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Estado de Minas DIFÍCIL RECUPERAÇÃO

Sem ter vencido efeitos da seca, empresas enfrentam, agora, drama das águas

Tempestades agravam prejuízos do comércio, da indústria e da produção agrícola no semiárido de Minas Gerais. Estoques e escoamento de mercadorias têm perdas


09/02/2022 04:00 - atualizado 09/02/2022 12:14

Supermercado instalado na área central de comércio de Salinas, no Norte de Minas
Em supermercado inundado pela última cheia do Rio Salinas, na cidade de mesmo nome, proprietária teme mais problemas decorrentes das chuvas deste mês (foto: Tiago Silva/Divulgação)

Dois anos de perdas, primeiro com a seca, e, logo depois, em decorrência das chuvas, colocaram à prova o comércio e a indústria de dezenas de municípios em regiões pobres de Minas Gerais, diante dos efeitos das mudanças do clima.

Ao longo de boa parte de 2021, o prejuízo foi decretado pela estiagem, a pior dos últimos 90 anos, e que deixou 145 cidades mineiras em situação de emergência. Desde dezembro, são os temporais que impactam setores essenciais ao dinamismo da economia em 415 municípios duramente afetados pelo drama das águas.

As enchentes desalojaram mais de 49 mil pessoas em Minas, desabrigaram outros 8,3 mil moradores, e provocaram 25 mortes, além do rastro de destruição nas estradas.

Feira livre em Machacalis já enfrentava problemas decorrentes da seca no ano passado
Em Machacalis, feira semanal de hortifrútis já prejudicada durante a escassez hídrica na cidade enfrenta o esvaziamento, diante das enchentes (foto: Alexandre Amador/Divulgação)
Nem mesmo as fábricas e lojas do Norte de Minas e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, com seu histórico de resiliência às intempéries da seca, escapam de uma recuperação difícil e penosa, devido aos duplos efeitos em cascata ocorridos no chamado semiárido de Minas.

O consultor e engenheiro agrônomo Pierre Santos Vilela, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no estado (Sebrae Minas), afirma que os fenômenos extremos vêm se intensificando nos últimos anos devido às mudanças climáticas, que ele prefere chamar de “incertezas climáticas”.

Proprietário de loja de roupas, em Salinas, Edinei Araújo e a mulher, Nidinha, buscam recuperação
Sidnei Araújo e a mulher Nidinha enfrentaram 14 horas de batalha debaixo de chuva para salvar roupas e tecidos avaliados em R$ 500 mil (foto: Arquivo pessoal )
As chuvas intensas prejudicaram, na prática, todas as atividades humanas e, sobretudo, atingiram a infraestrutura dos acessos e vias de escoamento da produção em pequenos municípios, que já estavam com sua economia fragilizada por causa da pandemia de COVID-19. A situação se agravou em curto espaço de tempo, o que impõe ao comércio e outros segmentos econômicos esforço redobrado em busca da recuperação.
 
“Quem sofreu prejuízo tem que trabalhar, diante dos danos, mas, lógico, que isso será um processo caro. Houve prejuízos muito relevantes em termos de estoques de produtos e outras perdas não somente na área urbana, mas também na zona rural, onde a estradas foram destruídas e a produção deixou de ser escoada. Isso afeta toda economia local e regional”, observa o especialista.
 
No Norte de Minas, além de conviver com o cheiro do mofo e de lama, os comerciantes do município de Salinas, com seus 41,7 mil habitantes, ainda não conseguiram reverter o baque financeiro sofrido com as inundações.

“A gente não conseguiu a recuperação e vivemos com medo de ter mais prejuízos, diante da previsão da meteorologia de que neste mês haverá mais chuvas intensas na nossa região.Temos que nos preparar para (enfrentar) nova enchente”, afirma Daniela Souza Mendes, sócia-proprietária do Supermercado Ditália, um dos empreendimentos mais atingidos pela cheia do Rio Salinas.
 
Perdas foram estimadas em mais de 70% nos estabelecimentos comerciais da cidade conhecida como capital nacional da cachaça, a exemplo de supermercados, lojas de roupas e revendas de produtos agropecuários.

Daniela Mendes calcula prejuízo entre R$ 600 a R$ 700 mil em decorrência dos estragos que a água, ao nível de 80 centímetros, provocou no supermercado, situado no centro comercial de Salinas, na parte baixa da cidade. A destruição atingiu cereais, açúcar, verduras, frutas, biscoitos e produtos de higiene pessoal, como sabonete, creme dental e papel higiênico.
 
A comerciante Eronides Ferreira de Oliveira, conhecida como Nidinha, não esconde a emoção ao se recordar da luta que travou junto do marido, Sidnei Brito Araújo, na noite de 27 de dezembro de 2021, uma segunda-feira, quando a loja de tecidos do casal foi invadida pelas águas do Rio Salinas.



Debaixo da chuva, por volta das 22h, eles retiraram todos os produtos que estavam estocados no andar térreo do imóvel e os abrigaram no segundo piso. “Conseguimos salvar toda a loja, evitando prejuízo de mais de R$ 500 mil. Para isso, tivemos que virar a noite toda trabalhando dentro d'água”, conta Nidinha.


 
O casal só deixou a loja ao meio-dia de terça-feira, após 14 horas de serviço ininterrupto. Foram salvos roupas, tecidos e colchas. Parte do material teve de ser retirado no escuro por Sidnei Araújo. Com o avanço da inundação, que atingiu 1 metro de altura dentro do estabelecimento., o padrão de luz teve de ser desligado para evitar choque elétrico.




 

Prolongada


Depois de ter enfrentado a angústia da estiagem prolongada, no começo de dezembro passado os temporais arrasaram Machacalis, município de 7,11 mil habitantes localizado no Vale do Mucuri. Com as cheias dos rios Água Branca e Norte, que cortam a área urbana da cidade, 3,3 mil moradores (mais da metade da população local) ficaram desalojados ou desabrigados, perdendo móveis, eletrodomésticos, roupas e outros pertences.

força da água também derrubou dezenas de casas e danificou ruas, arrancando o calçamento. Na zona rural, estradas e pontes foram destruídas, isolando comunidades e impedindo o escoamento da produção.
 
O excesso das chuvas impõe esforço do comércio para se recuperar dos prejuízos, numa situação curiosa, que se seguiu à estiagem prolongada ao longo de sete meses de 2021. Em entrevista ao Estado de Minas em outubro de 2021, o secretário de Agricultura e Meio Ambiente, Alexandre Amador, estimou os prejuízos àquela época.

“A cada ano que passa, a crise hídrica em nossa região vai se agravando. Neste ano, tivemos uma queda recorde, que chega a 50% na produção da agricultura familiar e da pecuária de corte e leite.”.
 
Naquele momento, a feira livre semanal de produtos hortifrutigranjeiros de Machacalis era prejudicada por causa da queda na produção no campo, em função da escassez hídrica. Hoje, está reduzida devido aos transtornos causadas pelas chuvas, que atingiram todo o comércio local.
 
“A feira livre está prejudicada, pois, os agricultores não têm como se deslocar até a cidade para vender seus produtos”, afirma Alexandre Amador, explicando que muitas estradas vicinais e pontes na zona rural do município foram destruídas pelas chuvas. A prefeitura local não conseguiu fazer a recuperação, por falta de recursos. Amador acrescenta que a precariedade nas estradas, somada à alta dos preços dos combustíveis, levou ao aumento do valor do frete, o que impacta na elevação dos custos do comércio, repassados para os consumidores.

Rafaela Lima conduz sacolão em Francisco Sá, no Norte de Minas
Dona de sacolão, Rafaela Lima tem dificuldade com a qualidade comprometida de hortaliças na seca e após as chuvas (foto: Maria Victória Moura/Divulgação)

Da destruição ao recomeço


Nas cidades castigadas pelos temporais, as atividades econômicas necessitam de plano para vencer as dificuldades considerando-se os problemas de falta de estrutura. “Estratégias existem e são muitas. Mas, o empreendedor precisa de um plano global de recuperação. Ele não pode ficar fora do mercado por falta de estrutura, de estrada, de comunicação com o mundo, seja pela internet, seja por outra forma que existir. Recuperada a estrutura, é hora de pensar no negócio, na recuperação daquilo que foi afetado”, explica Pierre Vilela, do Sebrae Minas.
 
O especialista chama atenção para a importância das obras de recuperação estrutural dos municípios, como a reforma das estradas rurais que ficaram intransitáveis depois das tempestades.. “Tem que recuperar a infraestrutura dos municípios. Se não tem ponte, não há estrada, as pessoas não tem como transitar e não têm como escoar os seus produtos”.
 
O consultor destaca ainda que os lojistas e demais empreendedores que tiveram prejuízos com a chuvarada devem buscar orientação e financiamentos junto a entidades e órgãos de fomento como o próprio Sebrae Minas e o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).

Em Machacalis, Alexandre Rodrigues dos Santos, técnico do escritório da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), afirma que a cidade enfrenta também o desabastecimento de produtos orgânicos, devido ao impedimento do escoamento da produção agrícola.

Estabelecimentos comerciais, como mercearias, supermercados e açougues, enfrentam queda nas vendas com a falta de clientes da zona rural, que continuam sem poder se deslocar em função do bloqueio de estradas e pontes.
 
Outro problema é que a água em excesso prejudicou a qualidade de verduras e frutas. A comerciante Rafaela Oliveira Lima, que administra um pequeno sacolão, o Empório do Campo, em Francisco Sá, no Norte de Minas, relatou, em outubro do ano passado, ao Estado de Minas as dificuldades provocados pela estiagem prolongada. Agora, Rafaela lamenta os impactos das chuvas intensas.
 
“O clima irregular e as grandes quantidades de chuvas afetaram muito o comércio de hortifrutigranjeiros. De outubro de 2021 pra cá estamos tenho muita dificuldade em encontrar produtos de qualidade e de trabalhar com os preços instáveis dos produtos nos centros de distribuição”, relata Rafaela.

Emprestado


Comerciante que ainda tenta recuperar seu negócio dos estragos da enchente em Salinas, Djalma Francisco Santana, da loja Bazar do Campo, que vende produtos agropecuários, tem como principais clientes os agricultores, os mais atingidos pela seca histórica no município seguida dos temporais. “Nunca tinha visto tanta chuva na cidade de uma vez”, afirma. Ele calcula prejuízo da ordem de R$ 40 mil com as perdas de mercadorias, móveis e equipamentos em seu estabelecimento, que foi inundado.
 
Djalma Santana disse aguardar a liberação de uma linha de crédito do BDMG a juros baixos, que foi anunciada em socorro aos empreendedores prejudicados pelas chuvas em Minas. Marina Santana administra uma oficina mecânica em Salinas e conta que luta pela recuperação do negócio. No fim de dezembro, o nível da água que invadiu as instalações da empresa alcançou 85 centímetros, tendo danificado máquinas e equipamentos.
 
“Até hoje estou tendo que usar computador emprestado”, afirma Marina. A inundação atingiu outros estabelecimentos de Salinas como o escritório de Ronne Arley Oliveira, que trabalha com a venda de seguros. “Estava com apenas 29 dias de estabelecimento (em funcionamento). Veio a enchente do rio e destruiu tudo. Estou tendo que recomeçar do zero”, afirma. (LR)

Um lado positivo

Em meio aos drásticos efeitos das inundações, o semiárido de Minas Gerais também se beneficiou das chuvas de dezembro e janeiro, por mais paradoxal que a situação pareça. Pierre Vilela, do Sebrae Minas, lembra que houve a recuperação do nível de armazenamento da barragem do Bico da Pedra, no Rio Gorutuba, município de Janaúba, no Norte de Minas, que, na primeira semana deste mês, atingiu 68,1% de sua capacidade.

No mesmo período de 2021, o reservatório operava com apenas 21%, após vários anos de estiagens prolongadas na região. Maior estrutura do Norte mineiro, a barragem garante abastecimento de duas cidades – Janaúba (67,8 mil habitantes) e Nova Porteirinha (7,5 mil habitantes) –, além de fornecer água para a manutenção dos plantios no projeto de irrigação do Gorutuba, que abriga cerca de 1,2 mil produtores.



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