SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa aperfeiçoar a parceria do Brasil com a China nos próximos anos, caso o país queria aproveitar o momento atual da economia chinesa, de crescimento baseado em setores de ponta, segundo a visão de especialistas ouvidos pela reportagem.
No início de março, a China estabeleceu uma meta de cerca de 5% para o crescimento econômico em 2023. É a menor em mais de três décadas, e a economia chinesa já havia tido um desempenho mais fraco, crescendo 3%, no ano passado após ser pressionada por três anos de uma política dura de controle da Covid-19.
O governo chinês reforçou a necessidade de estabilidade econômica e expansão do consumo, definindo uma meta de criar cerca de 12 milhões de empregos nos centros urbanos neste ano, acima da meta do ano passado (de 11 milhões) e alertou para os riscos que permanecem presentes no setor imobiliário.
Para Elias Jabbour, professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e especialista em China, a meta mais modesta não é um sinal negativo, e um país com as dimensões chinesas mirar em um crescimento na casa dos 5% traz certezas em um momento incerto para a economia mundial.
"O crescimento vai ser menor, mas isso não vai se refletir em queda de investimentos ou de produtividade do trabalho. É menor do ponto de vista quantitativo, não qualitativo", diz. Os resultados maiores vão ser substituídos por um crescimento mais sustentável, amparado em transição energética, investimento em setores de altíssima tecnologia e voltado para a distribuição de renda, diz.
Jabbour, que é autor do livro "China: o Socialismo do Século 21", argumenta que os chineses construíram um arcabouço financeiro e comercial que permite que o país possa escolher quanto e quando crescer e que o Brasil pode aprender a mobilizar sua inteligência usando a capacidade da China.
"A China entrega uma tendência de exportadora de bens públicos, enquanto o Brasil tem um problema sério de infraestrutura. Uma parceria para a entrega de trens de alta velocidade, com tecnologia que pode ser uma porta de entrada para a reindustrialização do Brasil, pode ser um caminho. É preciso ir além das commodities e passar para um estágio de cooperação", diz ele.
No mês passado, o presidente Lula viajaria para a China, em visita ao líder chinês, Xi Jinping. Lula, no entanto, desmarcou a viagem, após ser diagnosticado com uma pneumonia. O Palácio do Planalto remarcou a ida do mandatário ao país para esta terça-feira (11).
A comitiva deve partir de Brasília para Xangai e chegar a Pequim dois dias depois. A visita de Lula ocorre logo após a ida da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) para o NDB, banco do Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
A presença da ex-presidente na instituição é considerada pelo governo como um sinal de fortalecimento do país nos Brics e de oportunidades de investimentos. À Folha de S.Paulo, o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro (PSD), disse que o governo pretende estabelecer uma parceria com a instituição, ampliando a oferta de crédito a juros baixos para produtores rurais.
"O Brasil tem um bom momento para captar. Pega dinheiro com os Brics, e o BNDES e o Banco do Brasil emprestam para investidores, compra de tratores, máquinas colheitadeiras, construção de armazéns. Investimentos de cinco, seis, sete anos com taxas mais reduzidas. É uma operação segura para todos."
Na avaliação dos analistas, a China pode deixar o papel de uma das beneficiadas da desindustrialização do Brasil para se tornar aliada na reindustrialização, agora com foco em economia verde.
Lula deve aproveitar a visita para firmar com a China um acordo de cooperação em semicondutores, 5G, 6G e as próximas gerações de redes móveis, inteligência artificial e células fotovoltaicas.
A BYD, fabricante de ônibus 100% elétricos em Campinas (SP), poderá contar em breve com a sua primeira fábrica nacional de carros de passeio.
Após a visita de Lula, o governo também promete mobilizar esforços para retomar as obras de infraestrutura, com o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) --o plano de investimentos deve reunir concessões, aportes diretos do governo e parcerias com estados e municípios.
Em março, Xi Jinping garantiu um inédito terceiro mandato, durante uma sessão parlamentar na qual reforçou seu controle sobre a segunda maior economia do mundo.
Segundo o analista de um "think tank" norte-americano, o líder chinês vai precisar se concentrar na retomada econômica em seu terceiro mandato.
Para Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas) e também especialista no país asiático, analistas já falavam que um crescimento chinês em torno de 6% exigiria muito estímulo e causaria desequilíbrios, como a alocação inadequada de capital.
"As pessoas olham muito para o curto prazo, mas se esquecem de ver o todo. A meta pode ser mais razoável, mas ainda vai exigir esforços na fronteira daquilo que é possível", avalia ele.
Ribeiro também reforça que os planos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também deverão levar em conta a perda de fôlego das commodities e que os países exportadores de grãos e proteínas animais, como o Brasil, devem ver uma estabilização dos preços.
"Só estou moderadamente otimista com o comportamento dos preços do minério de ferro, que pode ser positivo para o Brasil. A China dá sinais de avanço nos investimentos em infraestrutura. Para apresentar um crescimento, vai precisar fazer um leve impulso fiscal."
O coordenador do Grupo de Pesquisa de Competitividade e Economia Internacional da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), Marcos Lélis, lembra que 2023 será um ano difícil para a economia mundial --e a China não deve escapar disso, já que reabriu o país, com o fim das restrições da política de Covid Zero, em um momento de desaceleração global.
"Aquele ciclo robusto de commodities acabou na década passada e não deve voltar. Mas Lula está tentando buscar investidores para ajustar a formatação da infraestrutura do Brasil. Se há empresas sólidas chinesas, com apetite de investir no Brasil, já é uma outra questão."
Lélis concorda que o país passa por uma mudança de patamar produtivo, em que as grandes exportações de calçados, têxteis e revestimentos cerâmicos vão dar cada vez mais lugar a setores de ponta, com mais tecnologia agregada.
"Para o Brasil, a melhor forma de aproveitar esse momento chinês é se aproximar ainda mais deles e tentar fazer mais trocas de alto padrão tecnológico, para captar alguma coisa desse salto. Mas não é algo tão fácil. Os chineses já investiram mais no Brasil no passado e é preciso reconquistar isso."
Apesar de distante de patamares de décadas anteriores, um relatório do Conselho Empresarial Brasil-China apontou que os aportes do país asiático no Brasil somaram US$ 5,9 bilhões em 2021, um aumento de 208% ante 2020 em termos nominais (recuperando a queda causada pela pandemia).
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