“Mais uma, por favor.” A frase, que pode se referir a uma cerveja ou à próxima porção de tira-gosto, geralmente acompanhada de um dedo levantado em torno da mesa lotada, permaneceu silenciada durante vários meses na capital dos botecos. Porém, depois de muito tempo com as cadeiras de pernas para o ar, o setor de bares e restaurantes de Belo Horizonte, que chegou a ficar à beira do colapso, vê os negócios se reaquecerem com a flexibilização das regras contra COVID-19, diante de indicadores da pandemia em queda graças ao avanço da vacinação no país.
Algumas casas, que chegaram a demitir funcionários para conter gastos, voltaram a contratar para atender à clientela que enfrentou com impaciência a quarentena e agora volta, ávida por momentos de lazer e descontração. E entre elas, já há aquelas que precisam se desdobrar para dar conta de atender a tantos dedos erguidos ao mesmo tempo, pedindo mais uma, outra e outra.
Algumas casas, que chegaram a demitir funcionários para conter gastos, voltaram a contratar para atender à clientela que enfrentou com impaciência a quarentena e agora volta, ávida por momentos de lazer e descontração. E entre elas, já há aquelas que precisam se desdobrar para dar conta de atender a tantos dedos erguidos ao mesmo tempo, pedindo mais uma, outra e outra.
Mas que ninguém se iluda com o burburinho de tantas mesas lotadas: é um mercado de sobreviventes. Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Belo Horizonte foi a terceira capital que mais fechou estabelecimentos do ramo durante a pandemia. A crise custou os postos de cerca de 30 mil, dos 72 mil empregados do setor. Aproximadamente 3,5 mil empresas encerraram as atividades desde março de 2020, ou 29% do total. Agora, a expectativa é aproveitar o fim de ano para recuperar o tempo, e o faturamento, perdidos.
Essa é a meta para Valéria Profeta, de 40 anos, sócia do Bitaca Capetinga, no Bairro Anchieta, Região Centro-Sul de BH. O bar funcionava em três locais da capital mineira, mas diante da dificuldade imposta pela pandemia, apenas um sobreviveu aos tempos de quarentena e mesas vazias. “A pandemia foi o caos completo. Foi difícil para a gente, como para todo mundo, obviamente. Tínhamos três bares, e as dificuldades foram tantas que precisamos fechar dois deles este ano. Ficamos com um, onde temos a cozinha principal e de onde sai o delivery”, conta.
Apesar de não ter sido obrigado a encerrar as atividades em nenhuma unidade, o bar Porks, com casas na Praça Tiradentes e na Avenida Nossa Senhora do Carmo, na Região Centro-Sul de BH, viu o rendimento cair 90% durante a pandemia. “Por duas vezes tivemos que mandar quase todos os funcionários embora. Tivemos uma expectativa e acreditamos que a pandemia iria acabar, por isso fizemos contratações novamente. Mas a situação voltou a ficar crítica e tivemos que dispensar mais uma vez”, conta Diogo Manfredini Araújo, responsável pela franquia em BH.
Adaptações também foram necessárias no Boutique Parrilla da Vila, localizado no Bairro Buritis, Região Oeste da capital. “Na pandemia, o rendimento foi a zero durante o período em que o setor ficou fechado. Trabalhamos somente pelo delivery, e nossa marca não era tão conhecida pelo público. Tivemos o fechamento em março, foram 15 funcionários demitidos e ficamos apenas com quatro no restaurante, que permaneceram somente com o atendimento às entregas”, recorda-se Marco Aurélio Costa da Silva, dono do restaurante.
O fechamento durante a pandemia teve impacto direto sobre o faturamento dos bares e restaurantes, fazendo com que vários deles precisassem recorrer a linhas de crédito para tentar manter seus negócios abertos e com saúde financeira minimamente preservada. De acordo com pesquisa feita pela Abrasel, em média quatro a cada cinco bares e restaurantes tiveram que captar recursos durante a crise.
A VOLTA DA CLIENTELA
Agora, com a cidade reaberta, o desafio em muitas casas tem sido conseguir atender a todos os clientes que voltaram, fruto da demanda por entretenimento que permaneceu muito tempo represada pelo isolamento social. O bar Porks, por exemplo, já abriu novo ponto, agora no Bairro Castelo, na Região da Pampulha. Segundo Diogo Manfredini, o quadro de funcionários teve de ser triplicado para dar conta de servir a todos os clientes.
“Conseguimos superar a crise e ainda nos preparar para crescer. Agora estamos com uma casa nova, mas tudo isso foi feito com muito planejamento. Sabemos que temos esse movimento represado. O grande desafio é conseguir atender às pessoas em um volume muito maior, mais intenso. Mesmo com a economia ruim, as pessoas querem voltar a sair. O problema é que acaba afunilando esse movimento, principalmente nos finais de semana”, diz.
Diogo conta que apesar de quererem atender a toda a clientela, ainda existem regras contra COVID-19 para seguir, com o objetivo de evitar que o vírus volte e a economia sofra novo baque. “Nessa nova loja, ficamos por cerca de duas a três horas abertos e depois precisamos fechar, porque não cabe mais gente. Queremos voltar a ganhar dinheiro, mas temos que respeitar a capacidade exigida para que a doença não volte”, afirma. “Do jeito que está, a gente tem 2022 inteiro para retomar o que foi perdido, pelo menos um ano de trabalho para recuperar”, acrescenta.
O Boutique Parrilla da Vila também espera um movimento bem melhor para o fim de ano. “A expectativa é de crescimento total. Estamos preparando a equipe, o cardápio melhorou e estamos com a expectativa boa de receber o público”, diz Marco Aurélio Silva, também contabilizando aumento na demanda. “As pessoas têm retornado dia a dia, tem melhorado. Observamos que teve uma crescente boa e vamos melhorar o faturamento. Estamos com um trabalho de rede social e assessoria muito bom, e com isso o público da região tem abraçado o restaurante.”
Já o Bitaca Capetinga tem apostado em outras demandas para conseguir se restabelecer. “As coisas mudaram muito, por termos apenas uma casa. Mas conseguimos trazer a clientela toda de volta. Agora para o fim de ano, esperamos que haja um bom movimento. Também estamos aceitando eventos e encomendas para o Natal e ano novo”, afirma Valéria. Apesar disso, ainda não há planos para reabertura dos outros dois bares que foram fechados durante a pandemia.
Em Belo Horizonte, a expectativa é de que o setor feche o segundo semestre de 2021 com faturamento similar ao do mesmo período de 2019, em um cenário pré-pandemia.
Lista de portas e CNPJs baixados precocemente
Enquanto casas que conseguiram resistir à tormenta da pandemia fazem contas e planos para colocar a vida financeira em dia, muitos bares e restaurantes da capital baixaram as portas pela última vez durante a crise. E, entre eles, gente grande e tradicional no ramo, para quem a cozinha fechou inesperadamente, deixando uma multidão de clientes fiéis já saudosa.
A baixa mais recente foi o La Greppia, tradicional restaurante no Centro de Belo Horizonte, que encerrou as atividades depois de 25 anos, no começo do mês. Com enormes dificuldades para lidar com os reflexos da pandemia, a casa não teve como continuar.
Foi o mesmo surto que causou impacto em outros estabelecimentos clássicos, como o Vecchio Sogno, que ficava no Bairro Santo Agostinho, na Região Centro-Sul de BH. Outro a seguir o roteiro foi o La Crepe, famoso restaurante especializado em crepes no tradicional Bairro de Santa Tereza, na Região Leste. Após 17 anos de funcionamento, o restaurante fechou as portas em maio deste ano, mas quatro meses depois retomou as atividades, resistindo aos impactos da pandemia.
Depois de 37 anos no Bairro Funcionários, Região Centro-Sul, o Bar e Cervejaria Brasil tampouco resistiu à pressão da pandemia: em janeiro, anunciou que fecharia as portas. Baixa no CNPJ também do Stonehenge Rock Bar, depois de 21 anos como reduto do rock n'roll da capital mineira, no Barro Preto, Região Central, que encerrou as atividades em abril. Outros tradicionais engrossam a lista, como A Favorita, Armazém Parmegiano Meet Me, Pinguim, Kabab, Baixo Lourdes, Rota 85, entre outros que deixaram saudade.
Mas não foram apenas os mais experientes as vítimas da pandemia. Jovens casas de sucesso da mesma forma não resistiram aos efeitos colaterais do coronavírus. Faz parte da lista o restaurante Alma Chef, no Bairro de Lourdes, na Região Centro-Sul, especializado em alta gastronomia. Outros negócios em ascensão seguiram a trilha, como A Central, que funcionava em prédio histórico na Praça da Estação e encerrou as atividades praticamente um ano após a inauguração, e Quatro Cultura e Inovação, também próximo à praça. Outro queridinho da cidade apesar da juventude, o bar e restaurante de comida oriental Dona Tomoko Izakaya, na Rua Grão Mogol, no Carmo, Centro-Sul da capital, foi mais um a fechar precocemente após o sucesso inicial: abriu em 2018 e baixou as portas em 2020. (Larissa Ricci)