''Não tive folga e tenho encomendas para os próximos quatro meses''
João Julião, escultor
Prados – O longo e tenebroso inverno de incertezas, baque na economia e fuga de turistas parecem ter chegado ao fim em destinos mineiros privilegiados em atrativos históricos, primorosos na hospitalidade e donos de patrimônio rico em arquitetura, gastronomia e artesanato. Na Região do Campo das Vertentes, a cidade de Prados é um desses roteiros que recebem de volta os viajantes e oferecem a eles o seu melhor: a arte nascida das mãos e lapidada nas tradições.
Dono de número expressivo de artesãos, o município com 9,5 mil habitantes apresenta na sede, na Vila Carassa e no distrito Vitoriano Veloso, mais conhecido como Bichinho, distante 12 quilômetros do Centro, um polo colorido de arte em madeira. Esculturas de animais em surpreendente movimento, imagens de santos, oratórios, objetos utilitários e peças decorativas fazem a festa para os sentidos: tudo é bom de ver através das portas abertas para a cultura popular genuína.
Na história do artesanato em madeira, há um nome emblemático em Prados: Itamar Inácio de Pádua, o Itamar Julião, morto em 2001. “Tudo começou com ele”, conta o irmão João de Pádua Lisboa, o João Julião, de 52 anos. Seguidor do ofício, o escultor diz que não parou de trabalhar um só dia durante a pandemia, e que tem encomendas para os próximos quatro meses. “Não tenho folga”, resume com satisfação e sem cansaço.
O tradicional artesanato em madeira e a arte trabalhada no ferro, mais recente, ocupam o segundo lugar na geração de emprego e renda em Prados, depois das ocupações na avicultura. Cerca de 30% dos moradores, – em torno de 3 mil pessoas –, se encontram ligados direta ou indiretamente à atividade criativa.
“Antes da pandemia, estávamos iniciando o cadastramento dos artesãos para conhecer melhor essa realidade. Esperamos continuar o trabalho tão logo seja possível, e fazer uma feira de artesanato”, informa o secretário municipal de Turismo e Cultura, Gilcimar de Andrade Santos. A meta é formar parcerias com instituições estaduais e federais para dinamizar a atividade.
Na mira está o Sebrae Minas, que, conforme sua direção, desenvolveu um projeto de capacitação dos artesãos em design, produção e gestão de negócios e estímulo para acesso a novos mercados, incentivando a participação em feiras e eventos do segmento. A última ação foi em 2020, com rodada de negócios, no sentido de levar os artesãos para conversar com grandes redes varejistas e vender seus produtos.
Artesão nascido em família dedicada ao setor, Gilcimar afirma ser comum haver várias pessoas trabalharem com a madeira num mesmo núcleo familiar. “Aprendemos e começamos cedo, lá pelos 15, 16 anos. A maioria, no entanto, se encontra na informalidade.” A estimativa é de que existam em torno de 180 estabelecimentos, entre lojas, ateliês e espaços no fundo das casas dedicados à elaboração das peças, sendo 100 na sede municipal e 80 em Bichinho. O ofício, portanto, é madeira de lei – forte em cultura, frondoso nas oportunidades e nobre para dar as boas-vindas aos turistas.
Diante do patrimônio que exporta peças para estados do Sul ao Nordeste do Brasil e países como Israel, os moradores desejam ver Prados reconhecida como capital do artesanato em madeira, como ocorreu este ano com a cidade vizinha de Resende Costa, já ostentando o título de Capital Estadual do Artesanato Têxtil. Além da visibilidade nacional, será um certificado da qualidade dos produtos.
''Vendi para quem veio aqui e pela internet. Trabalhei o tempo todo''
João Tiago da Silva, escultor
Simpático e de conversa boa, João Julião está totalmente entretido na peça que tem em mãos, quando a equipe do Estado de Minas chega ao ateliê instalado em dois cômodos pintados de amarelo, na estrada que liga Vila Carassa a Prados. Ele esculpe uma namoradeira, personagem simbólica da região, integrante do circuito Trilha dos Inconfidentes.
“Meu irmão trabalhava muito, tem peça dele até na Pinacoteca de São Paulo”, orgulha-se João Julião, explicando que o sobrenome Julião vem do bisavô. O talento e o dom para o ofício são “coisas de Deus”, mas, como nada cai do céu, é preciso se devotar à função de corpo e alma, pois “o serviço rendendo traz satisfação”.
São 16h de uma tarde ensolarada, quando, com o macete e o formão moldando a maçaranduba, João Julião finaliza a namoradeira. E em tom de confidência, revela que o melhor parte do trabalho surge da hora de pegar a madeira bruta e tirar as formas lá de dentro. “Aprendi com meu irmão... olhando e prestando atenção”.
Surpreendentemente, o artesão confessa não ter parado de trabalhar nem um dia sequer durante a pandemia. “Não tive folga e tenho encomendas para os próximos quatro meses. Vendi muito, principalmente para São Paulo.” Mais tranquilo por ter tomado as duas doses da vacina contra o novo coronavírus, João Julião mostra, num canto, três esculturas de macacos quase prontas para enviar a Rondônia.
Para aguentar várias horas do dia sentado, ocupado com as ferramentas e a madeira, João Julião faz, diariamente, uma caminhada de 3 quilômetros. Mas, no trabalho, é dedicação exclusiva, com alguns momentos para contemplar o céu e dar asas à imaginação. “Gosto de aviões, de ficar olhando para eles lá no alto. Mas tenho medo, só voei uma vez num bimotor, para nunca mais”, brinca. Se o artista transforma o sonho em beleza, pode também tocar o inalcançável: e foi assim que ele fez um avião com todos os detalhes e posicionado bem na frente dos seus olhos.
Sensibilidade faz morada
Na Vila Carassa, a dois quilômetros do Centro de Prados, os irmãos João Tiago da Silva, conhecido como Tiago Carassa, e José Augusto da Silva, o Guto, esculpem a madeira para ganhar a vida e encantar os visitantes. Com espaços próprios, um diante do outro, ambos mantêm tradição familiar na arte. “Não precisa chamar de ateliê, não, pode ser de barracão mesmo”, diz Tiago, de 38, com um jeito bem mineiro.
Finalizando uma leoa, peça de grande porte em cumaru, Tiago, pai de dois meninos de 15 e 10 anos, também não tem do que se queixar. Se no início houve o susto geral com a pandemia, depois serenou. “Vendi para quem veio aqui comprar. Teve também a comercialização pela internet. Mas sei que trabalhei o tempo todo”, afirma. Os olhos curiosos vasculham o ambiente e encontram animais, a exemplo de uma onça. Com certeza, vale o trocadilho de que a turma é mesmo “fera” no ofício, sem perder a sensibilidade, que faz a diferença.
Para acolher visitantes,Bichinho prevê obras
As estradas, principalmente as vicinais, que cortam o interior mineiro ainda sofrem de um sério problema: a falta de sinalização. Então vale a dica para o viajante: quem for do Centro de Prados a Bichinho, trajeto de 12 quilômetros, ou se aventurar em outras rotas de terra, deve ficar atento. Se ficar na dúvida, mesmo com GPS, o melhor é perguntar a alguém para não se perder. O caminho mais usado pelos visitantes é passando por Tiradentes, distância de 3 quilômetros em estrada calçada, mas o distrito fica em Prados, localização que muita gente ainda confunde.
Para facilitar a vida dos viajantes, há algumas novidades. Está previsto, pela administração municipal, o calçamento do Centro de Prados até Bichinho, e também a sinalização do caminho, desta vez a cargo do Circuito Trilha dos Inconfidentes. “Estamos satisfeitos com a volta do turismo presencial, que já está crescendo. Eventos ainda não estão em pauta, acreditamos que só em 2022”, diz o secretário Gilcimar Santos.
O turismo retorna a Bichinho, onde a comida faz sucesso, principalmente o frango com quiabo e angu feito na hora. Em viagem de férias, o casal de Belo Horizonte Bruno Hudson, administrador, e Gabriella Vieira, publicitária, curtiu a gastronomia local e visitou o comércio de artesanato. Na loja do Vantuir de Figueiredo, os dois admiraram os pavões feitos pelo escultor Edésio Moreira de Carvalho, os oratórios e as imagens de santos. “Viemos de Ouro Preto...”, contou Hudson, enquanto Gabriella completou sobre a primeira vez em Bichinho: “...e estamos apaixonados por este lugar”.