A reforma tributária sobre o consumo pode contemplar a devolução de imposto sobre despesas com saúde, educação e alimentação. Essa seria uma forma de compensar um possível aumento da carga sobre esses itens da cesta de consumo, caso seja definida uma alíquota unificada para todos os produtos e serviços no país.
A possibilidade é citada pelo coordenador do grupo de trabalho da reforma na Câmara, Reginaldo Lopes (PT-MG).
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Lopes diz que tratamentos diferenciados para alguns setores ou segmentos da população, como os mais pobres, podem ser concedidos por meio de alíquotas menores, mas também por meio daquilo que o governo federal vem definindo como uma espécie de "cashback".
Também na avaliação do deputado, politicamente, é mais viável criar dois novos impostos a partir dos cinco principais que hoje incidem sobre bens e serviços: um federal, juntando IPI, PIS e Cofins, e outro que unifique o estadual ICMS e o municipal ISS. A legislação, no entanto, seria unificada. Hoje cada estado e município possui regras próprias.
Ele diz ainda que a reforma necessita de alinhamento entre todos os setores e entes e Poderes da Federação. "Algum grau de insatisfação e de não atendimento vai ocorrer, mas a essência não pode [mudar]."
CRONOGRAMA DO GRUPO DE TRABALHO
Vamos ter oito semanas para debater a reforma a partir dos seus impactos, com oito grandes debates. A ideia é que isso se multiplique em vários eventos. Vamos ter audiências públicas, mesas para resolver os dissensos, audiências nos estados, visitas técnicas. O grupo foi criado para 90 dias, mas resolvi apresentar um plano de trabalho para 75 dias. A gente termina com uma semana de seminário para apresentar às bancadas. Depois dessa semana de 16 de maio, aí tem de estar alinhado para entrar na pauta do plenário da Câmara.
As duas PECs (propostas de emenda à Constituição) que estão nas bases para a reforma foram debatidas quatro anos na Câmara e quatro no Senado, uma deriva da outra. O presidente [da Câmara] Arthur Lira avocou para o plenário a PEC 45. O nosso GT [grupo de de trabalho] apresenta sugestões e constrói os acordos políticos. Cabe ao relator, [deputado] Aguinaldo Ribeiro, apresentar essas sugestões em forma de relatório para o plenário da Câmara.
EM BUSCA DE ALIADOS
Eu brinco que todos estão com a disposição de apoiar, ressalvados os destaques. Não dá para acolher todos, mas temos de dar respostas. A gente tem de resolver esses dissensos, senão não vamos conseguir a convergência necessária.
O grupo de trabalho quer estabelecer uma ponte de negociação com a Fazenda para que a gente possa desatar os nós. Senão, vai perdendo apoio. Ela tem de ganhar aliados no processo. Tem de entrar com força no plenário.
Estou satisfeito com o grau de apoio dos setores na arrancada da reforma tributária. O que cabe agora é ter muita capacidade de negociação. Com qual objetivo? Fazer a melhor reforma possível, dentro do ambiente político existente.
Vamos visitar os países da OCDE. Sempre tem diferenciação local, regional ou setorial. Até na Europa tem. Não pode ser 8 ou 80. Temos de ter sensibilidade política.
DEVOLUÇÃO DE IMPOSTO
Vamos fazer o comando constitucional, mais geral, e teremos de fazer algumas leis complementares e ordinárias. No segundo semestre já poderia iniciar a segunda fase da reforma sobre o consumo, todo o processo de regulamentação. Por exemplo, se para os mais pobres vai ser alíquota diferenciada ou cashback.
Muita gente acha que justiça tributária se faz só pelo sistema de tributação direta. Vamos botar os ricos no Imposto de Renda e os pobres no Orçamento. Mas, mesmo sendo uma reforma da tributação indireta, você pode dar uma grande progressividade. Pode fazer da reforma do imposto sobre o consumo um modelo de produção de riqueza, geração de emprego e distribuição.
Há várias formas de fazer algum tratamento diferenciado e favorecido a alguns setores ou pessoas, como alíquota única com cashback para os mais pobres. Pode ter cashback na saúde, cashback na educação, cashback na cesta básica.
CONSUMO VERSUS RENDA
O ideal é que se reduza a tributação sobre o consumo. Para tirar imposto sobre o consumo, tem de deslocar a incidência para renda e patrimônio. Você pode reduzir a alíquota no futuro, se tiver crescimento e arrecadação, acabar a sonegação, você vai reduzindo.
A OCDE tributa 19% de alíquota no imposto sobre o consumo na média, mas tem até 40% no Imposto de Renda. Nós temos a maior alíquota em 27,5% e não tributamos lucros e dividendos [estudos apontam uma alíquota de 25% do novo imposto sobre o consumo no Brasil].
RESISTÊNCIAS
Não quero que serviços já saiam dizendo que são contra, que vão pagar a conta. Agora, não tem mais lugar no mundo em que você separa mercadoria de serviços. Cria uma confusão danada. Nos serviços, 60% são micro e pequenas empresas, que estão no Supersimples [que tem adesão opcional ao novo sistema]. Outros 20% estão na cadeia intermediária [fornecedores], vão gerar crédito. Para quem está no final da cadeia, tem de avaliar como faz o tratamento.
Uma coisa importante é não tributar mais a exportação. O constituinte não deu essa imunidade. Ela é da Lei Kandir e foi fundamental para o agronegócio avançar. Vamos consolidar isso como princípio. Se você tributa no consumo, ao exportar, está isento do tributo. Ao mesmo tempo, vai tributar importação, acaba incentivando a industrialização.
Você tem os entes federados em dúvida sobre a partilha, mas você tem avanços tecnológicos. É possível fazer a partilha da arrecadação momentânea, automática, não precisa esperar. Pode cobrar automaticamente e distribuir automaticamente para os subnacionais [estados e municípios].
QUANTOS IMPOSTOS
A base teórico-conceitual são as duas PECs. É uma reforma a partir do IVA. O que tem em debate é se será único ou dual. O importante é que seja uma única legislação. Eu falei para o ministro Fernando Haddad e para o Bernard Appy [secretário extraordinário da reforma] que, nas poucas conversas com alguns governadores, tudo indica que é um IVA dual. O que já é um grande avanço.
Hoje você não tem um sistema tributário de regra, tem um sistema de exceções, e que não tem mais segurança jurídica. Ninguém consegue explicar para quem vai investir no Brasil como é o sistema. E que mesmo que ele pague tudo direito pode ser multado no futuro. Temos um PIB de contencioso, 80% do custo Brasil está na administração tributária.
LEGADO
Estamos falando de reformar para gerar renda, emprego, distribuir riqueza. Simplificar, modernizar, acabar com a judicialização, dar segurança jurídica.
A reforma tributária será o maior legado desta legislatura. Tanto Lira como o presidente Rodrigo Pacheco [do Senado] são entusiastas da aprovação da reforma. E ela tem, pela primeira vez, o apoio explícito e a boa vontade, como uma ação estruturante, do governo do presidente Lula. Todos os ministros estão envolvidos e engajados pela sua aprovação. Tem um clima diferente.
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