O embargo na construção da fábrica da Heineken, em Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, pegou de surpresa moradores da cidade, que esperavam ansiosos pelo empreendimento que promete 350 novos empregos.
Sem entender a decisão que partiu do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), uma ansiedade foi gerada e os moradores da cidade buscam informações sobre a legislação e o futuro da obra, que estava na fase de terraplanagem.
A dúvida dos moradores sobre o licenciamento feito na Área de Proteção Ambiental (APA) Caster de Lagoa Santa é sobre o impacto na retirada da água na região, e uma ameaça de soterrar o complexo de grutas e cavernas onde foi encontrado o esqueleto mais antigo das Américas – o crânio de Luzia. A população também se preocupa sobre os impactos econômicos, caso a empresa não apresente os estudos complementares e o embargo permaneça.
Parte dos moradores considera que o estudo apresentado pela empresa que resultou na licença dada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) são suficientes, enquanto outra parte apoia a fiscalização do ICMBio ao exigir a apresentação de estudos complementares sobre os impactos potenciais e as medidas para mitigá-los.
A avaliação feita pelo ICMBio e apresentada por meio de uma Nota Técnica elaborada por analistas ambientais do órgão federal considerou insuficiente, para o licenciamento, o estudo feito pela empresa contratada pela Heineken, a Pöyry Tecnologia, multinacional finlandesa de consultoria e serviços de engenharia.
Os analistas viram inconformidades nos estudos da hidrogeologia. que não apresentaram os impactos nos 360 mil litros por hora de água que retirados do subterrâneo para produzir a cerveja. Essa quantidade de água equivale ao consumo de uma população de mais de 37.200 habitantes.
O que os moradores dizem
A moradora de Pedro Leopoldo Bianca Alves acredita a região não corre o risco de ficar sem água no futuro, e que uma empresa do potencial da Heineken não seria capaz de provocar uma crise hídrica porque o país de origem, a Holanda, leva a sério as questões ambientais. Além disso, a moradora defende que a crise econômica na cidade é mais urgente.
“Claro que não queremos ficar sem água, e claro que não queremos ficar sem o patrimônio. Queremos Luzia e queremos cervejaria. Não sei quem tem razão nessa briga entre o ICMBio e a Semad, o que vejo é que está trazendo uma consequência que me preocupa, que são empresas como a Heineken não querendo ser envolvidas em problemas ambientais e se afastarem, e a cidade pode ficar prejudicada”.
Ela afirma que gostaria de ter mais informações sobre o empreendimento e questiona o motivo alegado pelo ICMBio sobre a Semad. “Não seria bom para todo mundo que isso ficasse mais claro?”.
Além disso, Bianca Alves afirma que a cidade não faz uso da água subterrânea localizada na região onde será instalada a fábrica, e que o município é abastecida pelo Sistema Integrado Metropolitano, composto pelo sistema Rio das Velhas e Paraopeba.
Também moradora da cidade, a empresária Silvana Monteiro diz que é contra o embargo da construção e teme por uma perda econômica muito grande para região. Ela defende que é necessário averiguar quais alegações foram dadas para o embargo da obra.
“Os estudos foram feitos pela Heineken por meio de técnicos especialistas e entregues à Semad como determina a legislação, e a vinda da empresa para a nossa região será de grande importância”, defende.
A professora aposentada Conceição Lopes também acredita que o empreendimento seja importante para o crescimento econômico da cidade, mas reconhece que a obra iniciou sem o devido licenciamento, e que ninguém gostaria de ficar sem água ou mesmo presenciar a história da humanidade sendo destruída.
A professora culpa as redes sociais pela avalanche de informações soltas e sem fundamentos, e que têm causado ansiedade na população. Para amenizar os ânimos, a professora sugere que uma audiência pública seria interessante para no município de Pedro Leopoldo.
“Seria excelente iniciativa, com a participação de representantes de todos os órgãos envolvidos, com pesquisadores desse região, com representantes da sociedade civil organizada, com moradores. Seria um bom começo para tirar as dúvidas e criar um ambiente de debate democrático e sem especulações”.
A advogada e pós-graduada em biologia Márcia Lopes coordena o subcomitê da APA Carste Lagoa Santa, e afirma que foi realizada uma reunião em conjunto com o Subcomitê do Carste e Ribeirão da Mata, no dia 17 de setembro e os técnicos do ICMBio apresentaram o oficio encaminhado para o Estado.
De posse do estudo feito pelos analistas, a advogada e ambientalista afirma que existe uma não observância entre a lei federal e estadual, que seria no Artigo 6 da Lei 9985/2000. Além disso, o embargo só é legalmente possível após a obra ser iniciada com o impacto ambiental já gerado.
“O estado não respeitou o Artigo 6°, e deu o licenciamento ambiental sem obtenção da autorização previa do ICMBio. No estudo feito pelos técnicos especialistas do ICMBio foi relatado que não foram apresentados para avaliação os projetos de proteção do terreno durante as obras, nem da drenagem superficial”.
A ambientalista se diz preocupada com a crise hídrica e as possíveis consequências na cidade a longo prazo, caso as ações propostas pelo ICMBio não sejam cumpridas. “Na Nota Técnica apresentada pelo órgão federal, a falta de medidas mitigatórias poderá influenciar negativamente na altura do lençol freático, com consequências não dimensionadas ao Sítio Ramsar”.
O morador Kelsen Ribeiro teme pela crise hídrica e que, em um futuro não distante, a captação de água das represas Rio Manso, Serra Azul e Vargem das Flores, que fazem parte do sistema Integrado Metropolitano, seja insuficiente e considera que se tratando de proteção ao futuro, o embargo foi correto.
“Vejo que foi correto se realmente a empresa não estava cumprindo as regras para construir na APA, mas espero que ela possa resolver isso logo para retomar a obra da fábrica que vai ser muito benéfica para a cidade”.
Prefeitura também se manifesta
A Prefeitura de Pedro Leopoldo afirmou que "respeita e acredita" no equilíbrio entre a questão ambiental e a geração de emprego e renda, e se colocou à disposição para chegar a um entendimento acerca da licença ambiental concedida.
De acordo com a vice-prefeita e secretária interina de Planejamento Urbano, Ana Paula Santos, a atual administração está fazendo tudo ao seu alcance para que a fábrica seja construída em Pedro Leopoldo, e destaca a preocupação ambiental da gestão, em equilíbrio com a economia. “A prefeitura respeita e acredita no equilíbrio entre a questão ambiental e a geração de emprego e renda”.
O chefe de gabinete da prefeitura de Pedro Leopoldo, Ângelo Tadeu, foi às redes sociais e afirma em vídeo que grupos têm procurado se promover diante da situação e podem atrapalhar na solução do problema.
Recomendações do ICMBio aos impactos hídricos
A Nota Técnica composta de um estudo realizado por cinco analistas ambientais do ICMBio afirma que os estudos realizados pela Pöyry Tecnologia foram somente no período úmido, e não foi feita nenhuma campanha no período seco, o que deixa um vácuo no levantamento que deve ser corrigido.
Além disso, o ICMBio propõe que a empresa implante piezômetros, um instrumento que mede o nível de água no lençol freático e também a pressão neutra no solo, para monitorar as águas subterrâneas.
O ICMBio também pede que seja construída na empresa uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) e que essa instalação siga todas as recomendações fornecidas pelo Instituto por meio das recomendações citadas no Plano de Controle Ambiental (PCA) e no Relatório de Controle Ambiental (RCA), sendo que ao final, a devolução da água ao curso d’água ribeirão da Mata esteja tratada em níveis compatíveis.
Posição da Heineken
Em resposta ao Estado de Minas, a Heineken informou que deu entrada, perante a Semad/MG, no pedido de licença ambiental para a construção de sua cervejaria em abril de 2021. Durante o processo, a empresa afirma que forneceu todos os documentos, dados e estudos técnicos necessários à obtenção da licença, a qual foi concedida pela autoridade ambiental e depois referendada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM).
A empresa conta que, ao receber a equipe do ICMBio no terreno da futura instalação da fábrica, imediatamente suspendeu a atividade no local e se colocou à disposição de todos os órgãos envolvidos.
Ainda segundo a Heineken, desde então, a companhia está em contato com a Semad e o ICMBio para troca de informações e entendimento aos próximos passos necessários. A empresa também afirma que tem como valores fundamentais o respeito ao meio ambiente e à transparência em todas as suas ações e reforça o compromisso com a legislação ambiental em vigor.
O que diz a Semad
Também em resposta ao Estado de Minas, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) afirma que, após o embargo, foi solicitado ao ICMBio acesso à Nota Técnica que originou o procedimento daquele instituto.
Segundo a Semad, como o documento trata de competências e procedimentos que são próprios do órgão estadual, a secretaria fez manifestação técnica com a demonstração da correção do procedimento de licenciamento ambiental no processo de regularização do empreendimento, e enviou à administração do ICMBio.
Com isso, a Semad pretende demonstrar ter havido razão técnica e jurídica que orientou a secretaria no deferimento da licença ambiental.
Com isso, a Semad pretende demonstrar ter havido razão técnica e jurídica que orientou a secretaria no deferimento da licença ambiental.
Ainda segundo a Semad, a licença prévia e de instalação do empreendimento foi concedida no dia 24 de agosto de 2021, após deliberação da Câmara de Atividades Industriais (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
A Semad informou que, para fins de instrução do processo com os estudos PCA/RCA, foi considerado que a atividade se enquadra como grande porte, conforme capacidade instalada, mas o potencial poluidor geral da atividade é médio, não se configurando significativo impacto ambiental.
Além disso, a Semad afirma que as duas outorgas subterrâneas, uma de 150 outra de 160 m3/hora, não se aplicam ao Córrego Samambaia ou outro curso d’água, mas ao aquífero que está abaixo do solo. Assim, a secretaria afirma que não se pode falar, em princípio, em impacto sobre o córrego.
O estudo de análise de impactos às cavidades foi apresentado e informam que não há impacto negativo irreversível nas cavidades mapeadas. O único impacto potencial diz respeito à possibilidade de carreamento de sedimentos.
Carreamento de sedimentos pode ocasionar o assoreamento das linhas de drenagem e aumento da turbidez das águas escoadas, desencadeando impactos como as enchentes e inundações, além da redução da qualidade das águas nos rios e lagoas da bacia hidrográficas.
A Semad informa que sobre o carreamento de sedimentos foi apresentado um programa de controle ambiental, isto é, um conjunto de ações que impede que tal impacto potencial se torne real, analisado e validado pela equipe técnica da Semad.