Sede do BNDES

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A nova direção do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) negocia com o Ministério da Fazenda o mais significativo conjunto de mudanças em mais de cinco anos nas formas de a instituição obter capital e conceder empréstimos.

Em uma frente, o banco planeja lançar um novo instrumento para captar recursos no mercado e reduzir sua dependência do Tesouro Nacional. A Letra de Crédito de Desenvolvimento (ou LCD), como vem sendo chamada, poderá receber investimentos até mesmo de pessoas físicas e funcionará com formato e remuneração semelhantes a opções financeiras existentes hoje –como LCI e LCA (letras de crédito imobiliário e agrícola, respectivamente).

Nelson Barbosa, diretor de Planejamento do BNDES e ex-ministro da Fazenda, diz à reportagem que o objetivo é eliminar paulatinamente a necessidade de recursos públicos para a instituição. "Estamos tentando construir o BNDES do século 21", afirma.

Em outra frente, a nova gestão propõe flexibilizar de diferentes formas o uso da chamada TLP (Taxa de Longo Prazo), criada por lei em 2017 (durante o governo Temer) para impedir que o banco empreste a clientes a taxas menores do que o custo de captação do Tesouro Nacional.

O banco sugere a recriação do crédito subsidiado pelos cofres públicos, como nos governos anteriores do PT. Mas, desta vez, a medida seria voltada a determinados segmentos estratégicos (como transição energética e inovação), sob autorização do CMN (Conselho Monetário Nacional) e com limites de valores para evitar um "cheque em branco".

"Algumas atividades precisam de subsídio para serem viáveis e o retorno delas não é econômico, mas de externalidade. Elas geram ganhos, como em tecnologia, inclusão social e mudança ambiental", diz.

Apesar de considerar que a criação da TLP removeu o amplo subsídio visto até aquela época, Barbosa critica a redação da medida. Para ele, a lei amarrou o banco à obrigação de remunerar o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador, principal fonte de recursos do BNDES e alimentado por recursos públicos) usando só uma taxa.

Por isso, ele propõe o uso de múltiplas opções de remuneração ao FAT —por exemplo, usando a Selic ou títulos do Tesouro de maior prazo.

"Se alguém propusesse isso [remunerar captações a uma taxa única] numa instituição privada, seria demitido. Isso foi o que o governo Temer fez, e estamos corrigindo", afirma.

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PERGUNTA - Como vocês encontraram o BNDES?

NELSON BARBOSA - Não é segredo que o banco vinha em um processo de enxugamento, mas foi muito além do razoável. Estimamos que o desembolso total do ano passado tenha ficado próximo de 1%, metade do que era antes. O presidente [do BNDES, Aloizio] Mercadante já colocou, e a gente tem reforçado, que um dos objetivos é voltar ao padrão histórico de desembolsar pelo menos 2% do PIB, ou R$ 200 bilhões. Seria dobrar o tamanho do banco ao longo deste mandato. Para isso, também é preciso ter funding [financiamento]. De onde vem esse funding? Apresentamos ao Ministério da Fazenda, que está analisando, [proposta para] que o BNDES capte através de um novo instrumento —a Letra de Crédito ao Desenvolvimento, ou LCD.

Ela seguiria os moldes da LCA e da LCI, por meio das quais você pode captar com isenção de Imposto de Renda —algo que também acontece para debêntures de infraestrutura. Com isso, o BNDES não precisa de mesada do Tesouro. Ele capta e repassa.

 

P - Qualquer um vai poder investir? Pessoas físicas?

NB - Na captação, a nossa proposta é que seja como a LCA e a LCI. Vai estar nas plataformas [dos bancos] e vai concorrer com os outros produtos.

 

P - Para onde os recursos captados serão direcionados?

NB - Quando você bota "letra de desenvolvimento", é uma coisa bem ampla. Então estamos exatamente nesse debate com a Fazenda sobre como delimitar. Algumas coisas são meio óbvias. Infraestrutura, inclusão financeira de micro e pequena empresa, meio ambiente, inovação. Isso desenvolve mais o mercado, não concorre com o setor privado e vai ampliar o total de crédito na economia.

 

P - Quanto o BNDES capta hoje?

NB - Internamente, muito pouco, e capta externamente para financiar comércio exterior. Mas, como o Brasil voltou à mesa de adultos na economia internacional, estão aparecendo muitas fontes externas de financiamento.

Estamos sendo procurados por fundos soberanos de governos e investidores privados querendo fazer parceria com o BNDES, seja para formar um fundo em que o BNDES coloca uma parte, e eles colocam outra, seja para perguntar que projetos têm carimbo de qualidade de análise do BNDES para eles poderem financiar.

 

P - Que países se destacam?

NB 0 China. Alguns fundos soberanos da Ásia. Investidores tradicionais, quase todos europeus e americanos. São especialmente atraídos pela transição energética. Está acontecendo no Brasil um grande boom. Tem também procura na área de saneamento, de reurbanização, de cidades inteligentes. Tem uma avenida de transformação que o Brasil está apenas começando a trilhar, com digitalização, 5G, automação.

 

P - E o banco, nessa nova fase, vai se voltar a que tipos de projeto?

NB - No foco estão micro e pequenas empresas, capital de giro e projetos de infraestrutura. Em paralelo, tem uma demanda, que pode ser financiada por capital externo, como já foi no passado, que é reforçar o financiamento à exportação.

Em razão dos efeitos da Operação Lava Jato e outras coisas, acabou se contraindo muito. Hoje está abaixo da média histórica também porque se criou, equivocadamente, esse preconceito contra financiar exportação de bens —não estou falando nem dos serviços.

Exportação de bens gera emprego no Brasil. Todas as grandes economias do mundo têm um sistema efetivo de apoio a essas exportações. Estados Unidos, Alemanha e Japão têm, e nós devemos ter também.

 

P - O sr. falou em preconceito com a exportação de bens e serviços, mas não dá para chamar de preconceito, porque ocorreram problemas com algumas dessas operações.

NB - Sim. Ocorreram problemas. Não há dúvida. Tanto que houve investigação. Quem tinha que ser punido foi. Mas não se deve matar um instrumento por um eventual mau uso de um ou outro, né? Todo o mundo sai de carro todo dia, e tem gente que faz besteira com o carro. Vamos parar todo mundo de andar de carro? Não. Então, a gente tem que saber usar bem esse instrumento.

 

P - Isso inclui também exportação dos serviços de engenharia?

NB - Por enquanto, a gente tá focando bens. A gente sabe que o serviço de engenharia exige toda uma discussão com o TCU. Ele já fez várias recomendações, e o Mdic e nós estamos em discussão com TCU para incorporar as recomendações do TCU na legislação, de modo a diminuir incerteza regulatória e poder financiar o que deve ser financiado.

 

P - O sr. não mencionou novas grandes obras, que antigamente eram as mais citadas, como a transposição do rio São Francisco, grandes ferrovias.

NB - Grandes obras é pênalti para ser batido pelo presidente, né? Neste momento, todos os ministérios estão levantando obras paradas e projetos, e essas grandes obras serão anunciadas pelo governo federal, não pelo BNDES.

 

P - Em relação à TLP, há alguma avaliação sobre a necessidade de mudanças?

NB - presentamos três considerações que estão sendo avaliadas pelo Ministério da Fazenda. A primeira medida é revisar a lei da TLP para o que está na lei descer para o regulamento do CMN, e o CMN definir a forma de cálculo do juro para diminuir volatilidade.

Segunda coisa. Estamos solicitando que o BNDES possa captar recursos do FAT por um vetor de taxas, não só uma [a TLP, formada pelo IPCA mais a taxa da NTN-B, do Tesouro, com prazo de cinco anos]. Quem vai determinar isso [o limite para cada remuneração]? O CMN. Ele vai dar a programação dizendo que, dos recursos do FAT, o BNDES pode captar X bilhões à Selic, Y bilhões à taxa de cinco anos. Para financiar capital de giro, por exemplo, é melhor captar pela Selic.

Se alguém propusesse isso [remunerar captações a uma taxa única] numa instituição privada, seria demitido. Isso foi o que o governo Temer fez, e estamos corrigindo.

 

P - Mas a TLP trouxe vantagens…

NB - A TLP diminuiu o subsídio implícito. Ou pode até ter eliminado. Só que ela pecou na forma técnica. Ela poderia ter sido feita com uma estrutura de várias taxas. Não precisava ter botado só cinco anos. Estamos aqui para corrigir o futuro, o que aconteceu aconteceu. A TLP vai continuar existindo, mas também haverá outras.

 

P - E a terceira consideração?

NB - A terceira [proposta] é autorizar que o CMN possa, para atividades ou itens específicos, aplicar um redutor na taxa de mercado. Por exemplo, para financiamento de inovação ou transição energética, pode ser captado a 75% da Selic ou 80% da TLP. E isso é um subsídio.

Por exemplo, para financiar a reconstrução dos municípios no litoral paulista no valor de até R$ 500 milhões, ficaria autorizado o FAT a repassar a 90% da taxa do Tesouro. [Mas] teria um limitador. Por exemplo, só pode ser 5% do orçamento anual do FAT. Bota uma trava para dizer que não é um cheque em branco.

 

P - Por que precisa ter subsídio?

NB - Porque algumas algumas atividades precisam de subsídio para serem viáveis e o retorno delas não é econômico, mas de externalidade. Elas geram ganhos, como em tecnologia, inclusão social e mudança ambiental. Por exemplo, o Plano Safra tem subsídio, assim como desenvolvimento regional.

 

P - No fim do ano, o Banco Central expressou que eventuais mudanças na TLP poderiam tirar potência da política monetária e elevar a taxa de juros neutra. Como interpretar esse temor e o que dizer sobre isso agora?

NB - O temor só ele pode explicar. O que posso dizer é que ninguém está discutindo o volume de subsídio como houve no passado, com diferença entre TJLP [Taxa de Juros de Longo Prazo, usada antigamente pelo BNDES] e a taxa de mercado de mais de sete pontos. Ninguém está discutindo isso. O que está se discutindo é se em alguns casos o Tesouro ou o BNDES pode aplicar a 80% ou 90% da taxa do Tesouro. Então, se ocorrer [subsídio], é pequeno e limitado. Não acho que isso diminui a eficiência da política monetária.

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RAIO-X

NELSON BARBOSA, 53

Diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do BNDES. Ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (no governo Dilma). Economista formado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e doutor em economia pela New School for Social Research (EUA). Professor titular da FGV (Fundação Getulio Vargas), professor adjunto da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisador do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV.