A economia brasileira cresceu 0,4% no terceiro trimestre, em relação ao trimestre anterior, informou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta quarta-feira (1/12).
O resultado ficou abaixo da expectativa dos analistas, que era de uma alta de 0,6% para o PIB (Produto Interno Bruto) de julho a setembro. E representa uma desaceleração em relação ao crescimento médio de 1,2% registrado no primeiro semestre deste ano.
Na comparação anual, o avanço do PIB foi de 3,6%.
Para economistas, a perda de ímpeto da atividade no terceiro trimestre é apenas o início do que vem pela frente.
Com juros altos, risco de recessão global e o fim do efeito da reabertura pós-pandemia, o crescimento do PIB promete ser um desafio para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a partir de 2023.
Entenda por que Lula deve enfrentar um cenário muito mais desafiador na economia em seu terceiro mandato, do que enfrentou em 2003.
Por que PIB cresceu no 3º tri, mas menos do que antes
O setor de serviços, que representa quase 70% do PIB, foi o principal destaque da atividade no terceiro trimestre, com alta de 1,1% em relação ao trimestre anterior."Ainda vemos o setor terciário como protagonista, puxando o crescimento da atividade no curto prazo", diz Rodolfo Margato, vice-presidente de pesquisa econômica da XP Investimentos.
Segundo o economista, dois fatores principais explicam isso: o primeiro é ainda o efeito da reabertura da economia após a pandemia, com impacto positivo sobre segmentos como transportes e armazenagem, serviços prestados às famílias e turismo e hospedagem.
O segundo fator é a ampliação da renda disponível das famílias.
"Temos o Auxílio Brasil de R$ 600, os saques extraordinários do FGTS, outros auxílios implementados nos últimos meses [para caminhoneiros, taxistas e a ampliação do Vale Gás, por exemplo] e, em paralelo, uma recuperação do mercado de trabalho, embora a população empregada esteja crescendo a um ritmo mais modesto", observa Margato.
"Além disso, depois de longa trajetória de queda, os salários médios da economia começaram a crescer em termos reais [isto é, descontada a inflação]", cita o analista. A desaceleração da inflação no trimestre, devido à redução dos impostos sobre combustíveis às vésperas da eleição, também contribuiu para essa melhora da renda.
Ainda na ponta da oferta, a indústria registrou alta de 0,8% e a agropecuária teve recuo de 0,9%, sempre em relação ao trimestre anterior. A queda no agro contrariou a previsão dos analistas, que era de crescimento para esse setor no trimestre.
Já no lado da demanda, investimentos (2,8%), consumo das famílias (1%) e consumo do governo (1,3%) registraram altas, enquanto no setor externo as exportações em alta de 3,6%, cresceram menos do que as importações, com avanço de 5,8%.
E por que o PIB cresceu menos do que na primeira metade do ano?
"O principal fator é a política monetária, que se traduz em condições de crédito mais restritivas", avalia o economista da XP, lembrando que o endividamento e o comprometimento da renda das famílias com serviço da dívida estão nas máximas históricas, segundo dados do Banco Central.
A Selic, taxa básica de juros da economia brasileira, está atualmente em 13,75%, maior patamar desde novembro de 2016. Os juros elevados funcionam como um freio para a economia, tornando mais caro para as empresas investirem e para as famílias tomarem empréstimos.
As dificuldades para o crescimento do PIB à frente
Diante dessa tendência de desaceleração da atividade, os economistas esperam que o PIB perca ainda mais força no quarto trimestre, podendo ficar próximo da estabilidade em relação ao terceiro trimestre.
Para 2022, a expectativa é de uma alta de 2,8% do PIB no ano, segundo o boletim Focus do Banco Central. Mas, para 2023, a estimativa é de um crescimento de apenas 0,7%.
Segundo o economista da XP, três fatores principais explicam essa desaceleração esperada para a atividade no próximo ano. O primeiro deles é a política monetária contracionista — isto é, com juros em nível que inibe a atividade econômica.
"Para além da Selic, que deve permanecer em 13,75% pelo menos até o final do primeiro semestre, na nossa visão, vemos outras taxas com tendência de alta. Tem um prêmio de risco maior embutido na curva de juros, isso acaba penalizando a atividade produtiva", diz Margato.
O segundo fator é a desaceleração da economia global, sob efeito da alta de juros nos Estados Unidos e outros países para conter a inflação; da crise energética na Europa em decorrência da guerra na Ucrânia; e da desaceleração da China, impactada por sua política de "covid zero".
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"Não esperamos uma recessão, mas algumas regiões devem sofrer contração do PIB, como parte relevante da Europa. E a China deve crescer bem abaixo do seu padrão dos últimos anos", afirma o economista.
O terceiro fator, segundo Margato, é a dissipação dos benefícios da reabertura econômica sobre alguns ramos da atividade.
"Logo após a reabertura, há um movimento mais forte de retomada. Ainda vemos os benefícios dessa dinâmica, mas naturalmente a contribuição para o PIB vai sendo menor com o passar dos trimestres, é algo natural", observa o analista.
Fim dos estímulos eleitoreiros e queda das commodities
Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), destaca ainda que a partir do próximo ano a economia não contará mais com os estímulos criados pelo governo Jair Bolsonaro (PL) às vésperas da eleição.
Os auxílios para taxistas, caminhoneiros, o Vale Gás com valor ampliado e a redução a zero das alíquotas de PIS-Pasep e Cofins sobre combustíveis são todas medidas que acabam em dezembro de 2022.
"A queda da inflação foi temporária e já a partir do quarto trimestre não teremos mais a deflação que tivemos [no terceiro trimestre]. Além disso, há um processo de normalização da economia, que se beneficiou das condições de crescimento [com a reabertura]", diz Matos.
Sergio Vale, da MB Associados, cita também a expectativa de preços de commodities mais estáveis ou até em queda em 2023, após uma forte alta esse ano sob efeito da guerra na Ucrânia.
"Não teremos o crescimento [de preços] que tivemos esse ano. Pelo contrário, começamos a ter uma queda na média nos preços em reais de commodities, o que já está acontecendo. Quando juntamos isso à recessão mundial, à taxa de juros elevada aqui e à incerteza fiscal, temos um cenário desestimulante para o crescimento econômico", diz Vale.
O que pode fazer o PIB crescer mais
Para os economistas, apesar dos ventos contrários, o crescimento do PIB em 2023 ainda pode ser melhor do que o esperado atualmente. Mas isso, segundo eles, vai depender de o governo sinalizar uma política fiscal crível, com perspectiva de estabilização da dívida pública a médio e longo prazo.
"As incertezas da política fiscal acabam se traduzindo num câmbio mais depreciado, numa piora dos ativos financeiros e das expectativas de inflação no médio prazo e isso limita o espaço para o Banco Central cortar juros — na verdade ele pode até eventualmente ver a necessidade de elevar a taxa de juros para combater a inflação, embora esse não seja nosso cenário-base", diz Margato, da XP.
Segundo o economista, caso o governo consiga indicar previsibilidade na política fiscal, o Brasil tem muito potencial para atrair investimentos no próximo governo, principalmente na economia verde.
"Enquanto a inflação não for totalmente debelada, não teremos garantia de uma aceleração do crescimento", avalia Silvia Matos, do Ibre-FGV.
"Se conseguirmos reduzir o risco-país, isso faria o câmbio se valorizar e ajudaria a combater a inflação, permitindo a redução de juros. Encontrar espaço para a política social, sem perder de vista o controle da dívida e continuar a agenda de reformas seria importante, pois ainda temos um espaço muito grande no Brasil para melhoria do ambiente de negócios."
Principal cotado para o Ministério da Fazenda, Fernando Haddad disse na semana passada em evento da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) que a reforma tributária será prioridade em 2023.
A economista da FGV acredita que, se o novo governo retomar a proposta de reforma tributária de Bernard Appy (que tramitou na Câmara como PEC 45) e conseguir aprová-la com o embalo de início de governo, isso pode criar uma perspectiva muito mais favorável.
Sem espaço para estímulo ao consumo
Matos avalia ainda que não há mais espaço para uma política econômica de crescimento baseada no estímulo ao consumo, como nos governos petistas anteriores.
Isso porque o Estado não tem mais dinheiro, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) sofreu mudanças que impedem ele de ser usado como no passado, e o Banco Central é agora independente — o que significa que ele agirá para controlar a inflação subindo juros, caso isso seja necessário.
Além disso, nos anos 2000, a ampliação do acesso ao crédito teve papel importante no estímulo ao consumo e já não há mais condição para isso, com o endividamento das famílias atualmente em nível recorde, avalia a coordenadora do Boletim Macro.
"Nos primeiros governos Lula, vivemos um período que o mundo cresceu muito, com taxas de juros muito baixas. Isso permitiu que a gente fosse junto, porque era uma onda muito favorável. Agora a onda é ao contrário", diz Matos.
"Então eu digo o seguinte: eu não queria estar aqui em 2023, preferia estar em 2003 iniciando o governo, seria muito mais fácil para ter bons resultados", brinca a economista.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63817000