A economia brasileira tem outros fundamentos, hoje, e é capaz de se sustentar por muitos anos com um comportamento de preços longe daquela hiperinflação enfrentada antes de 1994, avalia Braz. O país testou quase uma dezena de planos econômicos nos tempos da espiral inflacionária. As taxas de inflação haviam alcançado até 5.000% ao ano antes do Real.
O Brasil viveu cerca de 15 anos com evolução do custo de vida acima de dois dígitos e correção monetária que estimulava a hiperinflação. Houve períodos de remarcações diárias de preços e os produtos desapareciam das prateleiras do varejo, enquanto a população estocava alimentos com o temor das sucessivas altas. Havia remarcações automáticas de preços e dos salários, num efeito de bola de neve pelo qual a inflação de um mês era de imediato repassada ao mês seguinte. Durante o Plano Cruzado, que congelou os preços em 1986, a carne sumiu dos supermercados.
“Não é porque a atividade econômica está fraca hoje, e a inflação ganha espaço, dada a crise de confiança, à questão fiscal com o governo insistindo em gastar mais do que arrecada, que estamos à beira de perder a estabilização conquistada pelo Plano real. Precisaríamos de vários desastres políticos e econômicos para colocar o país em situação semelhante a que vivemos no passado”, afirma André Braz.
Economista e gestor dos sites de pesquisas de preços Mercado Mineiro e comOferta.com, Feliciano Abreu observa que boa parte da população economicamente ativa, hoje “desconhece o que é uma inflação galopante. E os juros comendo a renda sem que as pessoas percebam”, afirma. Ele alerta para a perda do poder aquisitivo. “Quem ganha hoje o mesmo que ganhava em janeiro de 2020, antes da pandemia, já perdeu muito seu poder de consumir”. Os consumidores de baixa renda tem sido os mais prejudicados pela diminuição da renda e o desemprego.
Pelo retrovisor
A estudante de odontologia Ludmila Naira Souza Acosta Rodrigues, de 35 anos, conta que pagou caro, ao desembolsar R$ 16 pelo quilo de bife de frango em açougue do bairro Santo André, na região Noroeste de Belo Horizonte. “Na verdade o bife fica mais caro, porque o açougueiro pesa a carne com os ossos e depois retira a carcaça”, dz a consumidora. Moradora no bairro há 28 anos, Ludmila divide espaço de casa com uma criança e dois adultos. “Depois da alta da carne, passamos a consumir frango quase que todo dia, picadinho, assado, ou em torta. As vêzes alterno frango e porco. Gostava de fazer asinha assada, que hoje se tornou nobre.”
Os dados do IBGE indicam, de fato, que desde 2018 os aumentos de preço do frango inteiro têm superado em larga escala a inflação na Grande BH medida pelo IPCA. Isso ajuda a entender a prática das ofertas adotada no comércio especializado da av, a exemplo da casa dirigida por Constantino Gabriel Araujo Jr., de 57. Ainda que a ave tenha se transformado no principal motor das vendas, o comerciante busca incentivar o consumo, com tira-gosto gratuito de pés de galinha associado à compra de cerveja.
No ano passado, a variação de preços do frango inteiro na Grande BH, segundo o IBGE, foi de 14,66%, quase três vezes acima da inflação, de 4,99%. O mesmo fenômeno já havia ocorrido em 2018 (10,11% de aumento, ante o IPCA de 4%) e em 2019 (6,58% e 4,20%, respectivamente).
O consumo per capita da carne de frango no Brasil cresceu de 41,99 quilos por habitante em 2018 a 45,27 kg/hab no ano passado. Ainda assim, está abaixo do pico de 47,38 kg/hab registrado em 2011, segundo dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). A produção nacional tem se expandido, tendo saido de 12,855 milhões de toneladas em 2018 a 13,845 milhões de toneladas no ano passado. Em 2020, 69% da oferta ficaram no mercado interno e 31% tiveram o mercado internacional como destino.
Força exportadora
Os números das exportações de frango também mostram um Brasil diferente daquele de meados dos anos 90. O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq)/USP, registrou resultados positivos das exportações de frango em outubro últimos, que superaram a média de 355.638 toneladas mensais nos nove meses anteriores. Em relação a setembro, o volume embarcado recuou quase 7%, mas outubro teve um dia útil a menos, o que influencia nesse balanço.
Com isso, a média diária embarcada nos dois meses foi muito similar, superior a 18 mil toneladas/dia, apresentando redução de apenas 2% de um período para outro. A queda mensal no volume foi parcialmente neutralizada por nova melhora no preço médio do produto, que atingiu US$1.770,90 por tonelada, aumento de mais de 2% em relação ao mês anterior e quase 31% em comparação a outubro de 2020.
Memória
Operação salvamento
O Plano Real foi um processo de estabilização econômica iniciado em 1993 e o seu sucesso representou a quebra da espinha dorsal da inflação no Brasil. A entrada em circulação do real em 1º de julho de 1994 mudou o cenário de uma inflação que, no acumulado de 12 meses, chegou a 4.922% em junho de 1994, às vésperas do lançamento da nova moeda. A inflação, que finalizou 1994 com 916%, atingiu 22% em 1995.
Desde então, mesmo com as várias crises internacionais e internas que prejudicaram a estabilização econômica, o IPCA acumulado em 12 meses passou de 9% em poucas ocasiões. No fim dos anos 80 o Brasil enfrentava a hiperinflação, que o Plano Verão, de 1989, tentou conter, sem sucesso, promovendo o congelamento dos preços, o que gerou desabatescimento nos supermercados (foto).