Um estudo desenvolvido pela Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) aponta que o Projeto de Lei que altera a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os combustíveis, pode causar um prejuízo de R$ 24 bilhões à economia do estados, com perda de arrecadação. Em Minas Gerais, as perdas seriam de quase R$ 3 bilhões. Entre os mais prejudicados com a mudança, o estado só fica atrás de São Paulo, que pode perder até R$ 5,5 bilhões.
O Congresso pode votar esse projeto ainda esta semana
. A proposta altera a cobrança de ICMS sobre combustíveis e pode provocar uma diminuição dos preços dos produtos para o consumidor.
Porém, o estudo revela alguns equívocos dessa proposta. Segundo a entidade, o ICMS não é o responsável pelos aumentos recentes de preços dos combustíveis, já que, apesar de representar parte importante do preço, suas alíquotas praticamente não variaram nos últimos anos.
O governo federal, no entanto, aponta o ICMS como o principal responsável pelo aumento no preço dos combustíveis para o consumidor.
Além disso, a Febrafite acredita que “a adoção de alíquota com valores fixos por unidade de medida (R$/litro) - como propõe o governo federal, pode representar desequilíbrios fiscais e federativos significativos, com alguns estados enfrentando redução de carga tributária e de receitas, enquanto outros apresentam, de maneira contraintuitiva à proposta, aumento de carga tributária e de preços para os combustíveis comercializados.”
Apenas neste ano, a gasolina já acumula alta de mais de 31%, etanol, 40,7%, e o diesel, 28%.
“Hoje o preço da gasolina está alto, mas se, futuramente, o valor do dólar e do barril de petróleo caírem, essa média dos últimos 24 meses vai deixar o preço mais alto e terá um efeito contrário do pretendido, que seria reduzir o preço do combustível”, avalia Rodrigo Spada, presidente da Febrafite.
Arrecadação
O ICMS é o principal imposto do país em termos de arrecadação. Em 2019, foram R$ 509,8 bilhões para os cofres estaduais. Os municípios também são beneficiados, já que 25% da arrecadação estadual total do imposto é destinada para eles.
De acordo com a Febrafite, de todo o recurso arrecadado com ICMS, em 2019, os combustíveis foram responsáveis por 17,6%, o que equivale a R$ 89,7 bilhões.
Atualmente, o preço de venda e a alíquota de ICMS são bastante distintos entre os estados. De acordo com levantamento da Fecombustíveis, o preço médio atual da gasolina varia entre R$ 5,27, no Amapá, e R$ 6,56, no Acre. As alíquotas de ICMS sobre o combustível, por sua vez, variam de 25%, em São Paulo e outros estados, a 34%, no Rio de Janeiro. Em Minas, a alíquota para a gasolina é de 31%, a do etanol de 16% e a do diesel de 15%.
Em reais, o ICMS por litro de gasolina comercializada nos postos variou de R$ 1,33, no Amapá, até R$ 2,25, no Rio de Janeiro. Nesse sentido, o estudo mostra que estabelecer uma alíquota única (R$/ litro), uniforme em território nacional, condicionará o aumento do peso dos custos do ICMS em determinadas localidades, além do possível aumento de arrecadação.
Em outros estados, ocorreria justamente o contrário, com a diminuição do peso do ICMS no preço final do combustível e a consequente manifestação negativa na arrecadação fiscal.
“Cada estado da federação cobra uma alíquota diferente, tem a sua autonomia federativa para tributar. Não houve mudanças de alíquota que justifique esse aumento de preço. Porém, a partir do momento que é proposto fazer uma média, por uma alíquota única, a um valor fixo ou um preço médio nacional, tem estados que hoje tem uma tributação menor que quando encontrar a média, vai precisar aumentar o valor do imposto. Vai passar de uma autonomia federativa para uma média. Quem está abaixo da média vai ter um sobrepreço no combustível”, afirma Spada.
Na média, a medida proposta pelo PL vai resultar em diminuição de 20,1% da base de cálculo da gasolina comum, 17,1%, para o diesel, e 25%, para etanol hidratado. Já a arrecadação média de ICMS por litro seria reduzida na ordem de R$ 0,34, para gasolina comum, R$ 0,13, para o diesel, e R$ 0,32, para o etanol hidratado.
Assim, o estudo mostra que a proposta pode resultar em uma perda anual de arrecadação que pode alcançar R$ 24,1 bilhões para os estados e municípios, sendo R$ 12,7 bilhões, sobre a gasolina comum, R$ 7,4 bilhões, sobre o diesel, e R$ 4 bilhões, para o etanol hidratado.
“Não é algo desprezível, uma mudança que podemos fazer de forma açodada, leviana, sem suplementação das receitas dos entes federativos. Tanto os estados quanto os municípios passam por situação de dificuldade fiscal, especialmente neste momento de pandemia, quando os gastos com saúde aumentaram, a economia não anda muito bem, isso impacta a arrecadação”, ressalta o presidente da Febrafite.
Compensação da arrecadação
“Nós, do Senado, representamos os estados da Federação e nossa primeira obrigação, evidentemente, é defender os nossos estados. Por outro lado, não podemos negar que a legislação tributária deve ser aperfeiçoada”, afirma o senador Antônio Anastasia (PSD).
Para ele, se o governo for sugerir uma modificação que leve de fato a uma perda de receita, isso necessariamente vai implicar em uma forma de compensação.
“Os estados não podem perder (arrecadação), não pode ser uma coisa automática. Tem que se pensar nas consequências dessa medida.”
Segundo Anastasia, pelas regras propostas, o preço poderia baixar no momento. Porém, no futuro, se o critério permanecer e o preço do dólar baixar, os combustíveis podem encarecer. “É uma faca de dois gumes. Como é uma média, hoje está alto (preço), mas se no futuro baixar, a alta de hoje prejudica a baixa mais adiante.”
O senador reconhece que o preço dos combustíveis estão altos, mas a solução não parece ser a mais adequada.
"É uma questão arriscada. Está resolvendo um problema emergencial, sem fazer um planejamento mais meticuloso para enfrentar a questão de vez. Que o preço da gasolina, de fato, está altíssimo, todo mundo reconhece que está. Mas, o governo tem que tomar uma medida para isso ser modificado.”
Para ele, colocar a responsabilidade no ICMS não faz sentido.
“Se o percentual é o mesmo há dois anos, porque naquela época o preço da gasolina não era problema dos estados e agora é? É uma questão objetiva, não foi o ICMS que subiu, e sim, o preço base, em razão da política da Petrobras e do dólar. Política econômica do governo federal. É um discurso que tenta negar a realidade”, completa.
Agravamento dos problemas
Para Rodrigo Spada, a perda de arrecadação que a proposta pode gerar para estados e municípios apenas agravaria os problemas enfrentados por eles.
“Retirar R$ 24 bilhões dos cofres públicos no momento em que a sociedade e os cidadão precisam de incremento, investimento em saúde. São milhares de órfãos pela COVID, que vão precisar de assistência social do Estado. Crianças que ficaram dois anos longe da escola e que têm um déficit de aprendizado que vai precisar ser recuperado, e são os estados e municípios que dão educação básica. Tem a questão da segurança pública, o aumento do desemprego gera a consequência nefasta da criminalidade. Vai precisar ter um reforço também nessa área.”
Segundo ele, a não arrecadação desse montante seria “praticamente amputar a ação efetiva do estado para amparar seus cidadãos.” Spada também acredita que a proposta não será a solução definitiva para a alta dos preços dos combustíveis.
“É uma medida pontual que vai funcionar apenas nesse momento. Segundo a nota técnica, vai haver redução de alguns centavos, depende do estado e do combustível. Porém, essa redução vai ser feita uma vez só. E a sistemática usada pela Petrobras, de atrelar o preço doméstico ao mercado internacional, vai continuar.”
“Vamos continuar sofrendo os efeitos da alta do dólar nos combustíveis e do preço do barril de petróleo. Vamos continuar sem investimentos em geração de combustíveis, que poderiam nos dar autonomia e menos dependência do mercado internacional. Não ficaríamos reféns do preço internacional do petróleo.”
Para ele, a medida não é suficiente para dar conta da complexidade do problema. Ele aponta que o país poderia ser autossuficiente na geração de combustível e sugere uma mudança no modal de transporte usado no Brasil.
"Precisávamos de fundos de amortização do preço internacional do petróleo. Poderíamos ser autossuficientes, já que temos jazidas descobertas do pré-sal que estão inexploradas. Precisamos modificar nosso modal de transporte que hoje é mais concentrado em rodovias, que são menos eficientes e gastam mais combustível fóssil.”
Além disso, o presidente da entidade lembra da questão ambiental. “O mundo todo está no sentido inverso do que está se propondo, que é tributar mais combustíveis fósseis e reduzir tributação em energias limpas. Ao invés de discutir isso porque não discutimos incentivos para carro elétrico, que é muito mais limpo, sustentável e não tem essa discussão de preço de petróleo?”
Spada reforça que não são apenas os combustíveis que registraram altas de preços. “É verdade que os combustíveis arrecadam bastante.” Porém, segundo ele, a solução seria uma reforma tributária ampla.
“A inflação está em todos os produtos. O que precisamos para melhorar a questão é uma reforma tributária ampla. Nosso modelo tributário é muito concentrado no consumo, 50% da arrecadação está em produtos de consumo e, muitos deles básicos, como energia elétrica e combustíveis. Isso onera excessivamente os mais pobres.”
Segundo ele, alguns produtos e serviços são subtributados. “O Estado tem um custo e ele precisa ser financiado com arrecadação de toda a sociedade. Para que alguns não paguem ou paguem menos, outros tantos tem que pagar muito. A reforma tributária poderia trazer uma alíquota única que cobraria de forma igual, distribuindo essa carga tributária melhor entre diversos setores da sociedade. Onde hoje há uma concentração, poderíamos ter um país onde todos pagam e poderiam pagar menos.”
*Estagiária sob supervisão do subeditor João Renato Faria