Lojas Americanas

Os débitos com as instituições financeiras somam R$ 19,5 bilhões, sendo o Bradesco o maior credor, seguido por Santander, BTG, Itaú Unibanco e Safra

Mauro Pimentel/EM
A primeira versão do plano de recuperação judicial da Americanas foi entregue no fim da noite desta segunda-feira (20/3). A varejista tinha até quarta-feira (22/3) como prazo máximo para apresentar o documento à Justiça. 

 

Segundo fato relevante divulgado pela companhia, o plano prevê um aporte da ordem de R$ 10 bilhões "de forma a assegurar os recursos mínimos necessários para a implementação dos termos e condições de reestruturação dos créditos contemplados no Plano".

 

O aporte pode ocorrer via emissão de ações, de debêntures ou empréstimo DIP (do inglês debtor-in-possesion financing, ou "financiamento do devedor em posse"), usado apenas em recuperações judiciais. Nestes dois últimos casos, os três principais acionistas da companhia –os bilionários Jorge Paulo Leman, Marcel Telles e Beto Sicupira– acabam se tornando também credores da empresa, com direito de receber antes dos quirografários (credores sem garantia).

 

O plano não deixa claro quanto dos R$ 10 bilhões viriam de cada uma das modalidades (emissão, debêntures ou DIP).

 

A Americanas estima ainda que receberá de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões pela unidade de negócios Hortifruti Natural da Terra (dona de 16 lojas em São Paulo), a participação da companhia no Grupo Uni.Co (dono de franquias como Imaginarium e Puket) e um jato executivo 2014 da Embraer, modelo BEM-505.

 

 

 

Uma das opções propostas pela companhia para os credores é a de um "leilão reverso voluntário", em que um pagamento antecipado de até R$ 2,5 bilhões seria destinado aos credores que toparem um desconto de ao menos 70% no valor da dívida. Ou seja, a empresa reserva até R$ 2,5 bilhões (dentro da capitalização de R$ 10 bilhões) e oferece pagamento máximo de 30% da dívida aos credores. Quem concordar com o menor valor a receber, leva.

 

Quem não concordar em participar do leilão reverso, pode receber sua dívida, em uma única parcela, em março de 2043, com um desconto de 80% do valor total.

 

São apresentadas, também, outras opções no plano, como a conversão da dívida em ações da companhia e recompra desta dívida pelos principais acionistas, com desconto.

 

CLÁUSULA CONSIDERADA ABUSIVA PODE SER BARRADA

"A primeira versão do plano é sempre a pior possível para os credores e muita coisa deve ser alterada até a versão final, que será homologada pela Justiça", afirma o advogado Filipe Denki, especialista em recuperação judicial do escritório Lara Martins Advogados.


O advogado Leandro Basdadjian Barbosa, sócio da área de contencioso cível da SFCB Advogado, concorda. "O juiz tem 30 dias para acolher ou rejeitar todas as objeções ao plano", afirma.

 

Os especialistas chamam a atenção para uma cláusula considerada abusiva: o compromisso dos credores que aceitarem as condições de "não litigar". Ou seja, de não recorrerem à Justiça caso, no futuro, depois de sair da recuperação judicial, a  Americanas não cumpra sua parte no acordo.

 

"Isso é cercear o direito à defesa", diz Fernando Bilotti, sócio do escritório Santos Neto Advogados. "O juiz tende a derrubar cláusulas do plano que considere abusivas e essa tende a ser uma delas."

 

"Recorrer à Justiça é um direito constitucional e a Americanas não pode impedir os credores de fazerem isso", afirma Barbosa.

 

 

OS PRÓXIMOS PASSOS

A partir de agora, de acordo com Denki, os credores terão até 30 dias para apresentar objeções ao plano. Se houver uma objeção ou mais, será convocada uma assembleia geral de credores, que votará pela aprovação, rejeição ou modificação do plano.

 

A assembleia tem até 180 dias, desde o início da recuperação judicial, em janeiro, para ser realizada. Ou seja, até a metade de julho. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, dificilmente os grandes credores, como os bancos, vão aceitar um corte de 70% ou 80% do valor a receber.

 

É mais provável que as negociações que tenham sido conduzidas até o momento com os bancos continuem para que, antes da assembleia de credores, seja criada eventualmente uma nova classe que reúna as instituições financeiras, com condições diferenciadas, dizem advogados que acompanham casos de recuperação judicial.

 

Isso porque dificilmente os bancos vão querer ver sua dívida a receber cortada a um terço ou um quinto do total, mas também não querem injetar dinheiro novo para se tornarem acionistas de um negócio do qual desconfiam e está à berlinda. Vale lembrar que uma guerra jurídica está em curso entre a Americanas e seus maiores credores, os bancos, a quem deve cerca de R$ 20 bilhões.

 

O Bradesco, por exemplo, o maior credor, conseguiu que a Justiça de São Paulo agendasse para 27 de abril os depoimentos dos ex-presidentes da Americanas Sergio Rial e Miguel Gutierrez, bem como do antigo diretor financeiro André Covre, acatando pedido do Bradesco

"Em caso de rejeição do plano, o administrador judicial pergunta aos credores se eles querem apresentar um plano alternativo. Se eles se negarem, é convolação em falência", afirma Filipe Denki.

 

Se eles optarem por um plano alternativo, a proposta terá 30 dias para ser apresentada e então colocada em votação na assembleia geral de credores.

 

"Em caso de aprovação, segue a recuperação judicial. Se for rejeitado, porém, pela maioria dos credores, também ocorre a falência", afirma Denki, que considera "pouco provável" a disposição dos credores em apresentar um plano alternativo. "Em geral, para apresentar um plano de recuperação judicial, é preciso ter acesso a muitos detalhes da operação da empresa, coisa que os credores não têm", diz Denki.

 

QUEDA DE BRAÇO COM OS BANCOS

 

A maior dívida da Americanas está nas mãos dos bancos privados. Os débitos com as instituições financeiras somam R$ 19,5 bilhões, sendo o Bradesco o maior credor (R$ 5,1 bilhões), seguido por Santander (R$ 3,6 bilhões), BTG (R$ 3,5 bilhões), Itaú Unibanco (R$ 2,7 bilhões) e Safra (R$ 2,5 bilhões). Também estão na lista os bancos públicos Banco do Brasil (R$ 1,6 bilhão) e Caixa (R$ 500 milhões).

 

Os grandes credores insistem para que os principais acionistas da empresa injetem uma quantia relevante para dar conta do rombo fiscal de R$ 20 bilhões nos balanços nos últimos anos, relacionados às operações de risco sacado, envolvendo financiamento dos bancos aos fornecedores.

 

As conversas começaram em fevereiro com R$ 2 bilhões. Na última reunião, no início deste mês, evoluíram para R$ 10 bilhões, mas os credores exigem pelo menos R$ 12 bilhões.

 

O BTG Pactual, um dos credores mais indignados com a Americanas, aceitou um acordo de paz por 30 dias, em que o banco e a varejista suspenderam sete processos na Justiça, na esperança de que o trio de bilionários injete mais do que os R$ 10 bilhões.

 

 

A crise da varejista foi deflagrada no dia 11 de janeiro, quando o então presidente da Americanas, Sergio Rial, renunciou ao cargo e sugeriu que a empresa vinha escondendo dívidas equivalentes a R$ 20 bilhões em seu balanço, por conta de "inconsistências contábeis".

 

O anúncio do escândalo contábil deu início a uma batalha judicial travada entre a varejista e seus maiores credores, os bancos, que culminou num pedido de recuperação judicial em menos de dez dias.

 

De acordo com analistas que acompanham a empresa, com base nas informações que se têm até o momento, é possível concluir que a Americanas não informou nos balanços parte dos juros que deveria pagar aos bancos nas operações de risco sacado. A prática fez com que suas demonstrações financeiras apresentassem resultados melhores do que de fato existiam, o que acabou inflando o valor das suas ações.

 

Com dívidas declaradas de R$ 43 bilhões na entrega do pedido de recuperação judicial, em 19 de janeiro, a Americanas figura como a quarta maior recuperação judicial da história brasileira, só atrás de Odebrecht (R$ 80 bilhões), Oi (R$ 65 bilhões) e Samarco (R$ 55 bilhões).