Ele é um dos primeiros a chegar num quarteirão próximo à Praça da Estação, no Centro de Belo Horizonte, onde outros trabalhadores se espremem na busca por vagas de carro. A rotina de “bater o cartão” antes do nascer do Sol pode ser a garantia de mais gorjetas para o guardador e lavador de carros Maurício Gonçalves Vieira, de 50 anos, que há décadas está no local disposto a melhorar sua condição de vida. Mas, com o passar dos anos, o efeito foi contrário: cada vez mais sua renda diminuiu e os itens alimentícios estão mais caros.
Maurício mal consegue um salário mínimo por mês para ajudar a mulher, os quatro filhos e os seis netos. O padrão de vida caiu drasticamente. Os passeios, a cervejinha e o churrasco de fim de semana se tornaram mais raros. Para compensar a inflação e a perda do poder de compra do salário, ele abriu da mão da folga. “Trabalho de domingo a domingo. Não temos mais objetivos além de buscar a comida para a mesa. O resto ficou em segundo plano”, conta.
Como o guardador e lavador de carros, outros brasileiros viram seus ganhos diminuírem com o passar dos anos. De acordo com dados da PNAD Contínua, o rendimento médio mensal real domiciliar per capita em 2021 foi de R$ 1.353, o menor valor da série histórica iniciada em 2012. A queda é de 6,2% em 2021, em relação ao ano anterior, chegando a R$ 287,7 bilhões, seu segundo menor valor desde 2012 (R$ 279,9 bilhões). O impacto é maior nas classes mais vulneráveis. Há dois anos, o valor era de R$ 1.454. Em 2012, o ganho médio era de R$ 1.417.
Entre as regiões do Brasil, a que tem mais rendimento médio por pessoa é o Sul, de R$ 1.656. Logo abaixo vem o Sudeste, com R$ 1.645, enquanto no Centro-Oeste a média de ganhos é de R$ 1.534. Norte e Nordeste sustentam os rendimentos mais baixos no país, com ganhos individuais de R$ 871 e R$ 843, respectivamente.
Segundo o IBGE, a proporção de pessoas que têm rendimento caiu de 61% em 2020 para 59,8% em 2021. Mesmo número de 2012, e também o mais baixo da série histórica. Entre brasileiros com algum rendimento, o valor também é o menor desde 2012, e chegou a R$ 2.265. As menores médias desde 2012 entre as pessoas com rendimento também foram registradas em aposentadoria e pensão, com média de R$1.959 e em outros rendimentos (R$ 512).
Em Belo Horizonte, a vendedora Maria de Lourdes Rodrigues, de 44, viu seu ganho ter queda brusca mesmo depois da redução das medidas de isolamento na pandemia do novo coronavírus. Com o movimento ainda insatisfatório, ela tem dificuldade para receber comissões e encerra o mês com salário em torno de R$ 1,3 mil. “Reduzimos muito as compras de casa, incluindo alimentos e o que meus três filhos me pedem. Ficamos sempre preocupados com o que pode acontecer. Estamos sobrevivendo da maneira que podemos, infelizmente”, ressalta.
Já o ambulante Pietrer Silvério, de 38, conta que precisou abrir mão do desejo de trocar de carro com frequência para pagar contas. Proprietário de um carro que vende sanduíches, ele hoje tenta reduzir seus custos abrindo mão dos estoques de mercadorias. “Buscamos preços melhores, compramos em atacados, porque a margem de lucro diminuiu muito. Do nosso lucro gerado, que já reduziu pouco, compramos mercadoria. Para não abrir mão do luxo ou do nosso lazer, nossos estoques têm sido cada vez menores”, conta.
A consultora imobiliária Luana Cordeiro, de 32, admite que é preciso renegociar dívidas e deixar de quitar algumas contas menos importantes. “Hoje trabalhamos somente para quitar nossas dívidas. Mesmo assim, ainda ficamos devendo. Temos de escolher o que vamos deixar de pagar. Conta de luz ou água têm de ser divididas, pois não temos condições de pagar tudo o que devemos.”
Outro fator que explica a queda de rendimento é a redução dos benefícios concedidos pelo governo. A proporção de pessoas que recebem algum benefício de programas sociais caiu em 2021 se comparada a 2020. No primeiro ano da pandemia, o percentual de domicílios com alguém recebendo recursos do governo era de 23,7%, que diminuiu para 15,4% em 2021. Desde outubro de 2021, parte das famílias deixaram de receber o auxílio emergencial da pandemia.
Consequência da recessão econômica
Na avaliação dos especialistas ouvidos pela reportagem do Estado de Minas, a queda de renda constante do brasileiro é fruto dos anos de recessão econômica que o país viveu antes mesmo das restrições impostas pela pandemia de COVID-19. De acordo com o IBGE, a taxa de desocupação foi de 10,5% no trimestre encerrado em abril, em seu menor patamar desde 2015, mas a falta de postos de trabalho ainda atinge 11,3 milhões de brasileiros. Por outro lado, o número de pessoas ocupadas chegou a 96,5 milhões, porém com ganhos mais baixos.
“O crescimento econômico depois de 2017 foi muito baixo e chegamos na pandemia com o desemprego elevado e posteriormente acentuado. Observamos certa recuperação econômica devido ao crescimento do PIB, mas que é insuficiente para recuperar essas perdas que sofremos desde 2015. Percebemos que o desemprego ao longo dos anos caiu, mas os salários também ficaram mais baixos. A informalidade também tem crescido, o que também afeta no rendimento”, explica a professora de economia da UFMG Débora Freire.
Segundo ela, o momento brasileiro ainda é de cautela para os investidores, o que interfere diretamente na geração de empregos. “Ainda vivemos incertezas em relação à COVID-19 e ao momento político e, por isso, os empresários não têm certeza de fato e adiam seus investimentos. No PIB do primeiro trimestre, o investimento caiu. Isso significa que temos expectativas ruins em relação ao crescimento e gera uma menor efeito sobre o emprego”, conclui.