Luis Stuhlberger, uma espécie de lenda do mercado financeiro brasileiro, gestor do fundo que há duas décadas é um dos mais rentáveis do país, disse em um evento no dia 20 de setembro que, em caso de vitória, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) provavelmente não será radical, o que seria positivo para o mercado.
No painel organizado pela bolsa brasileira, a B3, e a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), a uma plateia de executivos de mercado, o gestor afirmou que "um aceno moderado do PT", em caso de vitória do partido, "é suficiente para trazer mais investidores estrangeiros" ao país, conforme reportagem publicada pelo portal Valor Investe, do jornal Valor Econômico.
A opinião do gestor talvez expresse um sentimento compartilhado por parte de seus colegas da Faria Lima, a região de São Paulo que concentra um pedaço do capital do país e virou símbolo do mercado financeiro brasileiro.Na reta final da campanha para o primeiro turno das eleições presidenciais, é raro ver endossos vindo "da Faria Lima" à candidatura do ex-presidente Lula, que está à frente nas pesquisas de intenção, com o presidente Jair Bolsonaro (PL) em segundo lugar. Mas, para algumas das fontes do mercado ouvidas pela reportagem, isso não significa necessariamente que haja um candidato favorito.
"Eu não acho que o mercado tenha uma preferência muito clara, e vou ser sincero com você… isso não é nem uma avaliação minha, é uma avaliação quando se olha o preço dos ativos", diz o economista-chefe de uma gestora que preferiu não se identificar.
"Essa é a terceira eleição em que eu estou no mercado e é aquela em que a eleição em si tem feito menos preço, por incrível que pareça."
"A gente está muito próximo [do dia da eleição] e o mercado está relativamente tranquilo. Eu lembro que, em 2018, a bolsa abria caindo 4% e fechava o dia 6% pra cima — porque à noite teve uma pesquisa, no meio do dia teve outra, vai dar Haddad, vai dar Bolsonaro, aquela loucura. Isso não está acontecendo."
A reportagem da BBC News Brasil pediu aos professores da Fundação Getulio Vargas (FGV) Claudia Yoshinaga (FGV-EAESP) e Henrique Castro (FGV-EESP), donos do perfil Finance_Br no Instagram, que avaliassem o comportamento de dois indicadores que costumam oscilar bastante durante o período eleitoral: o câmbio e o índice Ibovespa da bolsa de valores.
Os professores colheram informações sobre a volatilidade e a taxa de retorno desses dois preços em todas as seis eleições do século 21, de 2002 para cá. E ainda que a comparação não seja uma medida perfeita — já que a cotação das ações que compõem o Ibovespa e a do dólar são influenciadas por uma série de fatores — os resultados sinalizam que, de fato, as eleições presidenciais não têm sido em 2022 um fator de estresse como foram em anos anteriores.
Tomando a média anualizada de agosto e setembro, a volatilidade do Ibovespa foi a menor entre os períodos analisados — 19,1%, contra 36,6% em 2002, às vésperas da primeira vitória de Lula, quando a bolsa subia e descia ao sabor da divulgação das pesquisas de intenção de voto.
Os resultados da análise para o dólar são semelhantes: 2002 foi o período eleitoral em que a taxa de câmbio mais oscilou, com uma volatilidade média anualizada de 33,2% nos meses de agosto e setembro.
O gráfico elaborado pelos professores ilustra bem como o patamar de variação do dólar é bem inferior neste 2022 — menor inclusive que o da eleição de 2018:
Passando da volatilidade para o retorno, a análise observou que, neste mês de setembro (acumulado até dia 22), o dólar oscilou 0,2% para baixo e a bolsa subiu 4,1%.
Nas eleições de 2018, na mesma comparação, o dólar encolhia 3,2% e a bolsa subia menos, 3,4%. O pior resultado, assim como nas demais comparações, é de 2002: o dólar subiu 25,4% e a bolsa despencou 18,6%.
Por conta das particularidades da eleição de 2018, os professores também analisaram o acumulado de agosto e setembro — nessa comparação, o retorno do Ibovespa, que era de 4,1% positivo se tomado só o mês de setembro, é praticamente zero. Em 5 de agosto daquele ano, lembram os especialistas, o PT oficializou a candidatura de Lula à Presidência com Haddad como vice.
Apesar de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter declarado em 16 de agosto que Lula era inelegível, o PT só anunciou oficialmente Haddad como cabeça de chapa em 1º de setembro. "Toda essa turbulência e indefinição fez com que agosto de 2018 tenha sido um período mais turbulento no mercado financeiro", escreveram.
À reportagem, a professora Claudia Yoshinaga comentou que o comportamento dos preços no mercado vinha chamando atenção nas últimas semanas. "Já tínhamos conversado com outros colegas sobre essa 'tranquilidade' a uma semana das eleições."
Aposta no pragmatismo
Uma parte dessa aparente indiferença seria explicada pela avaliação de que, se eleito, Lula poderia olhar menos para as ideologias de seu partido e mais para questões de ordem prática.
"O histórico do PT mostra isso, que já houve pragmatismo no passado - então é possível que a gente tenha em um eventual governo", diz a economista-chefe de um banco que preferiu não se identificar e que também acredita, pelas conversas que tem tido com investidores, que o mercado não tem um "candidato favorito".
Em todos os anos do governo Lula, de 2003 a 2010, o setor público registrou superávit primário — ou seja, arrecadou mais do que gastou, levando em consideração apenas as receitas e despesas primárias (que excluem as despesas com a dívida pública).
O governo da presidente Dilma Rousseff manteve superávits primários nos três primeiros anos, registrando o primeiro déficit em 2014. Desde então, as contas primárias estão "no vermelho" — ou seja, o país fecha o ano gastando mais do que recolheu em impostos, o que, por consequência, faz aumentar a dívida pública.
O governo Bolsonaro entregou déficits em 2019, 2020 e 2021. Com uma surpresa positiva na arrecadação neste ano, em 2022 o país pode voltar a registrar superávit, conforme as projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI).
"O mercado não teme nesse momento que seria inevitável um descontrole fiscal. Não é. Um exemplo foi o apoio do Henrique Meirelles [ex-presidente do Banco Central durante o governo Lula, de 2003 a 2011, e ex-ministro da Fazenda do governo Temer, de 2016 a 2018]. Ao mesmo tempo em que deu apoio ao Lula, ele comentou, em entrevista, que apoia o teto [de gastos]. Ele gostaria de ver o teto mantido — o que inclusive vai contra a fala do próprio candidato, mas mostra que, sim, é possível a gente buscar esse pragmatismo", ela avalia.
Em sua visão, o principal foco do mercado é o equilíbrio fiscal — um governo que mostre compromisso com o controle das despesas públicas e da trajetória da dívida. Nesse sentido, "olhando de maneira generalista", do ponto de vista dos gastos, a economista tem uma visão positiva do atual mandato.
"O governo vai entregar algo como 18,5% de gastos sobre o PIB [Produto Interno Bruto], quando herdou gastos sobre o PIB de 20%. E a gente tem reformas estruturais importantes, acho que a principal foi a da Previdência", opina.
"O teto foi herdado do outro governo, mas também ajuda a controlar outras despesas — o qualitativo a gente pode criticar bastante, mas o quantitativo é isso. O que o mercado gostaria de ver é a continuidade desse controle de gastos — então não é exatamente qual candidato, mas qualquer um dos candidatos que fizer isso vai ser bem visto."
O "qualitativo" ao qual a economista se refere e que vem sendo alvo de críticas são as manobras usadas neste ano eleitoral para flexibilizar o teto de gastos, como a PEC dos Precatórios, e acomodar despesas acima daquelas permitidas pelo dispositivo aprovado por uma emenda constitucional em 2016.
A executiva ainda vê o teto como uma "âncora fiscal", mas alguns de seus colegas, por outro lado, acreditam que ele perdeu a função.
"O governo Bolsonaro não foi o melhor governo do mundo em termos de mercado. A gente teve um início de desmonte do arcabouço fiscal sem colocar nada no lugar, a gente teve um populismo fiscal neste ano — e a sustentabilidade das contas públicas, dado tudo isso, fica mais complicada", diz o economista-chefe da gestora mencionado no início deste texto.
"Um grande avanço obviamente foi a reforma da Previdência, mas foi um governo que não avançou em reforma administrativa, que não avançou na reforma tributária…"
Para ele, além da sinalização de que Lula seria um presidente "mais de centro" do que se mostra na campanha, o mercado também faz uma leitura de que o Congresso, que tende a manter o perfil mais conservador, faria um contraponto a uma eventual agenda mais de esquerda, e de que, quem quer que vença o pleito, a tarefa de gerir a economia "vai ser muito difícil".
O mercado financeiro nas redes sociais
Para quem navega pelas redes sociais, contudo, a impressão sobre o posicionamento do mercado nestas eleições pode ser outra. Em alguns dos perfis de influenciadores de investimentos com dezenas de milhares de seguidores, há posts recentes que questionam as pesquisas eleitorais que colocam Lula à frente nas intenções de voto, que criticam reiteradamente o PT e a esquerda de forma geral e elogiam o ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, e sua gestão da economia.
Um dos economistas que conversou sob condição de anonimato com a reportagem destacou que o mundo dos influenciadores pode fazer barulho, mas representa pouco do dinheiro que de fato circula no mercado financeiro brasileiro.
"Ninguém 'opera grande', ninguém faz preço no mercado, é gente que vive às custas do mercado de pessoa física... e quando você olha, aquilo lá é um Fla-Flu gigante — hoje é eleição, amanhã eles arrumam outro motivo pra brigarem."
Ainda assim, o alcance dessas contas é cada vez maior: uma pesquisa recente da Anbima em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados identificou 612 perfis que falam de investimentos nas redes sociais.
Juntos, eles somam uma base de 91,5 milhões de seguidores nas plataformas Twitter, Instagram, Facebook e YouTube — maior que a dos perfis dos dez maiores portais de imprensa do país, que contabilizam 80,3 milhões, ainda de acordo com o levantamento.
Para Fabio Alperowitch, sócio-fundador da Fama Investimentos, gestora com foco em ESG (sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa) fundada em 1993, a rejeição que parte dos investidores expressa em relação a Lula se explica por uma combinação de três fatores.
Um deles é o próprio posicionamento ideológico, que no mercado financeiro, formado preponderantemente por homens brancos de classe alta, está mais alinhado com a direita. "Quando se apresenta um candidato da ideologia oposta, a questão ideológica supera muitos outros debates — discutem-se ideologias antes de se discutirem propostas."
Um segundo componente, para ele, seria a identificação "automática" por parte desses investidores da figura de Lula com o período do governo Dilma, "que foi realmente muito ruim para a economia".
Não existe muitas vezes uma "dissociação do que foi o governo Lula versus o que foi o governo Dilma — é o governo do PT", comenta.
O terceiro ponto, ele conclui, estaria ligado às acusações de corrupção contra o ex-presidente. "Não vou entrar nesse julgamento [sobre as acusações em si], não me cabe aqui, mas existe claramente um 'double standard' (expressão que pode ser traduzida com 'dois pesos e duas medidas') na maneira como se olha para ele e como não se olha, com o mesmo rigor ético, para outros governos."
"Existe uma predisposição do mercado em relação a governos de esquerda que precede qualquer tipo de análise objetiva."
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63040079
Sabia que a BBC está também no Telegram? Inscreva-se no canal.
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!