Encarar o começo de mês se tornou um drama para a diarista Ethiele Martins Gonçalves, de 30 anos. Sem emprego fixo há um ano e meio, a belo-horizontina acumulou dívidas no período e precisa constantemente abrir mão de compras consideradas mais supérfluas para viver com dignidade. Para não cair no vermelho, ela contraiu empréstimo de R$ 2,5 mil nesta semana com a ideia de pagá-lo à medida que vai conseguindo trabalhos temporários na cidade.
O drama de Ethiele é o mesmo enfrentado por milhares de brasileiros que têm dificuldade de honrar seus compromissos. Não bastassem o alto índice de desemprego e as rendas médias cada vez mais baixas, o endividamento se transformou em um problema a mais num cenário já pessimista. Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) em parceria com o Instituto FSB Pesquisa mostrou que um a cada quatro brasileiros não consegue pagar todas as contas no fim do mês. Pior do que isso, precisa se endividar para pôr comida na mesa. Enquanto isso, gastos com viagens, lazer e roupas se reduziram progressivamente.
A dívida de Ethiele teve seu maior peso em virtude do atraso de quatro meses no aluguel da casa onde mora, em um total de mais de R$ 2 mil, além de gastos com supermercado. “O momento é muito delicado, infelizmente, o que nos leva a ter dívidas. É uma realidade muito triste, pois dependemos de faxina para sobreviver e muitas vezes não conseguimos trabalho. É preciso paciência”, lamenta.
Os dias também têm sido de certa ansiedade e sofrimento para o casal Amaurílio Moreira Costa, de 48, e a Fernanda, de 35, que vivem nas ruas. Desempregado há três anos, eles já sacrificaram a parcela do Auxílio Brasil que teriam direito a receber no dia 18 ao fazer um empréstimo numa financeira. O restante dos recursos é obtido por meio da reciclagem de papelão e latas. “Não teve jeito. Precisamos comer e não temos recursos. Quando o auxílio chegar, vamos receber apenas R$ 280 dos R$ 600 que o governo vai pagar”, lamenta Amaurílio.
A auxiliar de serviços gerais Sandra Guimarães Silva, de 49, vive os reflexos de dívidas contraídas há dois meses por um dos filhos. “Ele me pediu o cartão emprestado para comprar celular e roupa e não pagou. A conta acabou sobrando para mim. Tenho de trabalhar dobrado. Apesar disso, consegui fazer umas economias para pagar as contas e não ficar devendo ninguém”, afirma.
Nem mesmo quem tem emprego estável ficou longe das dívidas. O funcionário público Raimundo Torres, de 61, precisou contrair empréstimo para pagar dívidas herdadas por sua esposa, que tem um restaurante. Mas ele entende que há oportunidade para ficar em dia com as contas. “O Brasil passa por um momento tenso, mas tudo tem melhorado nos últimos meses. Com a gasolina mais barata, outros produtos também caem de preço, o que ajuda a economizar. A energia também baixou cerca de 30% na minha casa. Já é alguma coisa.”
POUPANÇA DIFÍCIL
O levantamento CNI/Instituto FSB Pesquisa mostra outro dado preocupante: apenas 29% dos brasileiros poupam, enquanto 68% não conseguem guardar dinheiro. O levantamento também mostrou que 64% dos entrevistados cortaram gastos desde o início do ano e 20% pegaram algum empréstimo ou contraíram dívidas nos últimos 12 meses. Em relação a dívidas específicas, 34% dos ouvidos atrasaram contas de luz ou água, 19% deixaram de pagar o plano de saúde e 16% tiveram de vender algum bem para quitar dívidas.
Outros hábitos foram afetados pela inflação. Segundo a pesquisa, 45% dos brasileiros pararam de comer fora de casa, 43% diminuíram gastos com transporte público e 40% deixaram de comprar algum alimento.
Além disso, pelo menos 28% deixaram de comprar medicamentos. Com a alta dos preços, a população está recorrendo a um hábito antigo: pechinchar. O levantamento aponta que 68% dos entrevistados admitiram que tentaram negociar preço menor antes de fazer alguma compra neste ano.
Um total de 51% parcelou a compra no cartão de crédito, enquanto 31% dos entrevistados admitiram que compram fiado. Os juros altos estão tornando o crédito menos atrativo, ao menos para quem pode fugir dele. Menos de 15% dos brasileiros recorreram ao cheque especial, crédito consignado ou empréstimos com outras pessoas.
“A pandemia da COVID-19 e uma série de outros desafios, como a guerra na Ucrânia, comprometeram a recuperação da economia e a retomada do crescimento no Brasil. A aceleração da inflação levou a um novo ciclo de aumento de juros, o que desestimulou o consumo e os investimentos. Ao menos, estamos diante de um cenário de recuperação do mercado de trabalho, com redução do desemprego e aumento do rendimento da população – o que nos dá uma perspectiva de superação, ainda que gradual, dessa série de dificuldades que as famílias estão enfrentando”, afirma o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.
Enquanto isso...
Etanol e gasolina têm maiores quedas
O preço médio da gasolina na Grande BH caiu 10,34% ou R$ 0,62 em menos de um mês, segundo pesquisa do site Mercado Mineiro. O valor médio por litro, que era de R$ 5,95 em 10 de julho, passou para R$ 5,33 no levantamento feito entre 4 e 6 deste mês. A gasolina comum pode ser encontrada na capital mineira com preços entre R$ 4,97 e R$ 5,89 – variação de 18,51% entre postos. O preço médio do etanol está em R$ 4,04, queda de 14,11% ou R$ 0,66 nos preços. Já o diesel teve a menor redução de preços: apenas 1,64%, ou R$ 0,08. O preço médio, que era de R$ 7,02 em 10 de julho, caiu para R$ 6,94 agora. Na comparação com janeiro de 2021, o valor do litro, que era R$ 3,65, subiu 94,93%.