Embora ele seja chamado de “francês”, o pãozinho que chega nas mesas por aqui é um costume bem brasileiro. E essa tradição no café da manhã está correndo o risco de pesar mais no bolso. Sabe o motivo? O conflito entre a Rússia e a Ucrânia. É que parte do trigo que o Brasil importa vem daquela região e o principal fornecedor externo é a Argentina, que acompanha o preço com base no produto russo. Entidades acompanham a situação com preocupação, mas são otimistas. Nas padarias, o preço do pão ainda não subiu nos últimos dias, mas vem sofrendo aumentos seguidos desde o início da pandemia.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) já chegou a afirmar que o trigo é o cereal mais importante do mundo. “Não há grão, no mundo, mais importante para a alimentação do que o trigo. Nenhum cereal pode substituir integralmente a farinha de trigo na produção de pães, biscoitos e massas”, explicou.
Por isso, há um problema se o conflito no leste europeu permanecer por muito tempo. Já que o cereal é uma commodity referenciada no mercado internacional, o quadro de oferta e demanda nos demais produtores influencia na formação do preço do produto argentino.
A Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) chegou a afirmar, no ano passado, que estava pronta para garantir o abastecimento do país devido aos contratos de importação. No entanto, o setor parece pressionado. O presidente-executivo da Abitrigo, Rubens Barbosa, informou, em nota, que “a associação segue acompanhando os desdobramentos da crise e as implicações sobre o mercado nacional e internacional do trigo”.
Além disso, a entidade garantiu que vai conversar com o Ministério da Agricultura para avaliar a situação.
A Amipão, entidade composta pelo Sindicato das Indústrias de Panificação do Estado de Minas Gerais (Sip) e pela Associação Mineira da Indústria de Panificação (Amip), afirma que ainda não pensa em reajuste a curto prazo. “Na realidade, ainda é prematuro pra gente falar em reajuste. E acho que tamanha é a diferença dos países em guerra que também, aparentemente, parece que a guerra será curta. A gente acredita que isso estabilize rápido e por isso não pensamos em reajuste ainda”, explica o presidente da entidade, Vinicius Dantas.
Apesar do otimismo, a entidade teme que o consumidor seja prejudicado com novos aumentos. “É preocupante. Para nós é muito crítico. A nossa esperança é que isso acabe e que voltem a abastecer como antes para evitar que afete o consumidor. Os (outros) produtos estão tão altos, acaba que a gente perde com o recuo do consumidor”, lamenta.
“Além do aumento do trigo, temos a questão de logística. Se a gente passar a comprar em outros lugares que não seja a Argentina, os preços internacionais do cereal podem ficar ainda mais em alta na Bolsa de Chicago”, observa Dantas.
Preço na padaria
O possível aumento do pãozinho francês devido ao conflito entre Rússia e Ucrânia já tem esquentado a cabeça de clientes e donos de padarias. “Pão no café da manhã é igual arroz e feijão no almoço”, brinca Guilherme Bicalho, gerente da padaria Mixpão, no Bairro Vera Cruz, Região Leste de Belo Horizonte.
Por lá, ele conta que ainda não sofreu impacto devido às sanções à Rússia e aos efeitos do conflito, mas se preocupa se for necessário mexer no preço novamente, já que, desde o início da pandemia, precisou mudar a etiqueta diversas vezes.
“Na verdade o aumento é sempre ruim pra gente porque a gente não tem alternativa a não ser repassar ao cliente. A gente vê que os aumentos estão sendo recorrentes. Não é só o trigo. Nos últimos oito meses, os produtos têm sofrido grandes aumentos: óleo de soja, margarina, farinha, ovo, leite… Tudo gera aumento de custo que acaba onerando o valor”, justifica.
No começo da pandemia, o quilo do pão francês custava R$ 13,99. Hoje ele está R$ 15,90. “Conforme for o trigo, pode ser que tenhamos que repassar ao cliente”, alerta. “O ruim é que sobem produtos básicos da mesa do consumidor, então acaba que o consumidor final sente muito o aumento de preço. E muitas vezes não entendem o que está por trás da padaria. É complicado”, queixa.
Cliente fiel do pãozinho de sal, a publicitária Marysa Buono se mostra interessada nos assuntos internacionais e acredita ainda ser cedo para falar em aumento. “Muito é usado como desculpa (para aumentar o preço). É muito pouco tempo para ter reflexo no Brasil. Tem que aguardar o desenrolar da história antes de prever um aumento”, opina.
A consumidora tem o costume de comprar pão em uma padaria no Bairro Serra, Região Centro-Sul de BH. Ela diz que por lá os preços se mantiveram. “Onde eu compro não houve aumento. Se aumentar, impacta muito em todos os aspectos, mas vamos ter que nos programar para uma nova realidade. O preço aumenta e o salário não”, pontua.