O processo de privatização da Ceasaminas deu mais um passo com a publicação das normas e condições para o leilão da empresa. A previsão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é que o edital de leilão seja lançado nos próximos dias. A Resolução 258 do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos, assinada por Paulo Guedes, atualiza versão anterior (Resolução 186), por decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que rejeitou os valores mínimos apresentados no primeiro documento.
Criada em 1971, a Ceasaminas foi incluída na carteira de privatizações do governo federal em 2016. A União detém 99,5% das ações da empresa desde 1990, quando Minas Gerais transferiu suas ações para o governo federal em negociação das dívidas do estado.
Serão ofertados três lotes. O primeiro contém apenas dois imóveis da empresa em Contagem – com área total de 2,3 milhões de metros quadrados (m2), pelo valor de R$ 169.230.000. O segundo inclui somente as ações, sem os terrenos, pelo valor de R$ 254.369.397,20. O terceiro contempla as ações e os terrenos, por R$ 423.599.397,23. O valor é quase o dobro do estabelecido na resolução anterior, que orçou o conjunto dos bens por R$ 253 milhões. Não estão incluídos na venda os bens do Mercado Livre de Produtores, que ainda é gerido pelo estado de Minas Gerais e cuja privatização é vedada por lei estadual.
Produtores rurais temem o impacto da privatização no bolso. Diante do fantasma de um eventual aumento no preço de reserva do espaço, muitos deles já perdem o sono e contam nos dedos cada centavo que recebem. “Dependendo da taxa, o produtor de baixo custo não vai conseguir se manter. Pode não ser um valor muito alto, mas, ainda sim, pesa no bolso. Com certeza deve ficar mais caro o local para a gente trabalhar”, queixa-se o produtor de mamão Leandro Almeida, de 40 anos. Hoje, o produtor paga R$ 24 por dia pelo metro quadrado. Apesar disso, ele espera que a desestatização venha com melhorias nas condições de trabalho. “Se privatizar e continuar da forma que está não vale a pena. Em época de chuva, parece que chove mais aqui do que lá fora. Tem várias outras coisas para resolver”, conta.
Com uma área total de quase 3 milhões de m², o espaço tem, mensalmente, fluxo de 424 mil veículos com cargas e de 24,9 mil sem carga. “Depois que comprarem, eles vão colocar as regras que quiserem. Nós vamos sair prejudicados”, comenta o produtor de bananas Bernet Antônio Borges, que há 47 anos trabalha na Ceasa. Ele conta que, quando chegou lá, na década de 1970, não havia muita estrutura e o galpão do Mercado Livre do Produtor (MLP), também conhecido como “Pedra”, era bem menor. “Quando isso aqui foi criado eles davam praticamente de graça, porque ninguém queria vir pra cá. Agora, por que querem tirar isso de nós? Eu acho que isso é muito errado”, afirma.
Os comerciantes da Ceasa, porém, veem a privatização com bons olhos. “Isso seria positivo para a própria administração aqui. O negócio tem hora que é meio bagunçado. A estrutura precisa de manutenção e não tem”, reclama Agenor Carvalho, proprietário de uma loja na Ceasa há mais de 25 anos. Ele também reclama do valor do condomínio, que fica em torno de R$ 45 o metro quadrado. “A loja aqui são R$ 6 mil por mês. Não é barato”, disse. A Associação Comercial da Ceasa de Minas Gerais (ACCeasa) estuda, inclusive, a possibilidade de organizar um consórcio para a compra de parte da central.
Segurança alimentar
A venda da maior empresa de distribuição de alimentos hortifrutigranjeiros de Minas é questionada pelo Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal de Minas Gerais. Jussara Griffo, presidente da entidade, afirma que não só os trabalhadores e o papel social da Ceasaminas serão prejudicados, mas a própria segurança alimentar dos mineiros está ameaçada. A empresa tem 235 servidores públicos. O projeto de privatização prevê a demissão de, pelo menos, 49 funcionários do quadro efetivo.
“Questionamos o valor, abaixo do preço do mercado; questionamos o edital, que foi vazado ao empresário Salim Mattar antes de ser publicado e que motivou a abertura de uma investigação pela Polícia Federal; questionamos que estamos em um governo de transição e que Bolsonaro está saindo da Presidência em um mês e pouco”, disse Jussara. O sindicato está em contato com parlamentares mineiros para dialogar com a equipe de transição de Lula para evitar que a privatização seja feita a toque de caixa.
Aumento de preços
A Prefeitura de Contagem também é contrária à privatização. Segundo o Executivo do município, que abriga o maior centro de distribuição da empresa, a desestatização “coloca em risco a política pública de abastecimento e pode levar a uma elevação dos preços dos produtos para o consumidor final e afetar a geração de renda dos produtores”. A Ceasaminas gera lucro e a receita da empresa em 2021 foi de R$ 58 milhões, destacou a prefeitura em nota.
Por isso, a privatização não se justificaria. O lucro líquido da empresa tem crescido continuamente desde 2016, quando foi de R$ 1,4 milhão. Em 2021, foram R$ 7,8 milhões.