“Agradeço demais”, afirma Carla Alves dos Santos, de 39 anos, moradora da Vila Castelo Branco, uma das áreas mais carentes de Montes Claros, no Norte de Minas, ao se referir ao valor de R$ 600 do Auxílio Brasil que recebeu em 9 de agosto último. Ela disse que, além de servir para comprar mantimentos, o dinheiro ajudou a resolver um drama: a compra de um chinelo novo para a sua filha caçula, Isabela, de 6. “A menina nem estava mais querendo ir para escola, pois estava usando um chinelo amarrado de arame e os coleguinhas ficavam rindo dela”.
A mulher, que é mãe de quatro filhos, ao mesmo tempo que comemora o alívio que o benefício governamental trouxe para a família, lamenta outra dificuldade: antes de completar um mês do recebimento do novo valor de R$ 600 (que antes, até julho, era de R$ 400), os mantimentos comprados com o dinheiro já estão acabando. “Aqui em casa agora só tem arroz e feijão. Minha geladeira está vazia”, contou a mulher ao Estado de Minas, no último dia de agosto.
Aprovado para ser pago a 20,2 milhões de famílias até dezembro, o novo valor virou tema da campanha eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL), os mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto, na disputa pela preferência dos atendidos pelo programa assistencial. Lula tem como “trunfo” o fato de ter criado o Bolsa Família, transformado no Auxílio Brasil pelo atual governo. Já Bolsonaro argumenta que aumentou valor do benefício.
Ambos afirmam que vão manter o benefício em 2023. Para bancar o pagamento, Bolsonaro diz cogitar taxar lucros e dividendos para quem ganha acima de R$ 400 mil por mês. Por sua vez, o candidato do PT fala em, além de manter os R$ 600, criar outros adicionais para as famílias cadastradas que tenham filhos de até 6 anos.
Os R$ 600 são um alento para quem sofre com pobreza extrema. Mas, como em Belo Horizonte, a ajuda que virou bandeira de campanha não garante a comida o mês inteiro para todos os cadastrados também em áreas mais pobres, como o Norte de Minas. Este é o caso da moradora de Montes Claros, que, para sobreviver, complementa a renda como catadora de recicláveis.
“Estou sem gás, pois não tenho dinheiro para comprar”, afirma Carla Alves, explicando que se viu obrigada a fazer comida em “fogão” a lenha, improvisado com o uso de tijolos no quintal da casa. Ela disse ainda que o marido, Elivaldo Simões, trabalha com carroceiro e ganha muito pouco.
Em agosto, o governo federal anunciou também o pagamento do Auxílio Gás, no valor de R$ 110, a ser liberado para os cadastrados no Auxílio Brasil a cada dois meses. No entanto, Carla disse que tentou, mas não conseguiu receber o dinheiro. “Liguei lá, mas disseram que não fui contemplada”, disse a mulher, informando que telefonou para o 111, o número disponibilizado pela Caixa Econômica Federal para tirar dúvidas sobre os pagamentos dos benefícios governamentais.
Contudo, a catadora disse que se sente muito agradecida pelo recebimento do auxílio e torce para que o valor de R$ 600 continue sendo pago no próximo mandato presidencial. De acordo com ela, entretanto, o recebimento do benefício não vai interferir na sua escolha na eleição. Ela revelou que vai votar em Bolsonaro, mas por outro auxílio, o emergencial, dividido em parcelas pagas em 2020 e 2021, durante a pandemia do coronavírus.
“Vou votar no presidente que está aí. Acredito que se tivesse outro presidente, a gente não teria esse auxílio emergencial, não”, disse a mulher. Ela afirmou, no entanto, que, durante o período crucial da pandemia, sua família enfrentou muitas dificuldades. “A gente já chegou até a passar fome.”
A desempregada Amanda Santos, de 36, moradora de um barraco na Vila Cedro, às margens da BR-135, na saída de Montes Claros para Januária, recebeu os R$ 600 em 9 de agosto. “Esse dinheiro é meu ganha-pão. Não tenho outro recurso”, afirmou Amanda, mãe de um filho, Lorenzo, de 1 ano e 11 meses.
Amanda contou que usou o dinheiro do benefício para pagar o aluguel da moradia e a alimentação própria e do filho. A desempregada, que é mãe solo, disse que ainda conta com os mantimentos comprados com o valor do benefício. Mas, à medida que o tempo passa, a despensa se esvazia e se não receber novamente a ajuda nos próximos dias, vai passar por necessidades. “Se (o novo pagamento) passar do dia 10 (de setembro), as coisas vão complicar”.
Como a conterrânea Carla, Amanda assegura que o recebimento dos R$ 600 do auxílio não interferem na sua escolha na eleição. “Vou votar no Lula”, declarou. Quando perguntada sobre o motivo da opção, ela respondeu: “Sei lá, na verdade, se eu pudesse, eu nem votaria”. Ela também torce para permanência do valor de R$ 600 em 2023. “Depois da pandemia, os preços das coisas foram aumentando, aumentando... Pra gente que depende do governo, o trem ficou feio”, comentou.
Em Montes Claros (413,4 mil habitantes), de acordo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, 61 mil famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal, das quais 21 mil são atendidas pelo Auxílio Brasil.
Outra beneficiária do programa na cidade, a dona de casa Célia Poliana de Jesus Gomes, de 32, moradora da Vila Castelo Branco, se diz grata por ter recebido o recurso em agosto. “Deu para comprar a feira, leite e fruta para as meninas”, informa a mãe de duas filhas – Isabela Luana, de 6; e Laura, de 1 ano e 4 meses. Segundo ela, o valor pago em agosto “foi bom demais” e deu para comprar mantimentos suficientes para o consumo dela e das filhas até o fim do mês.
Célia Poliana diz que “ainda não decidiu” em quem vai votar para presidente. Alegou também que ainda não assistiu à propaganda eleitoral. Quando questionada sobre em qual nome votou no segundo turno em 2018, ela fez a pergunta: “Os candidatos foram quem mesmo? Bolsonaro e quem?”. E completou: “Acho que votei no outro (Fernando Haddad, do PT). No Bolsonaro não foi não”.
Ainda em Montes Claros, Ana Paula Fonseca Silva, de 32, desempregada e mãe de dois filhos (Ítalo Gabriel, de 12, e Hillary, de 10), usou o benefício de agosto no pagamento das contas de água e luz, além da compra de alimentos. Mas o dinheiro não cobriu todas as despesas. “Ajudou muito. Deu para pagar umas continhas. Mas, não deu para fazer uma feira digna. E todo brasileiro precisa de uma feira digna”, disse Ana Paula, que está “fazendo bico” como “formiguinha” na campanha de um candidato a deputado da região.
Para a desempregada, a elevação do valor do auxílio para R$ 600 foi “jogada de marketing” do atual governo. Mesmo assim, espera que o valor seja mantido a partir de janeiro de 2023. E não sabe ainda em quem vai votar.
“Salvação” para quem não tem nada
O Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família) tem maior impacto nos municípios do Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres de Minas Gerais e do Sudeste brasileiro. É o caso de Araçuaí, cidade de 36,7 mil habitantes, onde 3.968 famílias estão inscritas no Auxílio Brasil e outras 186 fizeram o cadastro, mas estão em análise e ainda não receberam o pagamento, segundo informações da prefeitura cidade.
Os recursos chegam como tábua de salvação para moradores que vivem em extrema pobreza, como a dona de casa Fernanda Santos Rodrigues, de 37, e sua prole de 6 filhos e 5 netos. A família mora em um barraco do Bairro Nova Esperança, uma das áreas mais carentes da cidade. A luz da moradia foi cortada há mais de um mês por falta de pagamento. O marido dela está desempregado.
No meio de tantas barreiras, Fernanda se diz muito grata por ter recebido o “aumento” do auxílio de R$ 400 para R$ 600 em agosto. “Ajudou muito”, declara a mulher, informando que o valor serviu para comprar o gás de cozinha e mantimentos para família. “Ainda tem um pouco das coisas (adquiridas com o dinheiro), Pouco, mas tem”, assegurou. Fernanda diz que não sabe em quem vai votar para presidente da República em 2 de outubro. “Vou ver ainda”, afirmou.
Em condição semelhante encontra-se Ronicléscia Batista de Souza, solteira, mãe de dois filhos pequenos (o primeiro de 3, e o segundo de 1 ano e 5 meses), que mora no mesmo Bairro Nova Esperança, onde ocupa um barraco de apenas um cômodo, tendo, além da cama, um fogão e um armário.
“Os R$ 400 não davam para pagar as contas de luz e água e a gente ficava devendo a mercearia”, disse, ao contar que usou o novo valor para pagar as despesas e “comprar coisas de comer”. Mesmo assim, a feira não foi suficiente para todo o mês e a situação só não ficou pior porque recebe R$ 150 por mês do pai dos seus filhos. “Uso o dinheiro que ele manda para inteirar e pagar um pouco de cada coisa.”
Ela já decidiu em quem vai votar para presidente. Mas não revelou o nome. “Isso é segredo.”
Na mesma área carente de Araçuaí, o casal Fabrício Alves de Souza, de 29, e Joice Souza do Amaral, de 18, faz malabarismo para tentar sobreviver com que recebe. Fabrício é operador de máquina e ganha em torno de um salário mínimo por mês, enquanto Joice recebe os R$ 600 do Auxílio Brasil. O casal tem dois filhos, Inan, de 3 anos, e Iran, de 1 anos e 2 meses. O filho sofre de paralisia cerebral e, entre outros cuidados, necessita de alimentação integral, medicamentos e fraldas.
Fabrício afirma que o dinheiro do Auxílio está sendo de grande serventia. “A gente está tendo condições de comprar as coisas básicas, medicamentos e alimentação com mais tranquilidade. Acho que o ideal é que esse valor do auxílio possa continuar, pois está ajudando muitas famílias”, avalia o operador de máquinas.
Ele disse que não vota há algum tempo e que, mesmo após ter sido multado por isso, não vai comparecer às urnas neste ano. Já Joice informou que não vai votar em 2022 porque não conseguiu tirar o título eleitoral a tempo. (LR)