O economista Armando Castelar Pinheiro avalia que a economia brasileira ainda conta com condições favoráveis para crescer em 2021, mas os conflitos políticos e as incertezas geradas por reformas em discussão no Congresso são um "tiro no pé" contra a recuperação do Produto Interno Bruto (PIB).
Em entrevista ao
Estadão
, Castelar afirma que o avanço da vacinação favorece o crescimento de parte do setor de serviços, que ainda está com atividade menor do que em 2019. Mas essa recuperação ocorre de forma mais turbulenta por causa da agenda política.
"A gente criou uma agenda extemporânea, por causa da política, com muito conflito entre Poderes, e por causa de uma agenda do Congresso que gerou muita incerteza. A gente deu um tiro no pé. Era para estar sendo um terceiro trimestre de sorrisos, de boas notícias, das empresas se preparando para uma recuperação cíclica", diz Castelar, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). "Até politicamente parece fazer pouco sentido. Seria muito melhor do ponto de vista político para o governo ter uma recuperação mais significativa da economia."
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
O PIB do segundo trimestre, com -0,1%, surpreendeu?
A mensagem central de estabilidade foi confirmada. Essa era a expectativa. Foi uma queda de 0,05%, número que acaba ajustado para 0,1% quando se usa apenas uma casa decimal. No fundo é uma estabilidade.
O que explica esse resultado?
O segundo trimestre foi um período difícil porque pegou o auge da segunda onda. Durante uma época, chegou-se inclusive a ter um receio de uma queda do PIB. Nesse ambiente da segunda onda, não foi um resultado ruim. E também foi um período marcado por seca e geadas, o que acabou prejudicando o resultado da agropecuária. Se não tivesse um resultado ruim da agropecuária, o PIB poderia ter sido positivo.
O que mais lhe chamou a atenção no resultado?
O resultado mostra que o consumo das famílias ainda está retraído. Quando se olha a perspectiva mais ampla, ficou 3% abaixo de onde estava no final de 2019. Ainda não teve uma recuperação, ao contrário do PIB, que está basicamente 0,1% abaixo (de 2019). E há também uma taxa de poupança muito alta. Está em 20,9% no segundo trimestre, a maior em 22 anos. O PIB continua limitado pela pandemia, porque as pessoas não saem, e isso afeta o emprego, a renda e a capacidade de consumo das famílias. Essa é uma história contínua que se espera que seja superada com a vacinação.
E quais são as histórias novas?
Primeiro, a construção veio bem. Isso reflete muito o aumento do crédito. Os dados do Banco Central mostram um crescimento de 22% nas concessões de crédito para pessoa física, e de 6% para pessoa jurídica. Na comparação com o segundo trimestre de 2019, teve um aumento de quase 100% - 96% para pessoa jurídica e 97% para pessoa física.
Algo mais foi positivo no resultado, na sua visão?
O crescimento foi puxado por serviços. Esse é o setor que mais está sofrendo por causa do consumo das famílias mais baixo. Os dados mostram uma alta de 2,1% no segmento de "outras atividades de serviços", uma área que pega mais de perto serviços pessoais, desde trabalho doméstico, cabeleireiro, restaurante. Essas atividades estão 7,2% abaixo do nível do fim de 2019. E as atividades de administração, defesa, saúde e educação pública estão 4,5% abaixo. É isso que está fazendo o PIB ficar ainda no nível do final de 2019.
O que o resultado indica para a recuperação da economia?
Há duas forças se posicionando para o pós-pandemia. Uma é a vacinação. Os números reforçam a importância da vacinação e da redução do número de mortes e casos (de covid-19) como uma força que vai fazer a economia melhorar pelo consumo das famílias. E, obviamente, há forças que jogam contra: uma política monetária mais restritiva (com o aumento da taxa básica de juros, a Selic), uma política fiscal que tende a ser mais restritiva no ano que vem com a redução do auxílio emergencial e os gastos que são extrateto e o aumento do risco político, que pode bater com mais força no investimento. No ano que vem, talvez a gente veja essas outras forças (negativas) mais fortes, explicando um crescimento mais baixo em 2022. O mercado hoje em dia prevê um crescimento de 2%, mas alguns já projetam 1,5%.
Os riscos político e fiscal preocupam os mercados.
A gente ainda está dando muito tiro no pé. Este terceiro trimestre era para ser um trimestre de otimismo, de uma recuperação mais forte. E a gente criou uma agenda extemporânea, muito por causa da política, com conflito entre Poderes, e que agora atrai o meio empresarial, e por causa de uma agenda do Congresso que gerou muita incerteza. A gente deu um tiro do pé. Era para ter sido um terceiro trimestre de sorrisos, de boas notícias, das empresas se preparando para uma recuperação cíclica. Quando se olham esses setores que estão muito abaixo de 2019, o efeito da vacinação pode trazer um ganho fácil de recuperação. Mas a gente está fazendo de uma forma mais difícil. É difícil explicar por que a gente fez isso. Até politicamente parece fazer pouco sentido. Seria muito melhor do ponto de vista político para o governo ter uma recuperação mais significativa da economia. Mas continuo acreditando (numa recuperação). Estou mais otimista do que a mediana do mercado.
As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo.
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