São apenas seis horas da manhã, mas já é possível ver dezenas de pessoas em situação de rua formando filas para comprar bolos de canela e uma xícara de café na estação de Estocolmo.
Organizações sociais afirmam que é um fluxo sem precedentes no país que, atingido por uma inflação recorde, vê os sinais de pobreza se multiplicarem após anos de crescente desigualdade.
"Nos 13 anos que estou à frente desta associação para pessoas sem-teto, nunca vi tanta gente, vejo cada vez mais pessoas à procura de um pouco de ajuda", contou Kawian Ferdowsi, responsável por esta distribuição gratuita de alimentos.
Após um aumento inicial no preço da energia elétrica, a inflação chegou aos alimentos, com um alta e 20%, marca sem precedentes desde os anos 1950.
O governo sueco anunciou na quarta-feira (15) que fará uma reunião com as três maiores redes de supermercado do país para reforçar que qualquer aumento de preços injustificado será "inaceitável".
Após chegar a 12,3% em dezembro, a inflação foi atingida também pelo aumento brusco das taxas de juros, decidido pelo Banco Central. E apesar de ter encolhido ligeiramente em janeiro, voltou a subir em fevereiro para 12%, segundo estatísticas divulgadas na quarta-feira.
"A primeira onda de inflação cobriu apenas os preços da energia e algumas importações. Mas agora se espalhou para toda a economia", diz Annika Alexius, economista da Universidade de Estocolmo.
As famílias de baixa renda são as mais afetadas, mas também a classe média, que está entre as mais endividadas da Europa e enfrenta um aumento repentino nos pagamentos de hipotecas, acrescenta ela.
Mudança nos hábitos alimentares
Em uma unidade da Cruz Vermelha na capital sueca, que oferece produtos a preços mais acessíveis, Marianne Örberg faz sua cesta de alimentos para a semana.
Apesar de garantir não ser uma das mais afetadas pela alta dos preços, a advogada aposentada de 73 anos diz que quer cuidar das finanças.
"As pessoas mudaram seus hábitos alimentares. Comem de forma diferente para equilibrar as contas e iniciativas como esta são muito, muito apreciadas", conta.
Os funcionários da Cruz Vermelha relatam que notaram uma mudança no perfil das pessoas que comparecem ao local.
"Antes víamos essencialmente pessoas marginalizadas. Agora isso mudou. Também são famílias com crianças, idosos ou pessoas em licença médica, todos têm problemas para pagar as contas", disse à AFP secretário-geral da organização na Suécia, Martin Ärnlöv.
Entre as famílias monoparentais de baixa renda, quase uma em cada oito afirma que enfrenta problemas para alimentar seus filhos e tem passado fome, de acordo com uma pesquisa encomendada pela organização.
Recessão
Durante muitos anos a Suécia foi considerada um dos países mais igualitários do mundo, mas os últimos 30 anos foram marcados por um aumento da desigualdade.
Diferentes reformas para equilibrar as contas públicas transformaram o país escandinavo em uma das melhores economias da Europa, mas à custa do enfraquecimento de parte da população.
De acordo com o escritório nacional de estatística, quase 15% dos suecos estão em risco de pobreza. Isso implica estar abaixo de 60% da renda média no país, que gira em torno de US$ 3.100 (cerca de R$ 16.422) por mês.
Somado a isto, as últimas previsões da Comissão Europeia indicam que a Suécia será o único país da União Europeia a enfrentar uma recessão em 2023.
Sua moeda, a coroa, tem sofrido desvalorização no mercado de câmbio, enquanto os apelos para fortalecer a assistência social se multiplicam em um país onde o estado de bem-estar social continua sendo um colchão de segurança.
Mas para Alexius, a situação da Suécia pode ser o prenúncio de um ano difícil para todo o continente.
"Digamos que estamos um pouco à frente dos outros países europeus nesta recessão", diz, concluindo que eles "também enfrentarão um agravamento da situação".
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