Fora do curso da economia que começa a ganhar a normalidade conhecida antes da pandemia de COVID-19, os preços dos combustíveis não param de avançar e em Minas Gerais a gasolina já é encontrada acima de R$ 7 por litro. Os motoristas já pagavam ontem R$ 7,099 pela gasolina comum em posto do município de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, corrida que confirma a elevação desproporcional do custo do produto frente a inflação. Na Grande Belo Horizonte, o combustível sofreu reajuste de 39,73% nos últimos 12 meses até setembro, segundo pesquisa do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 10,30%.
- Bolsonaro: 'Minha vontade é privatizar a Petrobras'
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A alta dos preços, que pressiona em cadeia o custo de vida, encarecendo o frete dos produtos em geral, levou a Câmara dos Deputados a aprovar proposta de alteração na cobrança do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), mas, se adotada, o efeito deve ser breve. Grande parte da composição da gasolina está atrelada a fatores como o câmbio e o comportamento das cotações no mercado internacional.
O pesadelo para as famílias não tem data para terminar e a tendência é que os aumentos persistam. Em meio à escalada dos preços, Gabriel Quintanilha, especialista em Direito Tributário e professor convidado do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro, acreduta que não há como estimar um teto do custo para abastecer. “Só quem vai poder precisar isso é o governo, no momento em que decidir se vai intervir — ou não —, subsidiando o combustível”, diz. Para Quintanilha, a retomada plena econômica após o caos imposto pela COVID-19 é essencial para acomodar o preço dos combustíveis.
“O preço do combustível depende da variação do dólar, e sabemos que, no Brasil, está absolutamente descontrolado. O real foi a moeda que mais se desvalorizou frente ao dólar nos últimos dois anos. E, além disso, a variação do preço do petróleo, que também está sofrendo muita pressão de demanda no mundo inteiro. A inflação é realidade em países que nunca tiveram esse problema”, observa Gabriel Quintanilha.
Revolta
Em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, a chegada do litro à casa dos R$ 7 gera apreensão. “Essa alta do preço da gasolina abala muito a economia da cidade, pois tudo aqui depende dos combustíveis”, resume o presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Araçuaí (Acia), Marcos Antônio Costa Miranda. A alta do combustível se reflete, de imediato, nos preços dos alimentos, como verduras e frutas, já que a produção dos hortifrutigranjeiros foi interrompida no Vale do Jequitinhonha, em decorrência da crise hídrica e das mudanças climáticas. Com isso, parte dos produtos consumidos na cidade sai do entreposto da Ceasa Minas de Contagem, na Grande BH, distante 594 quilômetros.
“Todo mundo é atingido, pequenos e grandes”, afirma Miranda, que ainda critica as condições precárias das estradas de acesso à região, o que também encarece as despesas da viagem e, consequentemente, dos produtos transportados de outras localidades. A situação é tão extrema que alguns mineiros decidiram abandonar a locomoção que depende do combustível.
"O preço da gasolina está um absurdo para todo mundo. Não há mais como os pais de família, principalmente aqueles que moram de aluguel, rodarem de carro e comprarem pão para os filhos”, desabafa o coletor José Aparecido Martins da Silva, 41 anos. Ele resolveu deixar o Gol, modelo 1998, na garagem e se desloca atualmente de bicicleta. A mesma decisão foi tomada por Vivian Alves Ferreira, de 54 anos, que aposentou a moto Biz para andar a pé. Ambos são moradores de Jaíba, no Norte mineiro, onde a gasolina já está sendo comercializada a R$ 6,75 o litro.
Custo nas bombas difícil de repassar
Do Vale do Jequitinhonha à outra ponta de Minas Gerais, em Pouso Alegre, no Sul do estado, a mudança de hábito também foi sentida. Na cidade, uma das mais desenvolvidas em solo mineiro, a gasolina já é vendida a R$ 6,96 o litro e a procura por combustível não é mais a mesma. “Estamos trabalhando no vermelho há muito tempo. O movimento caiu, está bem devagar, quase parando”, lamenta João Mariano, gerente de um posto no Bairro Santo Antônio.
Quem depende essencialmente do combustível para garantir a renda está desesperado. Em outra região do estado, no Triângulo, mineiros estão desistindo de trabalhar como motoristas de aplicativos de transporte. “Com esse preço da gasolina, não está compensando. Os valores da corrida são sempre os mesmos e a médio prazo há os gastos com a manutenção do carro. Quem está rodando de Uber é quem realmente não tem outro trabalho”, diz o baterista Rodrigo Augusto, morador de Uberaba, onde o preço da gasolina chega a R$ 6,79 o litro.
“Com esse alto preço da gasolina eu preciso rodar todos os dias as 12 horas que a Uber disponibiliza para compensar um pouco. Três anos atrás eu gastava em torno de R$ 250 para encher o tanque do meu carro. Hoje gasto mais de R$ 400”, afirma Jonas da Silva, que atualmente ainda trabalha como motorista de Uber, sua única oportunidade de trabalho.
Na vizinha Uberlândia, o preço da gasolina subiu R$ 0,40 em apenas uma semana. Assim, em alguns postos se aproxima da marca de R$ 7, com a cobrança de R$ 6,79 pelo litro do combustível. Há uma semana, era possível encontrar o insumo por R$ 6,09 – o que é impossível atualmente.
Esperança no ICMS
“Os taxistas estão desamparados, sem ter a quem recorrer. Não temos quem vai segurar a peteca pra gente”, diz Antonio Vieira, taxista em Araçuaí, onde a gasolina ultrapassou os R$ 7. “O preço dos combustíveis sobe, mas não podemos reajustar o valor da corrida, pois as pessoas não têm condições de pagar”, complementa o profissional.
“Vi que vão baixar o ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) da gasolina. Qualquer coisa que diminuir já é o bastante“, acredita Delcídio Pereira, outro taxista da cidade do Jequitinhonha. O motorista fez referência ao projeto de lei aprovado na noite de quarta-feira pela Câmara dos Deputados, que estabelece um valor fixo para cobrança do ICMS sobre os combustíveis, em uma tentativa de reduzir o preço na bomba. O texto foi aprovado pelos deputados e, agora, segue para análise dos senadores.
Pobres sofrem mais
O professor Geraldo Antonio dos Reis, do curso de Economia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), afirma que a subida dos combustíveis penaliza locais mais carentes, como os municípios do Vale do Jequitinhonha e do Norte de Minas. “No lugar mais pobre, onde a renda é obviamente mais baixa, as pessoas pagam preços mais elevados. Isso penaliza ainda mais os pobres – e as regiões mais pobres também", afirma Reis.
“Em países de dimensões continentais como o Brasil – que tem como grande particularidade a dependência do transporte rodoviário de cargas, as regiões mais pobres são igualmente as mais distantes e o aumento dos preços dos combustíveis provoca também incremento nos preços dos itens básicos como os alimentos”, observa o professor de Economia da Unimontes.
Com a disparada, uma preocupação também emerge no estado: evitar abusos. Em Governador Valadares, por exemplo, onde a gasolina já está a R$ 6,84, o Procon tem feito fiscalização rotineira nos postos de combustíveis. Na última operação, foram visitados 53 estabelecimentos e todos estavam com margem de lucro dentro da normalidade.
“A medida se faz necessária para garantir que os aumentos aplicados pelas refinarias só sejam repassados aos consumidores após o fim do estoque nos reservatórios. Em casos constatados de irregularidades nos preços repassados aos consumidores, a penalidade prevê aplicação de multa e demais penalidades previstas em lei”, afirma a coordenadora do Procon-GV, Carolinne Vianna Rocha. (LR, RM, VL)
SEM FREIO
Aumentos dos preços da gasolina na Grande Belo Horizonte e a evolução do IPCA
Em setembro
Gasolina 3,32%
Inflação 1,34%
Neste ano
Gasolina 34,85%
Inflação 6,47%
Em 12 meses
Gasolina 39,73%
Inflação 10,30%
Fonte: IBGE
NA TRAVE
Em nove municípios do interior de Minas Gerais, preço máximo da gasolina comum se aproxima dos R$ 7
Ituiutaba - R$ 6,999
Teófilo Otoni - R$ 6,948
Unaí - R$ 6,850
São Sebastião do Paraíso, Três Corações, Uberaba e Uberlândia - R$ 6,799
Divinópolis - R$ 6,797
Monte Carmelo - R$ 6,779
NA REGIÃO METROPOLITANA DE BH
BH e Betim - R$ 6,399
Contagem - R$ 6,359
Fonte: ANP – pesquisa feita de 3 a 10 de outubro