Furtos (quando o bem é levado sem violência) e roubos (quando há uso de violência ou ameaça em um assalto) sofridos pelo comércio e entregadores têm crescido com a disparada dos preços do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), o popular gás de cozinha, sobretudo na capital e entorno.
Na área metropolitana de BH, com o aumento de 16,1% anunciado no último dia 10 pela Petrobras para as distribuidoras, o botijão de 13 quilos passou a ser vendido a até R$ 135, com muita gente demandando das revendas a forma de pagamento em três vezes no cartão de crédito. Antes do reajuste, os preços variam entre R$ 100 e R$ 110. A polícia não dispõe de estatísticas, mas a reportagem do Estado de Minas ouviu empreendedores do setor que reclamam da multiplicação dos casos de furtos e roubos. O medo se espalha no comércio especializado e entre os entregadores.
Para o transportador, o botijão levado pelos ladrões custa mais caro do que o preço pago por quem compra o gás de cozinha. A despesa, considerando-se o valor do vasilhame, pode alcançar R$ 300. O prejuízo vai direto para o bolso do transportador, que vende o produto consignado e devolve o que não foi comercializado para a distribuidora. Essa é a situação de Amarildo Andrade.
Na rota que ele cumpre, de Contagem a BH, pela Região Oeste da capital, sofreu na mira de revólveres de bandidos várias vezes. "Geralmente, eles se aproximam em carros pequenos, em duplas ou trios, nos abordam, tiram dois a três botijões pequenos e somem. Não adianta pegar a placa. O carro é roubado e a polícia não consegue fazer mais nada depois. O prejuízo fica para mim", lamenta. Apesar da recorrência dos crimes de que Amarido foi vítima, ele diz que a violência dos assaltos não o fará esquecer de nenhum dos episódios.
"Uma vez foi na comunidade da Ventosa. A gente, parado, desceu para levar para o cliente e foi roubado, assim como numa na rua do Bairro Nova Suissa, já me pararam e roubaram com revólver. Aconteceu também em duas ruas do Salgado Filho. Nesses casos, a gente tem de contar com Deus. Tenho orado muito e a situação só melhora para quem tem fé", afirma Amarildo.
Táticas
Os furtos também têm sido frequentes, de acordo com o comerciante. Ele observa a frequência de dois tipos de ladrões. Um deles age usando carros pequenos, e acompanham os caminhões de longe. Quando o veículo contendo a carga estaciona, os bandidos agem, geralmente em dupla, levando dois botijões da carroceria. Em seguida, eles fogem.
"Eles estacionam em lugares um pouco afastados, em esquinas e procurando onde não há câmeras para os registrar. Uma vez, na Rua José Alencar (Nova Suissa), levei o gás para dentro da casa do cliente e deixei o caminhão estacionado. Quando voltei, tinha uma luva no passeio, ao lado da carroceria. Ali, já soube que tinha sido roubado, porque a luva ficava em cima dos cilindros. Levaram dois botijões de 13 quilos cheios. Devem ter sido dois ladrões, porque uma pessoa, sozinha, não leva dois botijões", observa.
O outro tipo de furto frequente que Amarildo diz enfrentar é realizado pelos usuários de drogas. "Esses não disfarçam muito, contam com a sorte e sabem que não ficam presos. Um deles a gente teve de cercar correndo na Avenida Campos Sales (Calafate), gesticulando e falando para ele largar o botijão que a polícia estava vindo até ele soltar e ir embora. Outra vez, debaixo de chuva, no Jardim América, um nóia (usuário de entorpecentes) aproveitou a gente na casa do cliente e pegou o botijão, conseguimos ir atrás dele e ele também soltou. Já teve até nos paradeiros de feriados. Você acha que não tem ninguém na rua, deixa o caminhão e quando volta perdeu um botijão", lamenta Amarildo.
Crime também lesa os clientes
O consumidor pode contribuir para a repressão ao roubo e à receptação de botijões de gás de cozinha, desconfiando da oferta de preços muito baixos pelo produto. Se da violência não há muitas formas de os transportadores e revendedores se defenderem, no caso dos furtos algumas estratégias podem retardar a ação dos bandidos.
Os receptadores de botijões roubados são encontrados, com frequência, por um distribuidor de BH que prefere não se identificar. A última vez, há uma semana, eles se depararam frente a frente no Bairro Belvedere, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, e a situação quase acabou em tragédia. "O cliente me comprou dois cilindros de 45 quilos, por R$ 480 cada. Quando cheguei lá, os piratas já tinham entregado para esse cliente e recebido o valor que eu tinha acertado antes, por que saem de casa em casa oferecendo, e dessa vez coincidiu de ser em uma casa que tinha pedido gás para minha distribuidora. Acharam que os piratas eram eu. Fui argumentar e os três vieram para cima de mim, um deles grandalhão, me ameaçando com uma chave de gripo (chave-inglesa), dando socos na minha pick-up", lembra o distribuidor.
O cliente, então, entendeu que se tratava de golpe, e teve prejuízo, porque um dos cilindros dos piratas continha apenas a metade do conteúdo do botijão em gás. "Dá para ver que são criminosos. Eles não têm nem plotagem nos carros, ou endereço fixo do depósito e isso é proibido, mas ninguém fiscaliza. Desse jeito, além de roubarem os botijões, ainda os vendem para clientes que poderiam comprar outro de quem trabalha dentro da lei. E a gente sabe que eles vão migrando. Se venderem hoje no Belvedere, no outro dia vão para o Sion e descem até o Centro e os bairros para baixo", afirma.
O aumento da violência e dos casos de entregadores e distribuidores de gás de cozinha roubados e furtados fez com que o comerciante Antônio Morais, de 44 anos, tomasse uma série de medidas de segurança na sua revenda na Vila Leonina. "Instalei câmeras, comprei cachorros, fechei tudo com grades e cadeados. Na moto, mesmo, fecho o botijão com corrente e cadeado. Não deixo a moto sozinha com o botijão na rua. Tem de estar sempre onde eu possa ver. Graças a Deus ainda não me levaram nada, mas há colegas que já foram roubados até no centro de BH, onde você acha que tem muito movimento e isso iria afugentar o ladrão. Acaba é fazendo ele se misturar na multidão", conta o comerciante.
Os receptadores agem de várias formas. Segundo Antônio Morais, nas comunidades mais pobres, vendem o botijão a menos de R$ 100. "Ali, tem um mercado forte, porque as pessoas não têm condição de comprar pelo preço do mercado", avalia. Nos bairros onde a população tem maior poder aquisitivo, a diferença é pequena entre os preços do botijão receptado e aquele vendido pelas empresas formalizadas.
Atrativos
"Se tirar demais do preço, o cliente desconfia, então fazem uns pequenos descontos, vendendo gás de 45 quilos de R$ 480 por R$ 470 ou um pouco menos. Fica disfarçado de desconto", observa um distribuidor. "Já os noias (usuários de drogas) vendem para o receptador baratinho, por R$ 30 a R$ 50, porque querem vender rápido e precisam comprar a droga do dia com esse dinheiro", observa o comerciante Amarildo Andrade. Segundo o presidente da Associação Brasileira dos Revendedores de GLP, Alexandre José Borjaili, a violência de outros crimes que já ocorrem no Brasil está sendo sentida pelos revendedores de gás de cozinha devido ao alto preço do produto. "O botijão é um atrativo, porque o gasto é alto e o gás tem encarecido ainda mais. Acrescentou-se a isso a violência que tem ocorrido no país e que o setor teme piorar. Muitas questões de insegurança poderiam ser resolvidas com a rastreabilidade do botijão de gás, o que dependeria da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis)", afirma Borjaili. (MP)
Estratégias
Veja como agem os bandidos, atraídos pelo aumento dos preços do gás de cozinha
- No encalço das cargas: Usando, em geral, carros pequenos, dois ou três bandidos seguem os caminhões e motos que entregam os botijões. Quando motoristas e carregadores deixam o veículo estacionado para atender clientes nas residências, condomínios e comerciantes, os bandidos aproveitam para saquear a carga
- Abordagem e assalto: Quando os motoristas dos caminhões de gás ou motoqueiros de entrega estacionam ou param em cruzamentos ou sinais de trânsito, são abordados por ocupantes de carros armados que os rendem e levam quantos botijões conseguirem colocar no carro. Em geral, o veículo usado na ação criminosa é roubado
- Alvo de usuários de drogas: Sob chuva, em áreas consideradas vazias e mesmo quando os motoristas e entregadores estão por perto, os usuários de drogas tentam furtar os botijões. São de múltiplas tentativas até acertar, pois geralmente não acabam presos
- Oferta de casa em casa: Receptadores e integrantes das quadrilhas oferecem pelos bairros os cilindros que levaram, tocando os interfones de condomínios e casas. Fingem, muitas vezes, trabalhar para distribuidoras que foram mesmo chamadas pelos consumidores. Nem sempre os botijões ofertados estão cheios
- Distribuidores clandestinos: São donos de revendas que aceitam receptar os produtos roubados ou furtados, oferecendo preços menores, sobretudo, nas comunidades carentes
Fonte: Distribuidores e entregadores de gás de cozinha