O ano de 2022 deve trazer pelo menos uma boa notícia na economia: a inflação tende a perder um pouco de força, como resultado da safra recorde de alimentos, redução de preço dos combustíveis e diminuição da demanda, resultado da forte alta dos juros e da atividade fraca.
No entanto, para além dessa perda de ímpeto dos preços, o ano eleitoral tende a ser mais um período difícil para a economia brasileira.
Para o PIB (Produto Interno Bruto), indicador que soma todos os bens e serviços produzidos no país, a expectativa dos economistas é de estagnação.
Os analistas divergem se o número vai ser um pouco negativo ou um pouco positivo, mas todos concordam que, no azul ou no vermelho, o desempenho deve ficar muito próximo de zero.
Como consequência, o mercado de trabalho tende a perder ímpeto, com a taxa de desemprego caindo mais devagar e a geração de vagas formais mais fraca.Já o câmbio — relação entre o valor da moeda brasileira e as moedas de outros países — deve ter um ano bastante volátil (isto é, deve variar bastante, ser inconstante), reagindo à corrida eleitoral e à provável alta de juros para conter a inflação nos mercados desenvolvidos.
Esse movimento tende a atrair investimentos principalmente aos Estados Unidos, enfraquecendo as moedas de países emergentes, como o Brasil, e já há quem aposte em um dólar encostando nos R$ 6 ao longo do próximo ano.
Nas contas públicas, a arrecadação de impostos deve perder força, enquanto o custo da dívida pública tende a continuar em alta, devido ao aumento dos juros.
E para coroar esse cenário desfavorável, a economia mundial pode perder força, com destaque para a China, principal parceira comercial do Brasil.
Saiba o que esperar para PIB, emprego, inflação, câmbio, economia mundial, contas públicas e política monetária em 2022, nas visão de um time de especialistas que inclui os economistas Daniel Duque e André Braz (FGV), Silvio Campos Neto (Tendências), Vilma Pinto (IFI) e Rafaela Vitória (Banco Inter).
Um 2022 de PIB estagnado
Com dois resultados negativos no segundo e terceiro trimestres de 2021, a economia brasileira entrou este ano em "recessão técnica" — termo usado pelos economistas quando são registrados dois trimestres seguidos de PIB em queda.
No quarto trimestre, a coisa não melhorou, com indústria (-0,6%), varejo (-0,1%) e serviços (-1,2%) em retração em outubro, na comparação com setembro, sugerindo que a atividade econômica continuou em baixa nos últimos três meses do ano.
As vendas da Black Friday em novembro e do Natal em dezembro, com crescimento fraco em relação a 2020, reforçaram a sensação de falta de ímpeto da economia.
É em meio a esse desânimo que o país adentra 2022, ano que os economistas preveem que será de estagnação para o PIB brasileiro.
Segundo o boletim Focus do Banco Central (de 27/12), que reúne as expectativas de diversos analistas do mercado, o PIB brasileiro deve crescer apenas 0,4% em 2022, após avançar cerca de 4,5% este ano, recuperando a queda de 3,9% de 2020, quando a pandemia fez seu maior estrago.
Conforme Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do banco Goldman Sachs, o ano de 2022 deve ser marcado pela continuidade da recuperação do setor de serviços no Brasil, em meio ao avanço da vacinação.
"No entanto, a inflação em dois dígitos, a taxa de juros em alta, o aumento do ruído e da incerteza política, o alto nível de endividamento das famílias e a deterioração da confiança de consumidores e empresários são ventos contrários significativos para a atividade", escreve Ramos, em relatório.
Mercado de trabalho perde força
O ano de 2021 foi de recuperação para o mercado de trabalho, após o forte baque registrado no ano anterior.
A taxa de desemprego, que começou o ano em 14,5%, chegou a outubro em 12,1%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Até novembro, haviam sido criadas no país quase 3 milhões de vagas com carteira assinada, conforme dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) do Ministério da Economia.
"Devemos chegar ao primeiro trimestre de 2022 com uma taxa de desemprego já bem próxima da que tínhamos no início da pandemia", prevê Daniel Duque, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
Em fevereiro de 2020, quando foi identificado o primeiro caso de coronavírus no Brasil, a taxa de desemprego estava em 11,8%.
"A partir daí, no entanto, essa recuperação deve perder ritmo", diz Duque, explicando que há sempre um atraso entre a atividade econômica e o mercado de trabalho."
"A desaceleração da atividade que sofremos no segundo semestre de 2021, que foi bem forte, deve começar a ter um impacto no emprego a partir do primeiro trimestre de 2022 e a renda do trabalho deve continuar bem baixa, sofrendo com os efeitos da inflação e com reajustes nominais abaixo da alta de preços", avalia o pesquisador.
Segundo o boletim Salariômetro da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), em 12 meses até novembro de 2021, apenas 19,4% das negociações salariais entre sindicatos patronais e de trabalhadores resultaram em reajustes acima da inflação, enquanto para 50,8% os reajustes foram inferiores e 29,8% conseguiram ao menos repor a alta de preços.
Já conforme o IBGE, em outubro, o rendimento médio dos brasileiros caiu 11,1% na comparação anual, para R$ 2.449. Com isso, a renda no país descontada a inflação se encontra no menor patamar da série histórica, que tem início em 2012.
Ainda de acordo com Duque, a recuperação modesta do emprego que deve ocorrer em 2022 tende a ser puxada pelos trabalhadores informais e por conta própria.
"O emprego formal tem uma correlação bem forte com o PIB", explica o economista. "Como estamos vendo uma estagnação nos últimos trimestres, que deve continuar em 2022, principalmente devido à alta dos juros, muito provavelmente veremos em breve o fim da expansão dos empregos formais."
Inflação perde força, mas 2021 deixa herança
Segundo o boletim Focus, a inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) deve desacelerar de cerca de 10% no acumulado de 12 meses até dezembro de 2021, para algo em torno de 5% ao fim de 2022.
No entanto, o indicador ainda tende a ficar acima da meta para o próximo ano, que é de 3,5%.
"Dado que a nossa economia ainda é muito indexada [quando os preços são reajustados de acordo com a inflação do período anterior], boa parte da inflação de 2022 vai ser influenciada pela inflação de 2021", diz André Braz, coordenador de índices de preços na FGV.
Um exemplo disso é o salário mínimo, que deve passar de R$ 1.100 em 2021 para R$ 1.212 em 2022, acompanhando a alta da inflação. O salário básico serve de referência para os salários do setor privado e também define o valor de benefícios sociais e aposentadorias.
Também os aluguéis, mensalidades escolares e impostos como IPVA e IPTU devem ser influenciados pela inflação do ano passado em seus reajustes, cita o economista.
Segundo Braz, boa parte da pressão inflacionária só deve perder forçar a partir do segundo semestre, já que a alta da taxa básica de juros leva de seis a nove meses para ter efeito sobre a economia.
"O efeito colateral disso vai ser um crescimento menor e isso vai bater direto no mercado de trabalho e nas oportunidades de emprego, contribuindo de forma mais aguda no segundo semestre para diminuir a demanda, que já está enfraquecida, mas que tende a se enfraquecer ainda mais", prevê Braz.
Segundo o economista, a inflação de alimentos deve desacelerar de uma alta acima de 7% em 2021, para avanço entre 3,5% e 4% em 2022, devido à safra agrícola recorde esperada.
"Uma oferta maior de alimentos pode contribuir para uma inflação mais baixa", diz Braz.
Ele pondera, no entanto, que o câmbio é um risco para essa previsão, já que a moeda brasileira desvalorizada incentiva a exportação de alimentos, o que reduz a oferta no mercado interno.
O real fraco também eleva o preço dos produtos no país, já que commodities como soja e milho são cotadas no mercado internacional em dólar.
Para os preços administrados — aqueles controlados pelo poder público, como combustíveis, contas de luz e tarifas de transporte —, Braz prevê uma pressão menor devido à queda de preços do petróleo e à expectativa de uma bandeira menos onerosa nas contas de luz, graças à normalização das chuvas e dos reservatórios hidrelétricos nos últimos meses.
Já no transporte público, pressionado pela alta de quase 50% do diesel nos últimos 12 meses, joga a favor dos usuários o fato de 2022 ser um ano eleitoral, o que desincentiva o reajuste de tarifas pelas prefeituras e governos estaduais.
Em São Paulo, por exemplo, a Secretaria Municipal de Transporte e Mobilidade Urbana e a SPTrans avaliam que a tarifa de ônibus precisaria subir dos atuais R$ 4,40 para R$ 5,08 para recompor a inflação desde o último reajuste.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB), no entanto, adiou a correção até fevereiro, enquanto aguarda o Senado votar projeto que passaria o custeio da gratuidade para idosos ao governo federal.
Câmbio pressionado e mundo menos favorável
Para Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, dois fatores principais devem influenciar a cotação da moeda brasileira em 2022: as eleições presidenciais no Brasil e a alta dos juros nos Estados Unidos.
"A perspectiva de que o Fed [Federal Reserve, o banco central americano] eleve as taxas de juros por lá é um sinal de dólar forte no mundo todo", diz Campos Neto.
Isso acontece porque os juros mais altos nos EUA atraem investimentos para os papeis do Tesouro americano, valorizando o dólar e diminuindo os recursos disponíveis para aportes em países emergentes, que são considerados mais arriscados.
"Por aqui, o processo eleitoral sempre gera muita volatilidade e muita apreensão", acrescenta.
Segundo o economista, nos últimos anos, o real brasileiro teve comportamento atípico em relação às outras moedas de países emergentes, como o peso mexicano, colombiano e chileno, o rand sul-africano e o rublo russo.
Embora todas essas moedas tenham perdido valor com a pandemia, o real não se recuperou, ao contrário das demais, devido a fatores internos.
Pesou sobre a moeda brasileira principalmente o descontrole fiscal, com o calote nos precatórios — dívidas da União reconhecidas pela Justiça — e a mudança na regra do teto de gastos com a justificativa de pagar o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família.
"O câmbio realmente está fora de lugar, mas para ele voltar para um patamar mais baixo teria que ter uma mudança de sinalização em termos de política macroeconômica, especialmente um comprometimento maior na questão fiscal", diz Campos Neto.
"Isso é algo que não deve vir de nenhum dos dois candidatos mais cotados. Então, em 2022, esperamos pressões renovadas [sobre o câmbio]. Ao longo do ano, podemos perfeitamente observar novos picos, até próximos de novo a R$ 6", prevê.
Ao fim do ano, no entanto, o economista avalia que o câmbio deve ceder de volta aos R$ 5,70, já que o vencedor das eleições tende a tentar amenizar o ambiente adverso, fazendo acenos mais responsáveis em relação à agenda econômica.
Além do câmbio volátil, Campos Neto prevê um "mundo mais desafiador" para o Brasil.
"Será um mundo que ainda cresce, especialmente nos Estados Unidos, mas com início de retirada dos estímulos monetários, com destaque para o Fed, que deve começar a subir juros entre março e junho", diz o economista.
Outro ponto de atenção é a China, cuja economia já dá sinais de desaceleração, devido a um rearranjo do setor imobiliário do país asiático, que cresceu muito nos últimos anos com base em um forte avanço do endividamento.
"Essa desaceleração já está acontecendo e já se reflete, por exemplo, no preço do minério de ferro", diz Campos Neto.
Ele destaca que o efeito da desaceleração chinesa sobre os preços das commodities é positivo para a inflação brasileira, mas negativo para a balança comercial, já que o país é um grande exportador de produtos básicos.
Nas contas públicas, arrecadação menor e dívida mais cara
A política fiscal — ramo da política econômica que trata do gasto público e da arrecadação de impostos — deve ser um dos grandes temas das eleições de 2022.
Isso porque a corrida eleitoral deve acontecer em meio a um ano de piora no quadro das contas públicas.
Segundo Vilma Pinto, diretora da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado Federal, em 2022 tende a haver uma expansão da despesa, por conta do Orçamento aprovado — que prevê mudanças no pagamento dos precatórios e no teto de gastos para permitir maiores despesas, além de acomodar gastos como o aumento do fundo eleitoral e o reajuste dos salários de policiais federais, definido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
Já a arrecadação recorde observada em 2021 deve perder força, já que ela foi impulsionada pela recuperação da atividade e pela alta de preços dos produtos e serviços, devido ao aumento da inflação. Com PIB e inflação mais fracos em 2021, esses efeitos se perdem.
"Outra questão importante — que reforça o pessimismo para o quadro fiscal — são os juros e seu impacto para a dívida pública. Em dezembro, o Tesouro divulgou dados da dívida federal, que já mostram um crescimento na margem do custo médio da dívida", observa Vilma.
Conforme o Tesouro, o custo médio acumulado em 12 meses do estoque da dívida pública federal subiu de 8,02% ao ano em outubro para 8,62% em novembro, maior valor desde outubro de 2020.
No mesmo período, o custo médio das emissões em oferta pública da dívida interna aumentou de 7,48% ao ano para 8,02%.
A relação entre dívida e PIB, observada pelos economistas como sinal da saúde das contas públicas de um país, deve voltar a subir em 2022, nas projeções da IFI.
O indicador chegou a 88,6% em dezembro de 2020, devido ao aumento de gasto em resposta à pandemia da covid-19. Em 2021, deve cair a 82,1%, voltando a subir para 84,8% em 2022.
Essa elevação da dívida/PIB deve acontecer devido à combinação de piora do resultado primário do governo, aumento do custo da dívida e PIB mais fraco.
A saúde das contas públicas é um tema importante para a população em geral porque ela define a capacidade do governo de gastar e, consequentemente, a qualidade dos serviços públicos oferecidos.
Além disso, a percepção do mercado com relação à capacidade do governo de honrar suas dívidas influencia variáveis como o risco-país e o câmbio, que têm efeito direto sobre a inflação, já que muitos insumos da indústria são importados e as commodities são cotadas em dólar.
Atividade fraca pode pôr fim a alta dos juros
Em sua reunião de dezembro, o Copom (Comitê de Política Monetária) elevou a taxa básica de juros da economia brasileira em 1,5 ponto percentual (p.p.), para 9,25%.
Foi o sétimo aumento seguido da Selic, que ao fim de 2020 estava em 2%, menor nível da história.
Em sua última reunião do ano, o Copom também indicou mais um aumento de 1,5 p.p. para sua próxima reunião, em fevereiro de 2022.
No entanto, os sinais de fraqueza da atividade e os últimos dados de inflação abaixo do esperado fazem alguns economistas acreditarem que a autoridade monetária pode optar por subir menos os juros no início do próximo ano.
"Temos visto diversos sinais de desaceleração da economia, na indústria, nos investimentos e nos indicadores de confiança, que mostram um empresário mais cauteloso para 2022", diz Rafaela Vitoria, economista-chefe do Banco Inter.
"Ao mesmo tempo, a inflação dá bons sinais de desaceleração", observa. Tanto o IPCA de novembro, como IPCA-15 de dezembro, apesar de altos, vieram abaixo das expectativas dos economistas.
"O consumo mais fraco acaba não alimentando a demanda e a gente pode ter uma inércia inflacionária bem menor, por conta da economia mais fraca. Isso pode resultar em uma política monetária um pouco mais gradual", acredita a economista.
Ela aposta em uma alta de 1 p.p. para Selic em fevereiro e outra de 0,75 p.p. em março, o que encerraria o ciclo de alta dos juros em 11%, abaixo dos 11,75% esperados pela maioria do mercado.
Para a analista, passadas as eleições e com o candidato eleito dando sinais de retomada das reformas macroeconômicas, o BC poderá voltar a reduzir a Selic, encerrando 2022 com a taxa em 10,5%.
No boletim Focus, o mercado também aposta em um início do corte de juros já no próximo ano, mas mais modesto, para 11,5%.
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