O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu nesta quarta-feira (22/3) manter em 13,75% a taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic.
A medida já era esperada pelo mercado. A taxa permaneceu inalterada pela quinta vez consecutiva, apesar da forte pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por sua redução.
Economistas também acreditam que os juros devem continuar nesse patamar por mais tempo; uma queda só é cogitada a partir do segundo semestre.
Uma combinação de fatores, entre eles a deterioração na perspectiva de inflação, a piora na percepção do risco-país e a política monetária atual dos Estados Unidos, vem atravancando uma possível redução dos juros, segundo eles.
Mas como os juros nos afetam? O que eles significam na prática para o bolso das pessoas?
O que é a taxa básica de juros?
A taxa Selic (sigla para Sistema Especial de Liquidação e de Custódia) serve como referência para todas as taxas de juros do mercado brasileiro e é definida pelo Copom, grupo composto pelo presidente e diretores do Banco Central. Eles se reúnem para definir a trajetória da Selic.
A Selic é o principal instrumento de política monetária usado pelo Banco Central para controlar a inflação.
Quando a taxa sobe, os juros cobrados em financiamentos, empréstimos e no cartão ficam mais altos e isso desencoraja o consumo — o que, por sua vez, estimula uma queda na inflação. Por outro lado, se a inflação está baixa e o BC reduz os juros, isso barateia os empréstimos e incentiva o consumo.
Para definir o que fazer com a Selic, o BC avalia as condições da inflação, da atividade econômica, das contas públicas e o cenário externo — sempre com o objetivo de manter a inflação dentro da meta.
O instrumento é usado por todos os governos e autoridades monetárias. O Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, define os juros básicos da economia americana. O Banco Central Europeu faz o mesmo com os juros nos países que compõem a zona do euro.
O mundo vive um momento de alta da inflação em diversos países — como reflexo de desequilíbrios na cadeia de produção combinados com um aumento do consumo devido à pandemia de covid-19.
A inflação tem batido recorde de mais de quatro décadas em países europeus, EUA e Reino Unido. Tudo tem ficado mais caro. Por isso, esses países também estão vendo os juros subirem.
No Brasil, o mais recente ciclo de alta começou em 17 de março de 2021. Desde então, a Selic subiu 12 vezes consecutivamente, de 2% para 13,75%, patamar atingido em agosto do ano passado. Desde então, permanece inalterada. É o nível mais alto desde 2016, quando a taxa começou o ano em 14%.
O objetivo do Copom é fazer a inflação brasileira ficar dentro da meta, que também é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
O que é a meta de inflação?
O regime de metas de inflação, o câmbio flutuante e a meta fiscal compõem o chamado "tripé macroeconômico", anunciado em 1999 como a nova estrutura da política econômica brasileira.
Isso depois de o Brasil ter superado, com o Plano Real (1994), um período traumático de hiperinflação, durante o qual os preços chegavam a aumentar 80% em um único mês.
No modelo atual, o CMN determina em junho a meta para a inflação de três anos à frente.
A ideia é que uma inflação previsível, estável e baixa possa ajudar a economia a crescer mais, reduzindo as incertezas.
Para 2022, a meta para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, usado oficialmente pelo governo) é de 3,5%. Para o ano que vem, a meta é de 3,25%.
O mercado, no entanto, não acredita que o governo vá conseguir cumprir essas metas. O mais recente Boletim Focus (sondagem semanal do BC com agentes de mercado) mostra que o mercado acredita que o Brasil encerrará 2023 e 2024 com inflações anuais de 5,95% e 4,11% respectivamente — ambos índices acima da meta oficial.
Se não houvesse aumento nos juros, as pessoas estariam expostas à inflação alta, o que provocaria uma queda nos padrões de vida de todos. Os preços de bens e serviços subiriam, e os salários das pessoas não acompanhariam essa alta.
Efeitos na prática
Mas juros elevados também têm dois efeitos claros no cotidiano das pessoas:
- Fica mais caro pegar dinheiro emprestado
- Torna-se mais atraente poupar e investir dinheiro em renda fixa
Sobre empréstimos, juros altos afetam principalmente pessoas que tomam financiamentos para comprar casa ou carro — e também consumidores que têm dívidas com cartão de crédito.
Para se ter uma ideia, atualmente, os juros do crédito rotativo (quando o consumidor não faz o pagamento total da fatura até o vencimento), a linha de crédito mais cara do mercado, estão a 411,5% segundo dados de janeiro deste ano — após baterem recorde histórico em dezembro do ano passado (quando chegaram a 409,5%).
Isso significa dizer que uma pessoa que tenha deixado de pagar R$ 1.000 há um ano, hoje teria uma dívida de R$ 5.111,50.
"No caso de cartão de crédito, a inadimplência fica entre 30% a 40% no crédito rotativo, tornando a maior taxa de juro entre todos os empréstimos", diz à BBC News Brasil Fernando Nogueira da Costa, professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp.
O mesmo acontece com empresas: juros altos não incentivam tomada de empréstimos para realizar investimentos.
Se há menos investimentos, geram-se menos emprego e, consequentemente, renda.
E governos também sofrem: juros elevados prejudicam as finanças públicas, já que os países também tomam empréstimos ao emitir títulos de dívida (uma das formas como governos se financiam — a outra é arrecadação de impostos).
Juros mais altos acabam sendo vantajosos para quem tem dinheiro para emprestar e investir. Mas é preciso tomar cuidado. Os investimentos e poupanças precisam ter taxa de retorno superior à inflação para que haja um ganho real.
Foi o caso dos investimentos de renda fixa no ano passado, inclusive da popular caderneta de poupança.
Em 2022, a poupança rendeu 7,90%, porcentual maior do que a inflação acumulada (5,79%), o que significa dizer que houve rentabilidade real (ou seja, acima da inflação) para quem investiu dinheiro nessa modalidade de investimento de renda fixa no período.
Há, entretanto, outros investimentos que oferecem retornos maiores, como os títulos do governo federal.
Por outro lado, para quem não tem dinheiro guardado, a vida fica bem mais difícil, e o fosso entre ricos e pobres tende a aumentar.
Por isso, quando os juros estão elevados, a desigualdade inevitavelmente sobe.
Segundo André Perfeito, ex-economista-chefe da Necton Investimentos, se o Copom mantiver a Selic inalterada, pouco muda para o bolso do brasileiro neste momento.
"Se o BC sinalizar que existe espaço para eventuais cortes, isso pode fazer com que juros mais longos caiam, o que pode ajudar algumas condições monetárias, como linhas de crédito imobiliário", diz.
Desigualdade
Falando a partir de uma perspectiva mais ampla, Fábio Terra, professor de Economia da UFABC (Universidade Federal do ABC), lembra, contudo, que a decisão do Copom "sempre afeta a vida das pessoas, mesmo se for uma decisão de manter os juros inalterados".
"Os juros afetarão as pessoas por dois caminhos: primeiro, direto, tornando mais caro o crédito ao consumo e segundo, indireto, pois como a economia esfria com juros elevados, as pessoas têm menor oferta de emprego, tem chance de demissão, a criação de renda desacelera e autônomos vendem menos, empresas investem menos e o estoque de riqueza da sociedade não cresce como poderia crescer se os juros fossem menores", resume.
"Por fim, há ainda uma piora na distribuição de renda, pois as pessoas mais ricas conseguem poupar e ganham os juros Selic, aumentando a riqueza que possuem enquanto que os mais pobres não conseguem poupar e nem investir para ganhar com a Selic. A distribuição pessoal da renda piora, assim", acrescenta.
Sendo assim, juros mais elevados são prejudiciais para os mais humildes, "pois encarecem o crédito e arrefecem a economia, ao mesmo tempo em que piora a distribuição de renda", conclui Terra.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx85w0qq3djo
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