, tem trabalhado para atender a encomendas, em ritmo lento, mas de recuperação. Em assistência aos artesãos de Cachoeira do Brumado, a Prefeitura de Mariana vai pagar o frete do transporte de matéria-prima buscada em Santa Bárbara e assumirá a limpeza dos locais de produção, que geram muitos resíduos.