Independentemente de quem vencer as eleições neste ano, gestores de fundos de ações apostam em um desempenho positivo da Bolsa brasileira em 2023.
Com a expectativa majoritária dos investidores de que a desaceleração da inflação permitirá ao BC (Banco Central) promover alguma redução na taxa básica de juros (Selic) durante o ano que vem, os agentes de mercado preveem que as ações brasileiras, que estão em níveis considerados por eles excessivamente descontados, terão espaço para tirar ao menos uma parte do atraso.
A principal diferença entre os cenários com Lula ou Bolsonaro na presidência a partir de 2023 reside em quais empresas devem ser as principais responsáveis pela performance positiva esperada para a Bolsa.
Segundo a avaliação dos gestores, uma reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) tende a ser mais favorável para as estatais com ações listadas na B3, especialmente Petrobras e BB (Banco do Brasil), com a perspectiva de continuidade de uma política econômica de viés mais liberal, possivelmente com o avanço de novas privatizações.
Já no caso de uma vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o setor de educação e as construtoras, em especial aquelas mais voltadas à baixa renda, impulsionados por possíveis programas sociais a serem adotados por um governo petista, têm maiores chances de se destacarem em relação aos pares.
"Vemos potencial para a Bolsa em 2023 em ambos os cenários, com Lula ou com Bolsonaro", afirma Bruno Di Giacomo, diretor de investimentos da Nero Capital.
Mesmo com a recuperação das últimas semanas -o Ibovespa sobe cerca de 11,5% desde o final do primeiro semestre, até 8 de setembro, tendo retomado os 109 mil pontos-, o gestor afirma que a Bolsa segue barata e tem espaço para buscar os 130 mil pontos no ano que vem.
Principalmente se confirmada a queda dos juros, e em especial daqueles de mais longo prazo, que são os que mais importam para avaliar o preço justo de uma ação, acrescenta.
Os analistas da XP estão ainda mais otimistas, e esperam que o Ibovespa alcance a marca dos 130 mil pontos já neste ano.
No início de setembro, os especialistas da corretora revisaram de 120 mil para 130 mil pontos a projeção para o índice de ações em dezembro de 2022. A estimativa embute um potencial de valorização de 18,2% em relação ao fechamento de 8 de setembro.
"O principal motivo por trás da revisão foi a queda nos juros reais e nominais de longo prazo, que caíram entre 1,0 e 1,5 ponto percentual no mês de agosto", apontam os analistas da XP em relatório.
Gestora de ações da Fator Administração de Recursos, Isabel Lemos também diz que, seja quem for o vencedor das eleições, empresas do setor de varejo, que estiveram entre as mais prejudicadas pela escalada da Selic, devem se beneficiar do início do processo de afrouxamento monetário a ser conduzido pelo BC a partir de 2023.
No boletim Focus, os economistas projetam a taxa de juros em 11,25% no final do ano que vem, frente aos atuais 13,75%. "São ações que foram penalizadas demais pelo mercado e que estão relativamente atrativas", afirma a gestora.
Ela diz ainda que começa a olhar com um pouco mais de atenção para o setor imobiliário, que também ficou para trás por conta da subida dos juros.
Isabel diz que vê boas oportunidades no segmento, seja entre as construtoras com um foco no público de alta renda, menos afetado pelos ciclos econômicos, seja entre aquelas que trabalham mais voltadas à média e baixa renda, e que podem ganhar um fôlego adicional caso programas habitacionais tenham uma prioridade maior em um eventual governo petista.
Já para o gestor da Versa Fundos de Investimento, Luiz Fernando Alves, o setor de educação desponta como um potencial destaque positivo na Bolsa em caso de um terceiro mandato do ex-presidente Lula.
"Os dias áureos das empresas de educação na Bolsa foram na época em que os governos do PT deram um grande incentivo ao Fies (Fundo de Financiamento Estudantil). É um setor fora do radar da maior parte do mercado, e que pode ser uma das principais diferenças em termos de desempenho na Bolsa entre um governo de esquerda e um de direita", diz Alves.
RISCO FISCAL CONTINUA COMO PRINCIPAL PONTO DE ATENÇÃO EM 2023
Apesar das visões positivas para as ações no ano que vem, gestores assinalam que a política fiscal e as medidas a serem adotadas para trazer a dívida para uma trajetória sustentável seguem indefinidas e, por conta disso, continuarão entre os principais pontos de preocupação no radar do mercado.
Tomás Awad, sócio-fundador da gestora 3R Investimentos, diz que vê uma continuidade do governo atual como um cenário com um pouco mais de previsibilidade para a evolução da política econômica em 2023, com a manutenção de Paulo Guedes no ministério da Economia dando prosseguimento a agenda de caráter mais liberal do ponto de vista econômico.
Em uma vitória do candidato petista, acrescenta Awad, o nome forte do governo na economia ainda é uma incógnita, e será fundamental para que seja possível ter uma clareza maior de quais serão as principais diretrizes na área.
"Dependendo de quem for o ministro em caso de uma vitória do PT, pode até ter uma lua de mel com o mercado nos primeiros meses, até porque o estrangeiro tem uma memória positiva do governo Lula, mas o cenário para frente é mais incerto", diz o gestor da 3R.
Awad afirma que vem mantendo as carteiras dos fundos relativamente equilibradas. Há posições que podem ir melhor em um cenário de reeleição, como as ações da Petrobras, que tendem a se destacar com a perspectiva de uma privatização. Mas também com apostas consideradas mais defensivas, que devem ir bem em um cenário de volta do ex-presidente Lula, como supermercados e fabricantes de medicamentos.
"Vemos um cenário de volta do Lula como mais preocupante, em que temos que optar por um portfólio mais cauteloso", diz o especialista.
Sócio fundador e gestor da GTI Administração de Recursos, André Gordon afirma que tem hoje na Petrobras uma das principais posições nas carteiras dos fundos.
Ele diz que, apesar da forte alta recente das ações, e do risco político intrínseco ao ativo, a estatal segue em níveis de preços atraentes, frente ao patamar elevado do petróleo no mercado internacional, e a consequente geração de caixa robusta esperada para a companhia nos próximos trimestres.
Ele afirma, contudo, que a possibilidade de uma vitória do candidato petista Fernando Haddad ao governo de São Paulo o levou a zerar recentemente a posição que vinha carregando na Sabesp. "Se o Haddad ganhar, tem espaço para a Sabesp sofrer muito na Bolsa", afirma Gordon.
Enquanto uma vitória do candidato Tarcísio de Freitas, apoiado por Bolsonaro, poderia resultar em uma privatização da empresa de saneamento, se o próximo governador for o ex-prefeito da capital, essa possibilidade é quase nula, diz o gestor da GTI.