Em meio às críticas ao elevado patamar de juros no país, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, voltou a defender a autonomia da autoridade monetária, ao destacar que as decisões da autarquia são tomadas com embasamento técnico. "O timing técnico é diferente do timing político. Por isso, a autonomia é importante para dar à sociedade a garantia de que temos funcionários técnicos e que tomamos decisões sem viés político", disse ele ontem, durante o UK Brazil Conference, evento promovido pelo Grupo de Líderes Empresariais (Lide), em Londres.
O custo de combater a inflação é alto e é sentido primordialmente no curto prazo", reconheceu Campos Neto. "Mas o custo de não combater a inflação é muito mais alto, e perene", completou. Ele ressaltou que, "obviamente, o Banco Central quer reduzir o juro", mas ponderou que se a movimentação não for feita com "credibilidade", a taxa a longo prazo continuará alta.
O patamar atual da taxa básica de juros (Selic), em 13,75% ao ano, virou alvo de críticas recorrentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e estabeleceu um impasse entre o governo e a autoridade monetária. As declarações de Campos Neto foram feitas às vésperas da participação dele na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, que acontece na próxima terça-feira, onde deve ser sabatinado sobre os juros.
O presidente do BC dedicou boa parte de sua apresentação para justificar a necessidade de manter a Selic por mais algum tempo no patamar atual, o que indica que não haverá uma revisão da taxa no próximo encontro do Comitê de Política Monetária (Copom), marcado para 2 e 3 de maio.
Segundo Campos Neto, se o Copom não tivesse iniciado o ciclo de aperto monetário em 2021, a inflação deste ano no Brasil seria de 10%, e os juros teriam que estar em 18,75%, o que levaria o país à recessão. "O BC sempre atuou de forma autônoma e fez grande subida de juros em ano de eleição. Se não tivesse feito isso, teríamos uma inflação hoje provavelmente muito descontrolada e um custo para a para a sociedade de muito maior", disse.
Ele explicou, ainda, que as decisões de política monetária demoram de 6 a 12 meses para terem efeito. Sendo assim, não é possível remediar a inflação de curto prazo, tornando-se necessário olhar para a expectativa à frente.
Ao ouvir de um empresário que o atual patamar dos juros impedia o Brasil de crescer, o chefe da autoridade monetária explicou que apenas 20% do crédito, no país, é ligado diretamente à Selic e o restante é ligado pelas chamadas taxas longas: "O que move o Brasil não é a taxa de juros de um dia, é a taxa de três, cinco, dez anos. Para fazer com que a queda da Selic gera um movimento de queda prolongada de juros, precisa ter credibilidade. O Banco Central está esperando o melhor momento para fazer (isso), para que isso tenha um ganho real para as pessoas. A economia não gira na Selic".
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que também estava presente no evento, voltou a se dirigir a Campos Neto pedindo pela queda dos juros. "Quero mais uma vez destacar ao nosso querido Roberto Campos Neto, com a devida vênia, a nossa reivindicação relativamente ao juro do Brasil, com a natural cordialidade respeito e acatamento, mas é uma súplica do Congresso Nacional", disse. E emendou: "Não poderia deixar de externar que 13,75% ao ano realmente são muito difíceis para o crescimento do Brasil, e tenho certeza de que o BC, sob a condução de Roberto Campos Neto, haverá de cuidar de maneira muito veemente para que essa taxa de juro se reduza no Brasil".
Em meio ao aumento da pressão política, o presidente do BC reforçou que a independência do banco é crucial para a economia do país. Questionado se a autonomia estaria sob risco, Campos Neto minimizou as pressões do governo. "O debate sobre juros é normal, a autonomia do Banco Central não está em risco", afirmou.
O banqueiro mencionou a imparcialidade da autarquia ao ter elevado a taxa de juros em plena campanha eleitoral, na qual o ex-presidente Jair Bolsonaro tentava a reeleição. "Nunca houve uma alta de juro em ano de eleição na história do Brasil e do mundo", disse.
Metas de inflação
O presidente do BC já havia ponderado que a inflação vem caindo de forma mais lenta do que o esperado e que, por isso, ainda não era hora de cortar juros. A meta de inflação para este ano é de 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos, e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, está em 5,6% no acumulado em 12 meses.
O presidente Lula também criticou a meta, considerada por ele muito baixa diante do desarranjo global. Para 2024, a meta é ainda menor: 3%, com a mesma margem de tolerância. Enquanto isso, o mercado já projeta índices bem maiores no Boletim Focus.
"Escuto muito as pessoas dizerem que o BC do Brasil nunca respeita a meta. Na verdade, a gente passou da banda acima da meta por sete vezes. Curiosamente, é o mesmo número de vezes que Chile e Peru passaram. Colômbia, acho que oito vezes. Então, está na média dos países que adotaram o sistema de metas mais ou menos neste período", observou Campos Neto.
Ele citou como exemplo países como Argentina e Turquia, que abandonaram o regime de metas e entraram num ciclo de inflação muito alta. Na Argentina, a inflação do país atingiu 104% e os juros chegaram a 81% ao ano. Já na Turquia, a inflação está em torno de 70%, mesmo em um cenário de juro negativo. "Para aqueles que acham que juros negativos são sinal de um país saudável e de crédito abundante, basta olhar para a Turquia. Tem juro negativo, não tem crédito abundante, não é saudável e foi um dos maiores aumentos dos índices de pobreza dos últimos tempos", apontou. Segundo ele, o Brasil tem uma meta de inflação compatível aos países emergentes.
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