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Estado de Minas Guerra na Europa

Solução para fertilizantes esbarra em descaso com projetos e custo Brasil

Sem o fornecimento russo, governo brasileiro quer produção nacional, mas especialistas veem entraves como dificuldades estruturais e fábricas abandonadas


05/03/2022 04:00 - atualizado 05/03/2022 08:30

Colheita de café no interior de Minas
Plantação de café em Minas: produto é um dos que usam adubos em maior escala, depois da soja, e deve sentir os efeitos da possível escassez do insumo (foto: Montesanto Tavares/Divulgação - 22/7/20)
O governo brasileiro admitiu ontem que a guerra da Rússia na Ucrânia tornou inviáveis novas compras de fertilizantes, suspensão que deverá se estender pelo tempo que o confronto durar, embora o Brasil não tenha sido incluído numa lista de países para os quais Moscou decidiu interromper as exportações do insumo, segundo a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

Resta saber se o país conseguirá, num ambiente de insegurança internacional e, internamente, de custos altos da produção, substituir o fornecimento russo, que foi o carro-chefe das importações brasileiras de US$ 15,136 bilhões em adubos e fertilizantes químicos no ano passado.

Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas consideram que o problema para o país resolver no abastecimento de fertilizantes para o agronegócio é bem mais amplo e complexo do que pode parecer. Com as sanções econômicas impostas ao governo de Vladimir Putin, empresas seguradoras estão se recusando a atender aos navios com destino à Rússia e também não há condições de carregar as embarcações.

O Brasil importa cerca de 85% dos fertilizantes que consome, sendo que mais de 30% têm origem na Rússia e em Belarus, a antiga Bielorrúsia, parceira do governo russo.
 
No ano passado, o Brasil importou 41,549 milhões de toneladas, 21,4% a mais que em 2020. Das importações brasileiras de adubos ou fertilizantes químicos, que somaram US$ 15,136 bilhões, o país dependeu da Rússia em 23,3% desse total, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia.

Adubos são nutrientes orgânicos (naturais) enquanto fertilizantes derivam de elementos químicos como nitrogênio, fósforo e potássio (NPK), necessários para o aumento da produtividade nas lavouras.
 
Na quarta-feira, Belarus também interrompeu o fornecimento de fertilizantes para o Brasil, devido a perda de acesso ao mar, com o fechamento da fronteira da Lituânia, no Leste europeu. A ministra Tereza Cristina confirmou, ainda ontem, que o governo vai lançar, no fim deste mês, um plano nacional para a produção própria de fertilizantes, e disse, ainda, que há negociações em curso com outros fornecedores, como o Canadá e o Irã.
 
Vista de fábrica em terreno de Uberaba
Governo de Minas colocou à venda terreno onde foi construída parcialmente fábrica de amônia em Uberaba, no Triângulo (foto: Reprodução/Internet)
O analista de economia especializado em agronegócio Miguel Daoud destaca que a dependência do Brasil das importações alcança cerca de 70% dos insumos usados na produção agrícola, considerando-se fertilizantes, como nitrogênio, fósforo e potássio (NPK) e também inseticidas, herbicidas e produtos nitrogenados provenientes do gás. Ela decorre do aumento do custo de produção no país. O chamado custo/Brasil, de acordo com o especialista, tornou mais vantajoso comprar os produtos de outras nações do que produzir os nutrientes em solo brasileiro.
 
A dependência também é estimulada pela falta de interesse do governo brasileiro em projetos de produção nacional. “Ao longo do tempo, o alto custo existente no Brasil da produção desses itens acabou favorecendo uma importação dos produtos”, observa Miguel Daoud.

O analista salienta, que diante do conflito no Leste europeu, o agronegócio brasileiro tende a ser impactado em sua produtividade devido à falta dos fertilizantes, “insumos que são essenciais para garantir a quantidade e a qualidade da nossa agricultura", um dos carros-chefes da economia nacional, com grande geração de emprego e renda.
 
Como exemplo do “descaso” com o setor – e que ocasionou a dependência da importação de fertilizantes, Daoud lembra que foi construída em Três Lagoas (MS) uma fábrica de fertilizantes nitrogenados, projeto da Petrobras em parceria com outras empresas, com 82% das obras concluídas, mas que está paralisada há vários anos. “A Petrobras nunca se interessou em concluir (o projeto), e acabou vendendo a planta para um grupo russo, que agora não poderá mais atuar neste cenário”, afirma Daoud.
 
Números das importações brasileiras de fertilizantes
A petroleira também suspendeu, em 2015, o projeto para construção de uma fábrica de amônia em Uberaba, no Triângulo Mineiro, que estimularia a produção de fertilizantes em uma das principais regiões agrícolas do Brasil. O terreno que receberia a unidade industrial foi colocado à venda pelo governo de Minas Gerais em junho do ano passado. Uma unidade de fertilizantes em Araucária (PR), da mesma forma, foi fechada pela Petrobras.
 
Para Miguel Daoud, falta ao Brasil um projeto de planejamento e estruturação da agropecuária  para evitar situações de vulnerabilidade como a da dependência da importação de insumos. “O Brasil (no agronegócio), cresceu em virtude da demanda existente – não porque tivesse algum projeto. Então, como na indústria em que nos perdemos nossa participação (na produção mundial), na agropecuária, provavelmente, se nós não tivermos investimentos em projetos que definam o que produzir, onde produzir e como produzir, vamos acabar não tendo condições de ser um grande produtor de alimentos”, afirma.

A expectativa é de que o mundo vá dobrar a demanda por alimentos até 2050, e o Brasil teria a participação de 50% nessa demanda.

Alternativa 

 
O subsecretário de Política e Economia Agropecuária da Secretaria de Estado de Agricultura Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa), João Ricardo Albanez, afirma que o governo estadual tem acompanhado com muita atenção a questão da importação de fertilizantes, diante da guerra na Ucrânia,, considerando a importância do agronegócio e também a “a questão humanitária do conflito”. O agronegócio tem peso significativo no Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto da produção de bens e serviços) do estado, representando 22,6%. 

“Se reduzirmos o uso de fertilizantes a produtividade da atividade agropecuária sofrerá uma redução e, consequentemente, pode vir a impactar a geração de riqueza”, reconhece Albanez. Ele ressalta que uma alternativa para reduzir a dependência da importação de fertilizantes é a adoção de novas tecnologias que elevam o potencial de ação dos nutrientes nas raízes das plantas. “Já temos tecnologia para a solubilização de fósforo. É um inoculante líquido, recomendado para o tratamento de sementes ou aplicação via jato dirigido no sulco de semeadura”, informa. 

Reservas de potássio em jogo

Cerca de 40% de todo o fertilizante utilizado nas lavouras no Brasil tem como destino a cultura da soja, carro-chefe da produção agrícola do país. Em Minas Gerais, além da soja, existe gasto dos insumos em maior escala nas lavouras de café, milho,  plantios de frutas e em pastagens. O estado consumiu, no ano passado, 3,87 milhões de toneladas de fertilizantes importados pelo país, do total buscado no exterior, de 41,6 milhões de toneladas. Os números ajudem a entender o grande impacto que a interrupção do fornecimento da Rússia pode provocar na agricultura mineira.
 
Segundo a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o Brasil tem estoques para três meses do insumo. Caio Coimbra, analista de negócios da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), observa que uma das dificuldades brasileiras no setor é a falta de matérias-primas para fertilizantes. “O Brasil importa 80% do nitrogênio, 55% do fósforo e 95% do potássio utilizado no fornecimento às plantas. É uma dependência muito grande do exterior para produtos primordiais para o agronegócio.”
 
A solução para esse gargalo passa pelo aproveitamento de jazidas no país. “Temos grandes jazidas de potássio, por exemplo, que poderiam ser utilizadas de forma sustentável para o desenvolvimento do país, gerando emprego, renda e ao mesmo tempo, reduzindo drasticamente a dependência estrangeira do produto. Mas que anteriormente foram demarcadas como áreas indígenas, sendo assim, impossibilitadas de serem exploradas”, afirma o analista de negócios da Faemg.
 
Uma saída, de acordo com Coimbra, é debater de maneira séria e honesta com a sociedade brasileira, uma forma de explorar essas reservas,  avaliando os impactos ambientais e como poderia ser feita uma recomposição dessa área. Ele também lembra que é necessário mais investimento em pesquisas para buscar formas alternativas de produção de fertilizantes e cita como exemplo, a produção de bioinsumos no país, “que possui um futuro promissor para a redução da dependência estrangeira por fertilizantes”. (LR)

Compras nas mãos de 11 países

A busca de fornecedores substitutos da Rússia pode não ser uma tarefa fácil. Cerca de 80,7% do valor total das importações brasileiras de adubos e fertilizantes no ano passado tiveram um grupo de 11 países como origem. Depois das empresas russas, o maior fornecedor é a China, com 13,7% do total, seguida de Marrocos (10,5%) e o Canadã (9,75%).

A parceria com o governo de Vladimir Putin resultou em vendas ao Brasil de US$ 3,5 bilhões relativas ao insumo básico da agropecuária – o mais importado em 2021 –, e elas representaram aumento de 97,7% frente a 2020. Trata-se de um percentual superior à média de acréscimo da receita total das importações de fertilizantes, de 89% na mesma base de comparação.
 
Minas Gerais importou o equivalente a US$ 1,53 bilhão em adubos ou fertilizantes químicos em 2021, receita que respondeu por 12% das importações globais do estado, de US$ 13,059 bilhões. Acompanhando o comportamento verificado no Brasil, a receita das aquisições do produto subiu bem acima da média das compras totais. Minas importou 128% a mais de adubos em relação a 2020, enquanto as importações gerais cresceram 58,2% em valor.
 
A dependência de fertilizantes do Brasil e de Minas e a participação crucial do fornecimento russo nesse comércio se mantiveram neste começo de ano conturbado. O Brasil comprou 2,306 milhões de toneladas no exterior em janeiro e pagou 150% a mais no preço da tonelada, em comparação a janeiro de 2021. Foi o terceiro produto mais importado pelo país, em valor, com aumento de 78,3% em média.
 
A Rússia forneceu 30,1% das compras totais de fertilizantes em janeiro, participação avaliada em US$ 345 milhões, avanço de 98% ante janeiro de 2021. O fornecimento da Ucrânia foi irrelevante, mas Belarus teve contribuição importante, fornecendo aos brasileiros 3,36% de toda a compra, parcela de US$ 508 milhões. Minas foi o sexto estado que mais importou o insumo em janeiro, depois do Mato Grosso, Maranhão, Paraná, Goiás e Rio Grande do Sul, nesta ordem. As compras mineiras foram de US$ 104 milhões, 82,5% de aumento frente a idêntico mês de 2021.
 
(Colaborou Marta Vieira)   


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