Insatisfação com as condições de trabalho, possibilidade de plano de carreira e busca por melhores salários. Esses três fatores foram determinantes para que o jovem Jonathan Felipe, de 25 anos, se arriscasse ao pedir demissão do restaurante em que trabalhava para atuar em outro emprego. A mudança surtiu efeito e permite que ele agora sonhe com voos mais altos. Ex-auxiliar de cozinha, Jonathan se tornou cozinheiro e recebe um pouco mais para atuar em outra empresa do ramo, desta vez no interior da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O belo-horizontino não é um caso isolado em meio a tantos trabalhadores que procuram qualidade de vida e melhor remuneração. Num cenário em que cerca de 12 milhões de pessoas estão desempregadas, outro fenômeno recente vem colocando enormes desafios na retomada gradual da economia brasileira. Segundo estudo revelado pelo instituto de dados de inteligência Lagom Data, quase 500 mil pessoas com carteira assinada pedem demissão no país mensalmente, mesmo sem embolsar recursos a que teriam direito pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) caso fossem demitidos sem justa causa . As informações foram baseadas na análise de quase 188 milhões de registros de movimentações trabalhistas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), entre 2016 e novembro de 2021, dado mais recente disponível para a conclusão do levantamento.
Jonathan está desde o início do ano no novo emprego, o que já o faz projetar crescimento profissional: “Hoje estou mais satisfeito com tudo. Minha pretensão é crescer na empresa e ela permite isso. Quero sempre mostrar meu esforço para crescer mais. Isso é merecimento”. No trabalho antigo, ele recebia em torno de um salário mínimo e agora seu novo ganho mensal permite sonhar com aquisições, como casa e carro. “Necessitava de condições financeiras mais altas e meu emprego não oferecia isso. Logo, busquei novo emprego.”
Quem também abandonou um trabalho com carteira assinada foi Pauliana Pereira, de 32, ex-atendente de padaria. Longe de estar satisfeita com o salário que ganhava, pediu demissão e começou a trabalhar como diarista.
“O que eu ganhava antes era muito baixo, não dava para nada. Tentei conversar, mas optei por sair. Consegui um valor mínimo de rescisão”, diz ela, que ampliou o número de casas atendidas no pico da pandemia, no ano passado.
A pesquisa da Lagom Data constatou também que, em um ano, os pedidos de demissão representaram uma rotatividade de 15% nas vagas com carteira assinada. O fenômeno teve início nos Estados Unidos, onde mais de 7,5 milhões de trabalhadores deixaram os empregos voluntariamente em 2021, ganhando o nome ‘great resignation’ (grande demissão). O perfil dos profissionais é semelhante ao dos brasileiros: de trabalhadores majoritariamente jovens – com menos de 30 anos – e do setor de serviços.
“Os líderes empresariais devem cada vez mais procurar entender o momento para não prejudicar os negócios com a alta rotatividade, que gera baixo ritmo de produção. A gente entende que as empresas antigas são mais resistentes à mudança de paradigma, mas diante do poder da tecnologia, que é onipresente, a preparação de líderes deve ser um fator preponderante para que possam encarar os desafios e se faz mais do que necessária”, explica o especialista em gestão empresarial e empreendedorismo Paulo Junior, diretor-executivo da PJI Consulting.
EMPREENDEDORES
Muitos brasileiros pedem demissão para viver do próprio negócio. Segundo dados do Sebrae nacional, cerca de 44 milhões de brasileiros são ou desejam ser empreendedores. Outro estudo feito pelo GEM 2020 (Global Entrepreneurship Monitor) diz que o Brasil tem a 7ª maior taxa de empreendedorismo inicial do mundo.
Paulo Junior diz que quem está firme no mercado de trabalho busca qualidade de vida: “Os profissionais do mundo atual desejam trabalhar com menos estresse, trabalhar em casa, o chamado home office, ou no sistema híbrido. É importante reforçar que todo esse processo, que já existia, foi acelerado pela pandemia. E quem não se viu com medo de encarar o desconhecido, de tentar superar os próprios desafios, que buscou alternativas através do próprio negócio, se lançou no mercado”.
Do ponto de vista de alguns que têm um negócio há anos, a alta rotatividade nas empresas e o elevado número de demissões voluntárias se devem à falta de qualificação dos candidatos às oportunidades de emprego.
“O funcionário hoje almeja algo maior e quer ganhar mais. Mas tenho enxergado no mercado que a nova geração é imediatista, não quer estudar ou fazer cursos profissionalizantes e buscar qualificação. Há uma proposta salarial, com benefícios e premiações. No entanto, muitos não ficam durante o período da experiência, pedem demissão e saem em busca de novas oportunidades. Certamente não vão encontrar nada melhor”, afirma Augusto César Duarte, de 44 anos, dono da financeira Cred Cash, que alega não conseguir preencher 12 vagas para operadores de vendas e de cobrança justamente por falta de qualificação.
Rendimento médio em recuo
Em meio à enorme quantidade de demissões voluntárias, quem já se reposicionou no mercado de trabalho nem sempre vai encontrar melhores ofertas. De acordo com o último levantamento da pesquisa Pnad Contínua divulgada no fim de março pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento médio do Brasil vem em queda, principalmente no auge da pandemia do coronavírus.
A renda média do trabalhador brasileiro foi estimada em R$ 2.511 e apresentou estabilidade em relação ao terceiro trimestre de 2021, embora tenha caído 8,8% em relação ao último trimestre de 2020. Trata-se do menor resultado já registrado em um trimestre encerrado em fevereiro desde o início da série histórica da pesquisa, em 2012. “Observamos desde o ano passado um crescimento do emprego, mas que vem sendo de qualidade inferior, com remuneração mais baixa. Calculamos que o rendimento médio do trabalhador vem caindo desde o fim do ano passado ou mesmo em todo o ano de 2021. Temos que pensar sempre não só na quantidade, mas na qualidade dos empregos”, afirma Alexandre de Lima Veloso, analista do INBG.
Segundo o IBGE, pelo menos 38,5 milhões de brasileiros atuam na informalidade, o que ajuda a derrubar o salário do brasileiro. “Vemos redução da informalidade, mas os postos que têm surgido no mercado permitem remuneração menor para o trabalhador. O desafio do Brasil em 2022 é justamente passar por toda a turbulência política e que a economia deixe para trás os efeitos da pandemia para que possamos criar mais quantidade de emprego e com maior qualidade”, frisa Veloso. (RD)
Disparada de motoristas de aplicativo
Brasília – A ascensão dos aplicativos de entrega e de transporte individual criou uma classe de trabalhadores "autônomos" que rodam todos os dias pelas estradas do país. A fim de driblar o desemprego, esses profissionais encaram a insegurança das ruas e a falta de suporte enquanto a inflação sobe. Com o fechamento de bares e restaurantes durante os períodos de pico da pandemia, a demanda por esses trabalhadores nos últimos dois anos aumentou. Além disso, o temor do contágio nos transportes coletivos ajudou a aquecer a procura por carros individuais.
O número de brasileiros que trabalham para aplicativos de entrega de mercadorias cresceu 979,8% entre 2016 e 2021, apontou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Na categoria dos profissionais que trabalham com transporte de passageiros, o crescimento foi de 37% no mesmo período, de 840 mil, em 2016, para 1 milhão em 2018, e chegando ano terceiro trimestre de 2019 a 1,3 milhão de pessoas.
Atualmente, pelo menos 1,4 milhão de brasileiros têm como fonte de renda o transporte de passageiros por aplicativos, apontou o Ipea. Esse quadro em meio à crise fez com que o trabalho nos aplicativos fosse procurado tanto para complementar quanto para reaver uma fonte de renda. Em 2020, a taxa de desocupação caiu 14,2%, para 11,1% em 2021, fechando o ano anterior com 12 milhões de pessoas sem uma ocupação com carteira assinada, apontou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Marcelo Neri, diretor da FGV Social, nota um paralelo entre o desemprego e a aderência dos trabalhadores pelos aplicativos, principalmente quando se olham aqueles com alto grau de escolaridade. "Existe essa forma de se manter tendo renda utilizando seu ativo (carro, bicicleta e moto)", disse. "Esse é um paliativo para um emprego com carteira assinada. O país tem um problema de desemprego desde a grande recessão [2014-2016] e aumentou com a pandemia", afirmou. Neri observa que há ainda o agravante do aumento do preço da gasolina, no geral: "um choque adverso no curto prazo".
Essa "nova profissão" também abriu ampla discussão no direito trabalhista, já que o prestador de serviço fica subordinado a um algoritmo, como explica o advogado trabalhista Domingos Sávio Zainaghi. “Ele (trabalhador) tem uma liberdade e uma certa subordinação.”
“Para o direito, é uma situação nova. Não existe unanimidade. A avaliação que os usuários fazem do motorista dá esse vínculo, já que uma péssima nota pode acarretar punições, e só quem pode aplicá-las é o patrão. Quem pune é a empresa, e não o usuário, e por isso estamos diante de uma relação de trabalho”, disse. "É uma zona cinzenta", observou.
De acordo com Camilo Onoda Caldas, advogado trabalhista e sócio do escritório Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, os direitos dos entregadores por aplicativos são discutidos mundialmente. "Não há dúvida de que diversas críticas surgem contra este modelo de negócio e outros semelhantes, tanto que a expressão 'uberização' se tornou sinônimo de precarização do trabalho", explicou.
"O Legislativo precisa se posicionar sobre esse tema, definindo claramente se os trabalhadores de aplicativos são ou não empregados e estabelecendo direitos", reiterou. (Deborah Hana Cardoso)
12 milhões
Número estimado de brasileiros desempregados atualmente
500 mil
Média mensal de pedidos de demissão voluntárias no mercado formal, ou seja, com carteira assinada
15%
Percentual dos pedidos de demissão no total da rotatividade no emprego formal
R$ 2.511
Renda média do trabalhador brasileiro
38,5 milhões
Total de brasileiros que atuam na informalidade
Fontes: Lagom Data e Pnad Contínua do IBGE