O PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro registrou queda de 0,1% no segundo trimestre, em relação ao primeiro, divulgou há pouco o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) — que considera a pequena variação negativa uma estabilidade.
Na comparação com o segundo trimestre de 2020, pior momento dos efeitos da pandemia sobre a atividade econômica, a alta foi de 12,4%.
O resultado representa uma desaceleração em relação ao crescimento de 1,2% do PIB no primeiro trimestre, na comparação com o quarto trimestre de 2020, quando o bom desempenho da atividade foi puxado pela agropecuária, indústria e serviços.
De abril a junho, dois desses componentes perderam força.A agropecuária registrou uma queda de 2,8% em relação ao trimestre anterior, devido ao efeito negativo da estiagem e de geadas sobre a produção agrícola. Já a indústria recuou 0,2% na mesma base de comparação, impactada pela falta de insumos e alta dos custos de produção.
Na contramão, o setor de serviços manteve o crescimento (de 0,7% em relação ao trimestre anterior), graças à gradual reabertura da economia, que tem levado os brasileiros a voltar a consumir em restaurantes, bares, shopping centers, cinemas e hotéis.
Mas, para os economistas, tudo isso já é passado, uma imagem distante no retrovisor. Os analistas estão de olho nesse momento em como será o desempenho da economia em 2022, ano que será marcado pela disputa eleitoral à Presidência da República.
E as perspectivas são pouco animadoras: a inflação em alta deve levar o Banco Central a subir ainda mais os juros, com efeito negativo sobre investimentos e consumo. Além disso, o aumento de preços diminui o poder de compra das famílias, o que também prejudica a atividade econômica.
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O descontrole das contas públicas e a volatilidade gerada pela corrida eleitoral devem piorar as condições financeiras — como são chamadas no jargão econômico o desempenho de indicadores como juros futuros, risco-país, câmbio e bolsa de valores, uma espécie de "termômetro" das expectativas dos agentes do mercado financeiro quanto ao desempenho futuro da economia — o que também tende a prejudicar as condições de investimento.
Somam-se a esse quadro uma crise hídrica e do setor elétrico sem precedentes, além de um mundo que deve crescer menos em 2022, consumindo assim menos commodities brasileiras como minério de ferro e produtos agrícolas.
Diante desse cenário que os economistas avaliam como uma "tempestade perfeita" (expressão usada para uma coincidência de diversos fatores negativos), a perspectiva é de que o PIB brasileiro cresça menos de 2% em 2022, após avançar algo como 5,2% este ano — vindo de uma queda de 4,1% em 2020, devido à pandemia.
Assim, o diagnóstico dos economistas é unânime: vem aí mais um ano de 'pibinho' e isso tende a impactar a decisão dos eleitores em outubro de 2022.
Juros maiores, atividade econômica menor
Flavio Serrano, economista-chefe da gestora de recursos Greenbay Investimentos, espera um crescimento de 1,7% para o PIB brasileiro em 2022.
"O principal cenário é um Banco Central que vai subir mais juros do que estava previsto inicialmente. Estamos caminhando para uma taxa básica de juros de 7,5%, 8%, eventualmente até mais. E obviamente que isso tem implicações sobre a atividade", diz Serrano.
"Ano que vem, a economia vai desacelerar seu ritmo de expansão por conta desse aumento de juros", acrescenta.
Definida pelo Banco Central, a Selic é a taxa básica de juros da economia. Ela serve de referência para todas as taxas de juros do país, como aquelas dos empréstimos, financiamentos e aplicações financeiras.
Atualmente, a Selic está em 5,25%. Ela chegou à mínima histórica de 2% entre agosto de 2020 e janeiro de 2021, quando o Banco Central reduziu a taxa de referência na tentativa de reativar a economia abalada pela crise do coronavírus. Agora, com a inflação em alta, os economistas avaliam que taxa pode voltar aos 8%, patamar que não era visto desde 2017.
Uma Selic mais alta torna mais caro tomar dinheiro emprestado, seja para as famílias ou para as empresas. Assim, o aumento dos juros é usado pelo Banco Central para "esfriar" a economia, uma maneira de controlar a inflação, quando os preços estão em alta. Mas a consequência de puxar esse freio é menos consumo e menos investimento.
Descontrole nas contas públicas e incerteza eleitoral
Marcela Rocha, economista-chefe da gestora Claritas Investimentos, previa antes uma alta de 2% para o PIB brasileiro em 2022, mas reduziu essa estimativa para 1,7%.
"Nossa visão já era mais cética em relação ao crescimento do ano que vem, porque o período eleitoral no Brasil é normalmente conturbado, o que aumenta a incerteza, o ruído, a volatilidade, e pode levar a aperto de condições financeiras", diz Rocha.
Além desse aperto, e da alta esperada dos juros, a economista avalia que deve haver uma piora do risco-país, uma medida da desconfiança dos investidores em relação ao Brasil.
"Não temos convicção de que os juros vão parar em 7,5%. A inflação não para de surpreender para cima, tem essa história da crise hídrica, que coloca uma incerteza enorme em como vai ser o repasse de preços para energia e temos uma inflação que passa a ser mais disseminada, contaminando itens como os preços de serviços", enumera a analista.
Segundo ela, o quadro é ainda mais grave pois a incerteza fiscal — aquela relacionada à solvência das contas públicas — só aumenta, o que também alimenta a desconfiança dos investidores.
Entre essas incertezas relacionadas às contas públicas, ela lista a tentativa do governo de adiar o pagamento dos precatórios (dívidas do governo com sentença judicial definitiva); a ambição da gestão Jair Bolsonaro (sem partido) de lançar um Bolsa Família "turbinado" para o ano eleitoral, que ainda não se sabe como será financiado; e os desafios de se elaborar um Orçamento para 2022 que respeite a regra do teto de gastos.
"A gente tem eleição, tem um Brasil que não fez o dever de casa de reformas estruturais, tudo isso leva o PIB do ano que vem para baixo. E ainda tem outros riscos", alerta a economista.
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Mundo menos favorável e crise hídrica
Entre esse outros riscos, está o cenário externo. Esse ano, com o avanço da vacinação, reabertura das cidades e manutenção dos estímulos ficais e monetários nas principais economias globais, o mundo serviu de vento favorável ao Brasil. Em 2022, o quadro deve ser outro.
"Temos um mundo que deve crescer menos no ano que vem, com mais bancos centrais apertando a política monetária [isto é, subindo juros ou retirando estímulos]", diz Serrano.
"Esse cenário deve ser menos favorável para os preços das nossas exportações, como minério e soja. Isso afeta o setor exportador e cria para o ano que vem um ambiente mais desafiador para o crescimento."
Essa situação seria em tese favorável à inflação, devido à atividade econômica mais fraca. Mas esse alívio não deve acontecer, por conta de outros riscos importantes, como a crise hídrica.
"No agro, houve quebra de safra, e não há razão para imaginar que no ano que vem dá tempo de recuperar, e isso é menos PIB", observa José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator.
"A crise energética pode piorar o cenário ainda esse ano, e aí, é imprevisível. Sabe-se lá o que vai acontecer, porque pega de tudo quanto é lado — pega a indústria, pega transporte, para não falar da restrição à agricultura."
Para Serrano, a crise hídrica e energética é o principal risco negativo para o PIB de 2022.
"Podemos ter problemas ainda esse ano, mas vai afetar o ano que vem se a gente não tiver um período úmido razoável até fevereiro e março. Aí aumenta a chance de racionamento de energia, com consequências sérias para a atividade", observa o economista. "Daí já seria um cenário de PIB zero ou negativo, e não de crescimento de 1% ou 1,5%."
E qual o efeito de tudo isso nas eleições?
Em 1992, o então marqueteiro de campanha do presidente americano Bill Clinton cunhou uma expressão que, desde então, é lembrada em toda eleição: "É a economia, estúpido!"
Com a frase, James Carville apostava na vitória do democrata contra um George H. W. Bush (o Bush pai) que tentava a reeleição em meio a uma recessão econômica.
A frase é sempre lembrada porque a economia é um fator central em qualquer eleição e, em 2022, não deve ser diferente.
"[A situação econômica] já está afastando apoiadores do presidente. Isso significa que o espaço para ele fica cada vez mais limitado àqueles 15% que são apoiadores da pessoa [de Jair Bolsonaro] e não do governo", diz Gonçalves, do Fator.
"Isso significa que ele vai se isolando do chamado poder econômico e esse poder econômico vai buscar um terceiro — nem Lula, nem Bolsonaro", avalia o analista. "Mas, para mim, a essa altura do campeonato, esse não é o caso-base, a não ser que venha impeachment do Bolsonaro. Esse terceiro ou terceira só deve aparecer na hipótese de Bolsonaro ser rifado."
Marcela Rocha, da Claritas, avalia que o cenário econômico é negativo para o presidente, mas destaca que o desfecho eleitoral ainda é imprevisível.
"Claramente uma economia desacelerando, uma taxa de desemprego ainda alta e uma crise hídrica que leva preços para cima não são favoráveis para a popularidade do Bolsonaro", diz a economista.
"Bolsonaro já enfrentava uma perda do apoio popular, mesmo num momento em que a economia estava se recuperando e a vacinação avançando. Então a piora desse cenário não contribui de jeito nenhum para a popularidade dele melhorar. Mas, infelizmente, isso não tira as incertezas a respeito da eleição", avalia.
Isso porque, diz Rocha, Bolsonaro mantém uma grupo de apoiadores fiéis, que se reflete em uma base eleitoral sólida que soma entre 20% e 25% do votos. "Além disso, ele tem controle da máquina pública e pode fazer alianças com partidos. Então mesmo que a popularidade dele não aumente, o cenário econômico não é uma 'pá de cal' na chance dele de reeleição."
Flavio Serrano, da Greenbay, avalia que um risco importante é o de Bolsonaro tentar responder à perda de popularidade com mais gasto público, aprofundando a crise fiscal.
"Se você tem um ambiente mais desafiador, a pressão por uma expansão do gasto público aumenta e pode retroalimentar esse cenário negativo em que o político e o fiscal atrapalham as expectativas de crescimento", diz o economista.
"Quem acha que gastar mais vai dar em mais crescimento, está equivocado, porque isso só tende a gerar mais inflação no médio prazo e mais inflação é menos crescimento."
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