O segundo Natal comemorado em meio à pandemia de coronavírus marca um certo alívio para os encontros com a família e os amigos, diante do avanço da vacinação, mas impõe freio nos gastos e mudança de hábitos, na tentativa de driblar a inflação alta e persistente, sobretudo à mesa do consumidor. A tradição da ceia cedeu aos aumentos dos preços dos alimentos e dos combustíveis e busca alternativas na carne de porco, que sofreu variações de preços mais modestas. As iguarias importadas sofreram concorrência acirrada com os itens nacionais, que também encareceram, surpreendendo as donas de casa.
“A ceia de Natal vai estar mais cara este ano. Em 2020, os produtos natalinos sofreram muito com a desvalorização do real. Entre setembro de 2019 e novembro de 2019, a taxa de câmbio média estava em R$ 4,13. No mesmo período de 2020, o valor já era de R$ 5,58. O dólar ficou 35% mais caro e é mais ou menos a variação dos preços dos produtos natalinos, que foram muito afetados pela taxa de câmbio”, explica Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Segundo a CNC, o Natal de 2020 teve a menor participação de produtos importados em mais de uma década. Neste ano, a taxa de câmbio entre setembro e novembro ficou praticamente igual à do ano passado, R$ 5,57. O economista ressalta que a ceia deve ficar mais cara não por conta dos importados, mas pelos produtos nacionais. “Temos observado, nos últimos meses, um descasamento entre os preços no atacado e o grau de repasse que o varejo consegue fazer dessa alta.”
Levantamento feito pela entidade sobre os produtos natalinos importados neste ano indicou que mesmo com o dólar estável, o varejo importou 4% a menos de bebidas. O bacalhau registrou aumento de 21% nos preços; castanhas, nozes e avelãs também tiveram elevação de importação de 21%. Os embutidos , alta de 3%.
“Retirando as bebidas, o varejo, neste ano, importou mais produtos para o Natal do que no ano passado. Como a taxa de câmbio ficou praticamente estável e os preços na indústria nacional cresceram muito, o varejo acabou se voltando mais para os produtos importados.”
Camila Bitencourt, proprietária do bufê Fora Comum, localizado no Bairro Gutierrez, Região Oeste de BH, criou estratégias para adaptar o serviço aos altos preços dos alimentos. Ela conta que na hora de planejar o cardápio da ceia de seu bufê precisou deixar alguns produtos de fora.
“Não coloquei muitos ingredientes, como o figo, por exemplo, que é bem característico do fim de ano. Gosto muito de usar, não só para decoração, mas também nos pratos. E, neste ano, eu não consegui colocar porque ele está com o preço absurdo.” A fruta foi encontrada por até R$ 40 a bandeja.
Entre as carnes, Camila adaptou a ceia sem o prestigiado filé mignon. “Fecho meu cardápio em agosto e até chegar em dezembro a variação é muito grande, cerca de 30%. Só que neste ano os valores já estavam altos em agosto e o perigo era agora estarem mais altos ainda.”
A saída encontrada por ela foi conversar com vários fornecedores para tentar comprar os produtos dentro do preço planejado para não ter prejuízo. Camila observa que os clientes também adotaram novos hábitos para reduzir o custo da ceia. “As pessoas diminuíram um pouco o consumo do filé mignon e aumentaram o do pernil. Já vendi mais de 150 kg de pernil.”
Compra antecipada
João Teixeira, proprietário do Buffet Célia Soutto Mayor, localizado no Bairro Santo Antônio, Região Centro-Sul de BH, também está otimista, a despeito da inflação alta.“Hoje, já estamos com o Natal praticamente fechado. Vai ser difícil pegar alguma encomenda. A venda está sendo muito antecipada e observamos que existe uma demanda reprimida. Com a abertura, as pessoas estão procurando as coisas com mais rapidez.”
Teixeira conta que o bufê apostou em cardápio bem variado, com opções importadas e nacionais. Ele ressalta que os pratos com alimentos nacionais estão sendo mais procurados. “Tem cliente para todo tipo de ceia. Temos pratos com camarão, bacalhau, filé, peru. Tem alimentos com preço maior e menor. O cliente é que vai escolher aquilo que ele quer pagar.”
Ele afirma que agora os produtos importados estão com preços muito mais elevados do que estavam, por exemplo, em setembro ou outubro. A estratégia adotada no bufê foi antecipar as compras. “Compramos os produtos com antecedência. Tradicionalmente, vendo em anos anteriores, procuramos ver aqueles produtos que sempre vendem mais e fizemos um estoque maior deles. Um pouco menos com os importados, que são mais caros, mas já colocamos à disposição no estoque.”
Outra estratégia adotada por Camila Bitencourt foi lançar uma promoção, em novembro, que concedeu desconto de 5% a 10% para quem fizesse a encomenda até o dia 30 do mês passado. “Isso me fez vender mais, ter um estoque mais planejado e ainda agradar o cliente com um pequeno desconto. Isso me ajudou bastante.”
Segundo a proprietária de bufê, as encomendas de ceia ficaram praticamente no mesmo nível das de 2020. “Ano passado foi um Natal muito bom para os nossos serviços. Com a pandemia, as pessoas ficaram em casa e as encomendas aqui cresceram muito. Neste ano, está bom do mesmo jeito.”
* Estagiária sob supervisão da subeditora Marta Vieira
Encomendas renovam ânimo nas padarias
A despeito da crise, os panificadores que faturam com as ceias de Natal não têm reclamado das encomendas. Elas devem repetir o mesmo nível daquelas do ano passado, com a diferença do reforço na quantidade para atender as reuniões de familiares e amigos. Em 2020, quando a pandemia de coronavírus mostrava avanço sem controle e foram necessárias restrições para conter a disseminação da doença, as ceias demandadas eram menores, como avalia o presidente do Sindicato e Associação Mineira da Indústria de Panificação (Amipão), Vinicius Dantas.
“No ano passado, as ceias eram pequenas, e as encomendas eram de produtos menores para mandar ou presentear os pais e avós. Agora (as encomendas), estão maiores. O número de ceias, talvez, seja o mesmo, porém, com ceias maiores, porque me parece que as pessoas, agora, vão para a casa dos pais. Percebo que elas estão mais animadas para o evento de família.”
Dantas acredita que, apesar da crise econômica, as pessoas não vão deixar de fazer suas encomendas. “As proteínas estão muito caras e a base da ceia é proteína. Isso acaba influenciando no preço final, já que a energia, o gás, as embalagens também tiveram aumento de preço. No contexto geral, tivemos altas em relação ao ano passado. Mas, é o momento em que todos fazem o seu sacrifício. Apesar dos salários não acompanharem o aumento de preços, as pessoas estão comprando”, afirma.
O economista Fábio Bentes, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) lembra que, até outubro último, o preço médio de alimentos no Brasil subiu 25% no atacado. “O varejo está repassando para o consumidor alta de 11,2%, ou seja, menos da metade do que teve. Na hora de comparar o fornecedor externo com o nacional, a balança pendeu um pouco mais para o produto importado porque é muito difícil driblar essa alta dos alimentos, especialmente nessa época do ano, por conta da aceleração dos preços no mercado interno, já que estamos com uma inflação de custos (energia elétrica, combustíveis).”
Além disso, a alimentação no domicílio deve ter alta de 12% este ano, em relação ao Natal passado. “Em 2020, a alta foi muito maior, de 18,7%, com uma desvalorização forte da taxa de câmbio, além de uma inflação de alimentos muito caracterizada. Neste ano, os preços subiram, mas de uma forma um pouco mais lenta do que no ano passado.” (MC)