Apesar da queda de vários preços na economia, de matérias-primas a bens industriais, a inflação de alimentos será um dos principais motivos para o Banco Central possivelmente deixar de cumprir a meta de inflação em 2023, pelo terceiro ano consecutivo.
A escalada nos alimentos -que subiram cerca de 45% nos últimos três anos- afeta diretamente a maior parcela dos eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), famílias mais pobres com renda até dois salários mínimos, e pode ter impacto em sua popularidade.
Na véspera do segundo turno em 2022, o petista tinha 61% das intenções de voto nesse segmento dos eleitores, ante 33% de Jair Bolsonaro (PL).
O discurso do mandatário contra os juros altos, metas de inflação e autonomia do BC tende a piorar o cenário da inflação de alimentos, pois tem pressionado para cima o valor do dólar, moeda de referência para preços de commodities agrícolas.
A inflação em 12 meses de matérias-primas, bens e serviços medidos pelo IGP-M (Índice de Geral de Preços - Mercado), do Ibre-FGV, caiu de 16,9% em janeiro de 2022 para 3,8% no primeiro mês deste ano -com recuos importantes em preços no atacado, ao consumidor e na construção civil.
Entre as poucas exceções está a alimentação, a grande "puxadora" da inflação nos últimos anos. Nos últimos 12 meses até janeiro, a alta foi de 11,3%, maior do que os a 7,8% no mesmo período até janeiro de 2022.
No segundo semestre de 2022, a dissipação de choques em cadeias produtivas causados pela pandemia e nos preços da energia (pela guerra na Ucrânia), além da política de juros altos do BC, levaram o IGP-M a convergir para a inflação oficial (IPCA) medida pelo IBGE.
Uma boa notícia, pois sugere que não haverá grandes pressões adicionais sobre o IPCA no resto do ano.
Mesmo assim, a pesquisa Focus do BC vem, há oito semanas, elevando a expectativa de inflação para 2023. Ela chegou a 5,78% nesta semana, praticamente igual aos 5,79% do IPCA em 2022. Já a meta de inflação do BC para este ano é de 3,25%, com tolerância até 4,75%.
O principal entrave para a queda maior dos preços segue na alimentação. "Na inflação, alimentos pesam mais do que qualquer outra coisa. Vão de cerca de 15% nas famílias com renda até 40 salários mínimos [R$ 52.080] até 30% naquelas até dois [R$ 2.604]", diz André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Ibre-FGV.
Braz afirma que o cenário de desaquecimento e alta de juros em várias economias (sobretudo EUA e Europa) levará à redução nos preços de algumas commodities agrícolas, o que pode favorecer o Brasil. Por outro lado, o dólar mais caro internamente teria o efeito inverso, já que a moeda é referência para esses preços.
Há uma semana, o dólar chegou a cair abaixo de R$ 5, menor taxa desde junho passado. Mas voltou à faixa de R$ 5,20 após reiteradas críticas de Lula sobre a condução da política monetária pelo Banco Central.
Braz afirma que a queda já verificada no IGP-M e os juros elevados praticados pelo BC poderão aliviar, dentro de alguns meses, a inflação no geral.
"O problema é que a economia também acabará deprimida lá na frente", diz. Em sua opinião, a comunicação do Banco Central em relação à inflação, quando há choques inevitáveis e transitórios como os que ocorreram na pandemia e com a guerra na Ucrânia, deveria ser mais transparente, para evitar carga de juros tão fortes.
Para Guilherme Moreira, coordenador do IPC da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da USP), "a cotação do dólar seguirá como fator de incerteza" para os alimentos. O dólar 'tem vontade' de cair e seria importante trazê-lo a um patamar mais baixo."
A Fipe projeta para 2023 inflação de alimentos de 8,3%, somando-se à alta de 46,5% no triênio 2020-2022. "A 'sensação térmica' dos mais pobres com a inflação de alimentos é a pior possível", diz Moreira. Ele prevê que a queda em outros itens (serviços e bens duráveis, como eletrodomésticos, por exemplo) segurem o índice geral --enquanto alimentos seguirão pressionando.
Segundo Maria Andréia Lameiras, pesquisadora do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), não há registro de classes trabalhadoras que tenham tido reajustes salariais de 50% nos últimos três anos. "Portanto, ainda que a inflação de alimentos desacelere, ela segue subindo, com efeitos sobre a renda, sobretudo dos mais pobres."
Lameiras concorda que poderia haver algum alívio se o dólar se desvalorizasse frente o real, mas lembra que, em 2023, muitos municípios brasileiros já começaram a aumentar tarifas de transporte urbano, congeladas nos anos da pandemia -o que deve impactar também no orçamento dos mais pobres.
É provável também que o governo promova a reoneração dos impostos sobre a gasolina a partir de março. Pelas projeções do Ibre-FGV, em vez de uma inflação de 0,4% em março, o índice pode chegar a 1,2%.
Para José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Fator, embora a retórica de Lula não ajude a controlar os preços de alimentos (por pressionar o dólar), o presidente estaria lançando mão do discurso contra o BC para justificar, antecipadamente, o baixo crescimento previsto para este ano e o impacto da inflação sobre os mais pobres.
"Em vários países do mundo, o dólar têm caído mais do que no Brasil, onde a batalha contra a inflação está longe de ter sido ganha. Nesse sentido, o discurso de Lula não ajuda", diz Gonçalves.
Outra maneira de se analisar o comportamento dos preços é olhar para os chamados núcleos da inflação calculados pelo BC, que retiram da conta preços voláteis ou outras interferências não recorrentes. Vários núcleos apresentam taxas acima da inflação média, o que mostra a resiliência da inflação.
Outro indicativo é o chamado índice de difusão da inflação, que mede a quantidade de produtos e serviços que subiram no mês em relação ao total de itens pesquisado pelo IBGE.
Em médias móveis trimestrais calculadas desde agosto de 2022, o índice vem se mantendo em 65% -o que significa que, entre cada 10 itens, 6,5 estão subindo. Até a pandemia, o índice apurava médias de 40% a 45%.
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