Cédulas sobrepostas em superfície, ao lado de moeda

O cenário mais preocupante é entre as crianças menores

Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Os efeitos da pandemia da COVID-19 na formação de crianças e jovens pode gerar uma defasagem em suas vidas adultas, alerta o Banco Mundial (Bird). Levantamento recente da instituição multilateral mostra que pessoas que tinham menos de 25 anos em 2020, quando a doença se espalhou mundialmente, podem ter uma redução de até 25% em seus rendimentos no futuro.

O cenário mais preocupante é justamente entre as crianças menores, que sofreram com o fechamento das escolas em uma fase essencial para sua formação. No futuro, a defasagem pode gerar inclusive perdas econômicas para os países.

De acordo com o estudo, intitulado "Colapso e Recuperação: Como a pandemia da COVID-19 deteriorou o capital humano e o que fazer a respeito", o deficit de aprendizado atinge especialmente os países de baixa e média renda, sendo o Brasil um dos mais afetados pela perda de empregos dos jovens.

O Banco Mundial destaca ainda que os países precisam investir em políticas públicas para recuperar o atraso, sugerindo ações emergenciais como adequar o ensino ao nível de aprendizagem dos alunos e estimular o acesso dos jovens ao mercado de trabalho.

Janela pequena

No estudo, o Banco Mundial alertou que a janela para mitigar o deficit educacional é pequena, e sugeriu uma longa lista de políticas públicas que devem ser adotadas pelos países. Entre as ações mais urgentes estão o apoio à campanha de vacinação e suplementação nutricional de crianças mais novas, aumentar o acesso à pré-escola e expandir os programas de transferência de renda para famílias vulneráveis.

"As pessoas com menos de 15 anos hoje, ou seja, as mais afetadas pela deterioração do capital humano, representarão mais de 90% da força de trabalho em idade ativa em 2050", afirma o economista chefe para Desenvolvimento Humano do Bird, um dos nomes que assinam o relatório. "Reverter o impacto da pandemia sobre elas e investir em seu futuro deve ser a prioridade mais alta para os governos. Caso contrário, esses cortes representarão não apenas uma, mas várias gerações perdidas", acrescenta.

Segundo a pesquisa, entre março de 2020 e março de 2022, a perda estimada na educação de crianças em idade escolar era de um ano de escolaridade presencial, sendo mais acentuada em países da América Latina, com perdas de 1,7 ano. No Brasil, entre 1º de abril de 2020 e 31 de março de 2022, as escolas ficaram parcialmente ou totalmente fechadas por 90% do tempo.

Em países de baixa e média renda, quase um bilhão de crianças perderam, no mínimo, um ano escolar inteiro, sendo que 700 milhões perderam um ano e meio. Como efeito, cerca de 70% das crianças de 10 anos nesses países são incapazes de entender um texto básico, sendo que, antes da pandemia, esse índice era de 57%.

Os dados do Bird são corroborados por indicadores de instituições brasileiras. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostra que a taxa de alunos com dificuldades para ler e escrever saltou de 15,5%, em 2019, para 33,8%, em 2021. O Censo Escolar, divulgado pelo Inep, mostrou ainda que a taxa de abandono mais do que dobrou no ensino médio entre 2020, de 2,3%, para 2021, de 5%. Já os jovens entre 15 e 24 anos sofreram com a falta de acesso ao emprego. O México e o Brasil tiveram a maior queda no emprego dessa população, de 7% e 6%, respectivamente. O número de jovens que não trabalham nem estudam chegou a 22% no fim de 2021. Segundo o estudo do Bird, o desemprego ou baixa remuneração nesse período pode impactar essas pessoas por até 10 anos.

"Fechamento de escolas, lockdowns e interrupções nos serviços durante a pandemia ameaçaram acabar com décadas de progresso na construção de capital humano de várias gerações", declara o presidente do Banco Mundial, David Malpass.

Deficit pode ser recuperado

Ao comenter sobre o alerta do Banco Mundial (Bird), a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília Catarina Santos ressalta que não foi apenas a pandemia da COVID-19, em si, que causou o deficit educacional do Brasil, mas que os problemas já existentes foram ressaltados por uma situação extrema.

Para ela, as sugestões dadas pelo Bird não são novidade no Brasil, já que apontam para dificuldades conhecidas no sistema educacional e poderiam ter sido resolvida no país "alguns anos atrás", se houvesse comprometimento do poder público com a erradicação da fome e da melhora na educação. "Não existe a lógica da 'geração perdida', porque a possibilidade de aprendizado é ao longo da vida. Esse deficit é consequência do que não fizemos antes, não fizemos durante e não estamos fazendo depois da pandemia. Tem a ver com a falta de ação governamental para resolver a questão."

A professora destaca que o país já tinha um deficit de educação antes da pandemia. Logo, os que já eram afetados foram os mais impactados pelo atraso no currículo escolar, pois foram justamente os que tiveram menos acesso. "Não garantimos que essas pessoas tivessem um acesso mínimo, de diversas formas. Não garantimos unidades computacionais às escolas, alimentação, e condições de vida às famílias", critica.