O dragão da inflação mostra as suas garras não apenas no Brasil. Nos Estados Unidos, maior economia do mundo, a carestia está em aceleração e cada vez mais disseminada, atingindo os maiores patamares desde 1981 e, de quebra, acendendo o alerta de recessão no radar global.
Conforme dados do Bureau of Labor Statistics (BLS) dos EUA, divulgados ontem, o Índice de Preços ao Consumidor (CPI, na sigla em inglês) surpreendeu o mercado e avançou 1,3%, em junho, acima da alta de 1% de maio. No acumulado em 12 meses, o indicador aumentou 9,1%, a maior elevação nessa base de comparação desde novembro de 1981.
As previsões do mercado apontavam para uma variação mensal de 1,1%. Mas a disparada dos preços foi generalizada, com os grupos de alimentos e energia impulsionando a escalada. As variações mensais foram de 1% e de 7,5%, respectivamente. E, no acumulado em 12 meses, de 10,4% e de 41,6%. De acordo com analistas, o fato de a inflação não ter desacelerado aumenta as chances de o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), elevar ainda mais os juros — medida com forte impacto em nações emergentes e com risco-país alto, como é o caso do Brasil.
"A inflação dos Estados Unidos veio acima das expectativas e só reforça a tese de que o Fed vai continuar subindo os juros para conter esse processo inflacionário. Quanto mais o Fed subir os juros, mais o Brasil tende a sofrer, porque o real vai se desvalorizar ainda mais", alertou o economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
"À medida que um país seguro sobe os juros, ele atrai investimentos que poderiam vir para o Brasil. Mesmo com a Selic muito alta, o país não consegue segurar bons investimentos, e isso mexe com nosso câmbio. O real desvalorizado é bom para o país exportar, mas é ruim quando ele importa, como é o caso dos combustíveis. Logo, quando o dólar sobe, ele afeta ainda mais a inflação", explicou Braz.
Julio Hegedus, economista-chefe da Mirae Asset, ressaltou que, diante da surpresa inflacionária, o Fed deverá acelerar o ritmo de aperto monetário, elevando os juros em um ponto percentual em vez de 0,75 ponto como na reunião anterior do banco central norte-americano. "O mercado deve estressar. A perspectiva de ajuste de um ponto percentual na taxa básica de juros do Fed, nos dias 27 e 28, entra no radar", disse ele, em referência à reunião deste mês do Fomc.
Com isso, o dólar deve se manter forte na comparação com as demais moedas. "O dólar tende a se valorizar mais com a perspectiva de aperto dos juros nos EUA, porque a dica é fazer o mal logo de uma vez, e não em doses homeopáticas. Claro, no entanto, que o Fed deve continuar a operar a partir da divulgação dos indicadores", afirmou Hegedus.
Euro mais fraco
Luis Otavio Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa, ressaltou que os números do CPI mostram que o Fed precisará ser mais duro na política monetária se quiser derrubar a inflação dos níveis atuais, e isso terá reflexos não apenas no Brasil.
"Esse movimento deve manter o dólar forte no mercado internacional e o real sob pressão", disse Leal, lembrando que os países europeus também começam a sentir o baque da perspectiva de uma puxada mais forte dos juros nos EUA, tanto que o euro entrou em trajetória de queda, já perdeu mais de 10% do valor neste ano e chegou à paridade com o dólar, o que não ocorria desde 2002. Ontem, a moeda europeia chegou a ser negociada a US$ 0,998. "A inflação está tão alta na Europa quanto nos EUA, mas essa crise energética pode colocar alguns países do continente em recessão severa, notadamente a Alemanha, além do risco de fragmentação do mercado de títulos europeus", alertou.