Bilu, um pequeno vira-lata caramelo, monta guarda ao lado da churrasqueira de seu dono, o mecânico João Ferreira. De olhos vidrados e orelhas baixas, ele ativa o “modo pidão” para tentar ganhar um pedaço de carne. O apelo já não faz o mesmo efeito. Desde o início da pandemia, o cachorro só descola algumas parcas tirinhas de muxiba, ou fica na vontade mesmo. Com o estrondoso aumento do produto nos açougues nos últimos dois anos, compartilhá-lo com os pets tornou-se um luxo insustentável. “Sinto muito, meu amigo, mas essa linguicinha aqui não vai sobrar para você, não!”, brinca João.
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Ao longo de outubro, a inflação chegou a dar uma trégua à turma do “churras”. Após 16 meses consecutivos de alta, os preços da carne tiveram ligeira queda de 0,31%. A última baixa havia sido registrada pelo IBGE em maio de 2020 (-1,33%). A redução é associada pelos economistas à suspensão das exportações para a China.
O comércio foi interrompido em 4 de setembro, após o Brasil confirmar dois casos atípicos de vaca louca, em Minas Gerais e no Mato Grosso, o que fez as vendas internacionais despencaram 43%. Com o alívio na demanda externa chinesa, sobram mais mercadorias para o mercado interno, o que, em tese, puxa os preços para baixo.
O movimento da balança comercial, contudo, mal faz cócegas no bolso do consumidor. Pesquisa divulgada na terça-feira (9/11) pelo site Mercado Mineiro, feita em 39 açougues de BH e região metropolitana, apontou discreta redução no valor cobrado pelos cortes, com destaque para a alcatra (-1,41%), o acém (-7%), a fraldinha (-5,65%) e a bisteca suína (-3,57%). Os acréscimos acumulados pelas peças nos últimos dois anos, no entanto, passam de 140%.
“Sem querer ser o estraga-prazeres das festas de fim de ano, preciso ponderar um outro fator: nada garante que essa tendência de queda vá se manter. Se a China resolver voltar a comprar do nosso mercado com o mesmo apetite dos últimos dois anos, o que é bastante plausível, os preços voltarão a subir”, analisa o diretor do Mercado Mineiro, Feliciano Abreu.
No mercado há 44 anos, o comerciante diz que, ao contrário do que os preços possam sugerir, seu negócio nunca viveu tempos de vacas tão magras. “Desde o início de 2020, com a disparada dos preços, minha margem de lucro ficou bem estreita, pois eu não posso repassar todo o aumento da carne para o consumidor, senão ele some. Então, absorvi boa parte do prejuízo. Outra medida para manter as portas abertas foi dispensar 60% dos funcionários”, conta o empresário.
A reinvenção do churrasco acabou contribuindo para a continuidade do frigorífico. “No fim das contas, o fato de o consumidor ter descoberto cortes alternativos me ajudou. Algumas peças tradicionais do churrasco encareceram tanto, que eu parei de comprar. A picanha angus é um exemplo. O preço de custo dela hoje é de R$ 120. Ficou impraticável. Claro que continuo vendendo picanhas, mas só as do tipo B. Elas têm um padrão de gordura inferior, mas são razoáveis e eu consigo manter no estoque e vender”, diz o açougueiro.
Churrasqueiro muda corte e racha a conta
Para driblar os preços salgados e manter as churrasqueiras acesas, os amantes do churrasco têm recorrido às mais variadas táticas. “Asso carne quase todo fim de semana, sozinho ou acompanhado. Na pandemia, não abandonei o costume. Mas como a carne está sendo vendida a peso de ouro, tive que fazer adaptações”, conta o mecânico João Ferreira, que mora no Bairro Céu Azul, na Região de Venda Nova, em Belo Horizonte.
A primeira delas foi rachar a despesa dos “eventos” com a família e os amigos. João relata que, até pouco antes da pandemia de COVID-19, fazia questão de oferecer ele mesmo os cortes. Aos convidados, pedia apenas que levassem as bebidas. Agora, os participantes também precisam contribuir com alguns quilinhos de proteína.
A primeira delas foi rachar a despesa dos “eventos” com a família e os amigos. João relata que, até pouco antes da pandemia de COVID-19, fazia questão de oferecer ele mesmo os cortes. Aos convidados, pedia apenas que levassem as bebidas. Agora, os participantes também precisam contribuir com alguns quilinhos de proteína.
Os assados também já não são os mesmos. Picanha, alcatra, bife ancho e até asinha praticamente desapareceram dos espetos. “Antes, eu fazia questão de ter ao menos uma peça mais nobre. Agora tivemos que baixar a bola e usar a criatividade. Passamos a comer opções mais baratas, como maçã de peito e sobrecoxa de frango. Até o toucinho de barriga entrou na roda!”, diz Ferreira.
A tendência foi rapidamente detectada nos açougues de classe média, onde a carne de segunda — nome popular dado aos pedaços da banda dianteira do boi e do porco, de qualidade considerada inferior — tornou-se musa do braseiro. As peças suínas também ganharam prestígio no espeto.
“O toucinho de barriga, hoje, é mais procurado que o pernil pelos churrasqueiros. E, acredite se quiser, o pessoal tem assado até fígado bovino. Sabendo fazer, fica gostoso!”, atesta Francisco de Assis, dono do frigorífico Gomes e Silva, que fica no Bairro São Paulo, Região Nordeste de BH.
“O toucinho de barriga, hoje, é mais procurado que o pernil pelos churrasqueiros. E, acredite se quiser, o pessoal tem assado até fígado bovino. Sabendo fazer, fica gostoso!”, atesta Francisco de Assis, dono do frigorífico Gomes e Silva, que fica no Bairro São Paulo, Região Nordeste de BH.
De acordo com o empreendedor, o novo cardápio do churrasco inclui ainda cortes como miolo de acém, fraldão, assado de tiras (fibras provenientes da costela dianteira do boi) e acém com osso. A migração para a grelha acompanha mudanças na nomenclatura, que, aparentemente para ganhar um tempero de sofisticação, ficou mais próxima do vocabulário dos “barbecues” americanos.
“O miolo de acém a gente vende como 'chuck eye roll'. A maçã de peito, como 'brisket'. A fraldinha é o 'skirt steak'. O acém com osso virou 'short ribs'. A paleta mudou para 'flat iron steak' . A ideia é tirar das peças o estigma de carne de segunda. Até porque, como a genética do gado melhorou muito nos últimos anos, não faz sentido menosprezar os cortes dianteiros, que estão muito mais macios e saborosos”, justifica Assis.
No mercado há 44 anos, o comerciante diz que, ao contrário do que os preços possam sugerir, seu negócio nunca viveu tempos de vacas tão magras. “Desde o início de 2020, com a disparada dos preços, minha margem de lucro ficou bem estreita, pois eu não posso repassar todo o aumento da carne para o consumidor, senão ele some. Então, absorvi boa parte do prejuízo. Outra medida para manter as portas abertas foi dispensar 60% dos funcionários”, conta o empresário.
A reinvenção do churrasco acabou contribuindo para a continuidade do frigorífico. “No fim das contas, o fato de o consumidor ter descoberto cortes alternativos me ajudou. Algumas peças tradicionais do churrasco encareceram tanto, que eu parei de comprar. A picanha angus é um exemplo. O preço de custo dela hoje é de R$ 120. Ficou impraticável. Claro que continuo vendendo picanhas, mas só as do tipo B. Elas têm um padrão de gordura inferior, mas são razoáveis e eu consigo manter no estoque e vender”, diz o açougueiro.