O diagnóstico, chancelado de forma unânime pelos membros do grupo, aponta o esvaziamento de políticas de cisternas, distribuição de cestas básicas, acolhimento de pessoas vulneráveis em centros de referência, além da falta de recursos para manter o benefício mínimo de R$ 600 do Auxílio Brasil —que voltará a se chamar Bolsa Família.
Em declarações contundentes, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) e as ex-ministras Tereza Campello e Márcia Lopes (ambas do Desenvolvimento Social e Combate a Fome) usaram palavras como "descaso", "irresponsabilidade" e "má-fé" para descrever o cenário encontrado pelo novo governo.
Tebet aproveitou a ocasião para sinalizar que, diante do quadro, os valores sugeridos para ampliação de gastos em PECs (propostas de emenda à Constituição) alternativas à PEC da Transição são insuficientes para lidar com todos os problemas. Uma das propostas, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), prevê ampliação de despesas em R$ 80 bilhões.
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"Esse valor é só o que o ministério precisa para atender minimamente aos programas de assistência social", disse a senadora, que tratou como "ponto de partida" uma fatura total de R$ 140 bilhões.
Segundo ela, além dos R$ 70 bilhões para garantir a manutenção dos R$ 600 e o pagamento extra de R$ 150 por criança de até 6 anos, o grupo de desenvolvimento social vê necessidade de R$ 2 bilhões para seguir com a ampliação do Auxílio Gás, R$ 2,6 bilhões para restabelecer o Suas (Sistema Único de Assistência Social), além de outros valores para compra de cisternas e cestas básicas. O gasto adicional só nessa área é estimado entre R$ 78 bilhões e R$ 80 bilhões.
Em uma radiografia preliminar, o governo eleito apontou a perda de condições de controle e efetividade do Bolsa Família. Um dos problemas encontrados foi a explosão de cadastros de famílias unipessoais, compostas por um único integrante, após o governo Jair Bolsonaro (PL) ter instituído um valor mínimo a ser pago por família. Antes, o Bolsa Família pagava valores por pessoa.
O número de famílias unipessoais saiu de 1,8 milhão em dezembro de 2018 para 5,5 milhões em outubro de 2022 —um crescimento de 197%, enquanto a quantidade das demais famílias no Cadastro Único subiu 21% no mesmo período. Muitas dessas famílias foram motivadas a se dividir para receber um valor maior.
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"A população foi induzida a se cadastrar dessa forma. Não é um malfeito da pessoa pobre, é um malfeito do Estado, um malfeito do governo Bolsonaro", disse Tereza Campello. Segundo ela, a transferência de renda aos mais pobres passou por oito mudanças profundas nos últimos três anos, o que contribuiu para gerar confusão entre os beneficiários.
"O desenho malfeito, em especial, estabeleceu um piso injusto e induziu essas famílias a se cadastrarem isoladamente", afirmou a ex-ministra.
A transição também identificou que o próprio registro prévio no aplicativo do CadÚnico tem induzido as pessoas a se registrarem de forma individual para receber o benefício, o que é considerado uma falha. Há também falta de prestação de informações, uma vez que os centros de assistência acumulam filas, e a central telefônica só consegue atender 10% das ligações.
O grupo técnico também acusou o governo Bolsonaro de "má-fé" por ter ignorado a explosão de famílias unipessoais e deixado para depois da eleição a convocação de uma averiguação. Segundo o próprio Ministério da Cidadania, dos 3,2 milhões de benefícios a passarem pela revisão, 2,5 milhões devem ser bloqueados —num indício de que o próprio governo atual vê os pagamentos como indevidos.
Outro problema, segundo o diagnóstico, é que o calendário foi instituído sem diálogo com os municípios (a quem caberá realizar as visitas domiciliares) e ainda concentra as revisões nos meses de janeiro e fevereiro de 2023 —quando Lula já terá assumido a Presidência.
Pelo cronograma, apenas 8,9 mil benefícios seriam analisados em dezembro. Em janeiro, seria 1,3 milhão, e em fevereiro, 1,84 milhão.
"Nós achamos que, para além da incompetência, do desgoverno e do completo descaso com as políticas públicas, o governo também agiu com má-fé", disse Campello. "Eles jogam no colo do governo que assume, no colo dos municípios que já estão sobrecarregados, a obrigação de ir atrás disso que eles mesmos produziram."
Segundo a ex-ministra, a transição já tem buscado junto aos estados e municípios uma repactuação do calendário, além de uma campanha de esclarecimento às famílias beneficiárias para evitar pegá-las de surpresa nesse processo. Para ela, as bases do Cadastro Único estão mantidas, mas há necessidade de construir uma estratégia de atualização dos registros no máximo em dois anos, inclusive para retomar o acompanhamento de condicionalidades, como frequência escolar e vacinação.
A transição também identificou um desmonte na rede de assistência social. O dinheiro previsto para a manutenção do financiamento desses centros em 2023 é o suficiente apenas para dez dias, segundo o grupo. "Teremos uma previsão de R$ 48 milhões para 5.570 municípios", disse a ex-ministra Márcia Lopes.
A equipe também alertou para o risco de um vácuo legal na política de distribuição de cisternas. A legislação atual expira em 1º de abril de 2023 sem que tenha sido renovada pela atual administração. "Propomos um conjunto de medidas para que isso não aconteça e não tenha descontinuidade", disse Campello.
O governo também corre o risco de ficar sem fornecimento de cestas básicas para atender a situações de emergência, como desabrigados. O atual contrato se encerra em 5 de janeiro de 2023, e não há possibilidade de aditivos. A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) não tem estoques nem recursos financeiros para conseguir recompor essa política.
"Nós de fato encontramos uma situação de absoluta calamidade e desespero", afirmou Márcia Lopes. "O que aconteceu com o Cadastro Único e o Auxílio Brasil é um total descaso e uma total irresponsabilidade pública. Apesar das normas, nada disso foi respeitado."